Definir biotecnologia parece uma coisa tão complicada… mas a verdade é que a biotecnologia está presente em tudo! No desenvolvimento de medicamentos e novos tratamentos para doenças, nossas comidas e bebidas favoritas, e até na cultura pop!
Considerando a definição da Convenção sobre Diversidade Biológica da ONU (1992) de que a biotecnologia é “qualquer aplicação tecnológica que utilize sistemas biológicos, organismos vivos, ou seus derivados, para fabricar ou modificar produtos ou processos para utilização específica”, você já parou para pensar que existe biotecnologia no surgimento dos poderes dos super-heróis? Pois é! Continue lendo esse texto para descobrir mais sobre os conceitos científicos embutidos no surgimento de alguns super-heróis.
Homem-Aranha
O Homem-Aranha é um personagem da Marvel Comics criado em 1962. Ao ser mordido por uma aranha radioativa, o adolescente Peter Parker incorpora parte do material genético do aracnídeo e desenvolve força e agilidade proporcionais às de uma aranha, além da habilidade de fabricar teias. Seria o Peter Parker um exemplo de transgênico na ficção científica?
Na vida real, a adição ou modificação de material genético em um organismo é um processo bem mais complexo e precisa de algumas ferramentas de biologia molecular e muita pesquisa e testes para garantir que a edição ocorreu de forma correta no DNA.
Plantas e animais transgênicos são desenvolvidos durante anos de pesquisa e devem atender uma longa lista de requisitos de segurança das agências regulatórias antes de serem disponibilizados para comercialização e consumo animal e humano. No caso dos seres humanos, a edição genética de embriões e bebês ainda é um assunto controverso, mas diversas terapias gênicas estão em desenvolvimento (e algumas até já foram aprovadas) para o tratamento de doenças de origem genética.
O Incrível Hulk
O Hulk também foi criado em 1962 pela Marvel Comics, na Era de Prata dos quadrinhos. Na história, o Dr. Bruce Banner acabou acidentalmente exposto a uma explosão de uma bomba de raios gama que havia desenvolvido. Como estamos falando de ficção científica, essa alta dose de radiação não provocou sua morte, mas o transformou no Hulk, um ser de força e resistência ilimitadas!
A radiação gama é uma forma de radiação ionizante, ou seja, resultante de ondas eletromagnéticas emitidas por núcleos instáveis e altamente penetrante em materiais e em tecidos humanos. A radiação gama é utilizada para esterilização de materiais (equipamentos, alimentos, etc.) e em pequenas doses é utilizada na radioterapia para destruição de tumores. No entanto, por ser uma radiação ionizante, isto é, capaz de ionizar (arrancar elétrons) átomos e moléculas, altas doses ou uma exposição prolongada a raios gama pode levar ao desenvolvimento de mutações genéticas e ao surgimento de tumores malignos ou a perda de função de órgãos em seres vivos.
Quarteto fantástico
Os heróis do Quarteto Fantástico, publicado pela DC Comics em 1961, também desenvolveram seus poderes após serem expostos a altas doses de radiação, desta vez a raios cósmicos. Durante uma viagem de exploração espacial, os quatro tripulantes da nave atravessaram uma tempestade de raios cósmicos e ao retornarem à terra descobriram que possuíam poderes especiais: Reed (o Senhor Fantástico) poderia esticar seu corpo e assumir qualquer formato; Susan Storm (a Mulher Invisível) adquiriu a habilidade de se tornar invisível; Johnny Storm (o Homem Tocha) passou a controlar o fogo; Ben Grimm (o Coisa) se transformou no rocha humana, dotado de muita força.
Os raios cósmicos de alta energia são núcleos atômicos que viajam pelo espaço em velocidades próximas à da luz e atingem a Terra com menor frequência que os raios cósmicos de baixa energia. Enquanto que na Terra a magnetosfera (área que sofre influência dos campos magnéticos terrestres) protege os seres humanos de altas doses dessa radiação, e a exposição contínua que o homem sofre produz efeitos de difícil identificação, astronautas como os do Quarteto Fantástico estão expostos a doses muito mais altas de radiação. A exposição a altas doses dessa radiação ionizante pode provocar mutações no material genético, como explicado para a radiação gama. Além disso, um estudo mostrou que camundongos expostos a altas doses de partículas altamente energizadas apresentaram um declínio cognitivo e danos na estrutura e nas sinapses de células nervosas.
Flash
Você sabia que existem diferentes personagens Flash e diferentes origens para seu super poder? Em 1940 a DC Comics criou o personagem Jay Garrick, o primeiro personagem a se chamar Flash, durante a Era de Ouro dos quadrinhos. Jay Garrick era um assistente de laboratório de biologia e conseguiu seus poderes depois de um acidente químico com água pesada (água formada por dois átomos de deutério no lugar dos hidrogênios) . No Brasil este personagem foi publicado com o nome de Joel Ciclone. Em 1956 um novo Flash surgiu, também devido a um acidente com produtos químicos: o laboratório em que o cientista forense Barry Allen trabalhava foi atingido por um raio e ele acabou banhado por produtos químicos que lhe concederam super-poderes de velocidade e reflexos sobre-humanos.
Na vida real, acidentes com produtos químicos no laboratório são muito perigosos, podendo causar explosões, irritação, corrosão, queimaduras, toxicidade, teratogênese dependendo de suas propriedades físicas, químicas e toxicológicas. Esteja sempre atento às regras de biossegurança de seu laboratório e às propriedades e riscos do material com o qual está trabalhando.
Capitão América
As primeiras publicações do Capitão América pela Marvel Comics surgiram na década de 40. Steve Rogers era um rapaz magro e com problemas de saúde que desejava participar, de qualquer forma, das tropas estadunidenses em combate na Segunda Guerra Mundial. Steve se torna parte de um experimento que busca a criação de “super soldados” por meio da injeção de um soro especial em pessoas comuns. Após a aplicação do soro, Steve desenvolve massa muscular, força, agilidade e velocidade, e passa a combater os nazistas sob o pseudônimo de Capitão América.
Na vida real, não existe nenhuma substância ou coquetel de substâncias que cause esses efeitos combinados nos seres humanos. Algumas drogas e substâncias são utilizadas por atletas de alto rendimento para estimular o crescimento muscular, amenizar a dor, melhorar seu rendimento e resistência física, mas de forma passageira. No entanto, o uso de algumas substâncias é proibido no esporte, e os atletas são constantemente submetidos a exames antidoping para verificar a presença dessas substâncias no organismo. Apesar de parecer vantajoso no desempenho esportivo, o uso dessas substâncias estimulantes, narcótico-analgésicos, anabolizantes, diuréticos e hormônios pode trazer diversos problemas de saúde, que vão desde alterações de humor e reações alérgicas, a hipertensão arterial, falência hepática, aumento do volume do coração, convulsões, trombose,problemas renais, coma e morte.
X-men
Os heróis mutantes ganharam seu próprio título em 1988, mas já vinham sendo publicados pela Marvel Comics nas revistas de outros personagens desde 1968. Os X-men são conhecidos como mutantes, e como este nome já indica, seus poderes não são oriundos de nenhuma manipulação do seu DNA. Os heróis já nasceram com mutações em seu genoma que lhes conferem os poderes especiais.
Mutações no genoma são frequentes e estão presentes em todos os seres vivos. Elas conferem a variabilidade genética tão desejável para o sucesso de uma espécie frente às várias pressões no ambiente. Nos humanos, mutações nos genes podem resultar em tolerância a lactose, olhos azuