A fotoproteção é o conjunto de medidas para prevenir as consequências do excesso da exposição solar. Em dezembro, a Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD) promove a campanha Dezembro Laranja, para prevenção e diagnóstico do câncer de pele, incentivando a fotoproteção e o uso do protetor solar. E como a biotecnologia pode nos ajudar nisso? Vamos conhecer neste texto o papel da biotecnologia para a pesquisa e desenvolvimento dos protetores solares!
Radiação solar
A radiação solar é composta pelo espectro ultravioleta (100 a 400 nanômetros), visível (400 a 700 nanômetros) e infravermelho (700 a 1200 nanômetros). Elas são percebidas como reações fotoquímicas; cores, detectadas pelo sistema óptico; e calor, aumentando a temperatura da matéria, além disso, cada tipo de radiação penetra em camadas diferentes da pele.
O espectro ultravioleta é subdividido em:
- Raios Ultravioleta C (UVC): possuem comprimento de onda mais curto (270 – 290 nanômetros) e são altamente carcinogênicos, mas não alcançam a superfície terrestre, pois são retidos pela camada de ozônio na atmosfera.
- Raios Ultravioleta B (UVB): possuem comprimento intermediário (290 – 320 nanômetros). A radiação UVB é intensa na superfície terrestre das 10 às 16 horas e penetra até a epiderme da pele. Seus efeitos imediatos na pele são: manchas, queimaduras e descamação, além disso ela é responsável pelo eritema, envelhecimento precoce, espessamento da câmara córnea e supressão da resposta imunológica da pele. A radiação UVB causa danos diretos ao DNA (ácido desoxirribonucleico) que podem resultar na formação de células malignas (câncer).
- Raios Ultravioleta A (UVA): possuem comprimento mais longo (320 – 400 nanômetros). Os danos ocorrem pela formação dos radicais livres, que estimulam a produção de várias enzimas que degradam o colágeno e a elastina e resultam no envelhecimento cutâneo precoce (fotoenvelhecimento). Outros danos causados pela radiação UVA são a perda da elasticidade, menor absorção de água, surgimento de radicais livres, hiperpigmentação, eritema, fotossensibilidade e contribuição com o câncer.
A radiação infravermelha (800 a 3000 nm) penetra profundamente na derme e é sentida na forma de calor, pois aumenta a temperatura da pele provocando a vasodilatação e sinaliza quando é o momento de ir para a sombra. Ela também pode agir sinergicamente com os raios UVs nos malefícios à pele.
Fotoproteção e Dezembro Laranja
No Brasil, as taxas de câncer de pele aumentam a cada ano, sendo que o câncer de pele é o principal tipo de câncer, representando 33% de todos tumores malignos, segundo o Instituto Nacional de Câncer a estimativa para o triênio 2023-2025 é de 704 mil novos casos de câncer de pele por ano.
Para divulgar a importância da fotoproteção, a SBD criou o Dezembro Laranja que tem como objetivo promover o diagnóstico precoce de câncer de pele e ampliar as campanhas de fotoeducação. Portanto, fique atento aos fatores de risco listados pela SBD:
- ter algum familiar com câncer de pele;
- ter tido muitas queimaduras do sol;
- ter muitas sardas ou pintas;
- ter a pele muito clara;
- já ter tido câncer de pele;
- ter mais de 65 anos de idade.
O esquema ABCDE é um método recomendado pela SBD e Sociedade Americana de Câncer para o paciente identificar e monitorar lesões suspeitas que surgem no câncer de pele melanoma. Aprenda a usá-lo assistindo esse vídeo da SBD, lembrando que é importante consultar o médico dermatologista regularmente, pois só ele pode fornecer o diagnóstico.
É importante proteger-se da radiação solar todos os dias (inclusive dias nublados e com neblina), utilizando-se de barreiras ambientais, físicas e químicas:
- Ambientais: Lembrar de evitar exposição à radiação solar nos horários de alta transmissão da radiação UV (entre as 9 e 15 horas). Ficar na sombra também pode reduzir a incidência da radiação ultravioleta.
- Físicas: utilizar óculos com filtro UV, roupas com filtro UV, bonés, chapéus, guarda-sol, vidros com película UV.
- Químicas: usar o protetor solar corretamente. Lembre-se de aplicar com 30 minutos de antecedência, reaplicar a cada 2 horas, reaplicar toda vez que entrar na água. Use o protetor com FPS (Fator de Proteção Solar) a partir de 30, procure o mais adequado para seu fototipo de pele e use em quantidade suficiente para se fotoproteger. Existe uma variedade de formas de apresentação dos cosméticos, podendo ser creme, gel, bastão e spray.
Em caso de dúvidas procure o médico dermatologista ou o farmacêutico que são os profissionais que podem orientar sobre o uso dos fotoprotetores.
A biotecnologia e a fotoproteção
A biotecnologia está em diversas áreas da ciência e tecnologia e não podia ser diferente em relação à fotoproteção; ela pode ajudar a prospectar novas moléculas de origem biológica (proteínas, enzimas) com esta função, produzindo moléculas mais eficazes, seguras e que causam menos danos ao meio ambiente. Outra possibilidade é a produção de filtros sustentáveis que podem ser originados de materiais renováveis como plantas e algas.
A função do fotoprotetor (formulação cosmética) é proteger o corpo dos danos causados pela radiação ultravioleta (UV) como o câncer e o fotoenvelhecimento. Para isto, eles usam filtros orgânicos e inorgânicos que podem absorver ou dispersar a radiação UV. Esses filtros podem ser limitados e/ou prejudiciais ao meio ambiente, pois podem ser liberados na água e no solo.
Fotoprotetores inovadores
Pesquisadores da Escola Superior de Biotecnologia do Porto (Portugal) desenvolveram um fotoprotetor com espinhas de bacalhau. Eles submeteram as espinhas em uma solução de ferro, depois à elevadas temperaturas (700 ºC) e trituração para obtenção do pó. O ferro possui a capacidade de modificar as propriedades químicas da espinha do bacalhau para absorver a radiação UV. Esse é um exemplo que permite aproveitar resíduos das espinhas do bacalhau e reaproveitar o resíduo.
Diferente dos protetores solares convencionais, que atuam de maneira preventiva, os pesquisadores desenvolveram para o mercado cosmético, protetores que fazem a chamada “fotoproteção ativa” contendo enzimas (fotoliase, T4 endonuclease V) que fazem o reparo do DNA danificado. Estas enzimas são capazes de identificar e remover regiões danificadas do DNA pela radiação UV. A fotoliase que é encontrada em bactérias, arqueas e células eucariotas, além de reparar o DNA, está associada a redução da enzima Metaloproteinase de Matriz (MMP), que degrada o colágeno; inibe a morte celular induzida pela radiação UV e reduz a inflamação da pele causada pela radiação solar. A T4 endonuclease V é uma enzima isolada da bactéria Escherichia coli infectada pelo vírus bacteriófago T4 que detecta o DNA danificado e aumenta o reparo natural em até 4 vezes. Ela também contribui com a regeneração da pele e evita a destruição de componentes de matriz extracelular, prevenindo o fotoenvelhecimento.
Filtros solares de origem biotecnológica
A biotecnologia promove a pesquisa e o desenvolvimento de bioprodutos para a indústria cosmética, sendo principalmente focadas em estudos de substâncias fotoprotetoras extraídas e/ou isoladas a partir de organismos marinhos, microrganismos, animais e plantas. Essas substâncias são produzidas como defesa para contribuir com a sobrevivência das espécies.
O melhoramento isolado ou combinando de filtros UV, incentivaram a pesquisa por compostos biológicos que podem contribuir com a diminuição de reações alérgicas, fototoxicidade e desregulação endócrina.
As algas são estudadas e usadas com esta finalidade. Um exemplo é o extrato da microalga Porphyra umbilicalis, que promoveu o aumento de 40% da fotoproteção contra os raios UVA, quando incorporado em creme base. Isso ocorre devido a presença de polifenóis que absorvem a radiação e combatem os radicais livres. Resultados promissores também foram encontrados usando extratos de Sargassum vulgare e Porphyra umbilicalis.
Os pesquisadores também já encontraram na bactéria Deinococcus radiodurans, a enzima superóxido dismutase que neutraliza o ânion superóxido, uma molécula oxidante produzida por alterações induzidas pela radiação UV; ela também pode ser obtida por meio da modificação genética da levedura Saccharomyces cerevisiae. Outros estudos também verificaram que o pigmento produzido pela bactéria Micrococcus luteus têm capacidade de absorver os raios UVA e poder antioxidante e pode ser utilizado para incrementar o FPS de formulações fotoprotetoras. Além disso, a proteína piomelanina encontrada em bactérias Pseudomonas sp, e na levedura Yarrowia lipolytica aumentou o índice de FPS quando foi incorporada em formulações fotoprotetoras.
Outro composto muito explorado pelos pesquisadores, e que é de origem animal, é a própolis que possui diversos compostos químicos formados a partir da interação da abelha Apis mellifera com a flora local, apresentando propriedades fotoprotetoras e antioxidantes. As toxinas produzidas pela pele de anfíbios também são outro grupo químico estudado pelos pesquisadores que já verificaram proteção contra o fotoenvelhecimento em toxinas da Odorrana livida.
Fotoprotetores orais
Uma fonte natural muito explorada pelos pesquisadores para prospectar novas moléculas com capacidade de absorver a radiação são os compostos vegetais. As plantas produzem essas substâncias como parte do seu metabolismo secundário para se proteger contra a radiação UV. Essas plantas são usadas como “fotoprotetores orais”, mas na verdade são antioxidantes que podem proteger contra os radicais livres produzidos pela radiação UV. Os radicais livres promovem reações de oxidação de proteínas e lipídeos, resultando em danos como o câncer de pele.
Os compostos flavonoides, catequinas, pycnogenol presentes em Aloe vera, calêndula, alga vermelha, óleo da semente de framboesa e umbu são exemplos de substâncias que são utilizadas como antioxidantes. Em extratos de plantas do cerrado brasileiro (Croton sonderianus, Aspidosperma pyrifolium, Amburana cearenses, Curatella americana, Aspidosperma cuspa, Curatella americana, Luehea paniculata, Amburana cearenses, Dimorphandra gardneriana e Lippia microphylla) foram encontrados FPS acima de 6; e em extratos de Chrysanthemum fontanesii, Pelargonium graveolens e Hylocereus polyrhizus com FPS maiores que 30.
Mas é importante salientar que os extratos de plantas antioxidantes não substituem o uso tópico de protetor solar que é fundamental para proteger a pele e prevenir o câncer de pele. Eles atuam como um agente extra no combate aos danos causados pela exposição à radiação UV, por diferentes mecanismos de ação (antioxidante, anti-inflamatória e imunomediadora).
Algumas substâncias de origem vegetal (folhas, caules, frutos) também são incorporadas em formulações cosméticas para aumentar o nível de FPS de formulações fotoprotetoras. É o que acontece com extratos de Psidium guajava e Nephelium lappaceum que aumentaram em 139% os níveis de FPS de um protetor solar.
Outro exemplo são os carotenóides (usado via oral ou em formulações tópica), que são pigmentos vermelhos, alaranjados ou amarelados encontrados em raízes, folhas, sementes, frutos e flores de diversas espécies vegetais (Bixa orellana, Eriobotrya japonica) e tem a capacidade de remover radicais livres, aprimorar o sistema imunológico, retardar o envelhecimento celular naturalmente em frutas e servir como precursor da vitamina A.
Vimos quanto a exposição excessiva ao sol pode causar danos à saúde, e o quanto o diagnóstico precoce do câncer e o uso de fotoprotetores (protetor solar) é essencial para evitar inúmeros danos à saúde da pele! E como a biotecnologia possui um papel importante para o desenvolvimento de testes moleculares e fotoprotetores mais eficazes e sustentáveis. E como a biodiversidade possibilita a descoberta e prospecção de novos compostos que otimizam as formulações e ajudam a preservar o meio ambiente.
Cite este artigo:
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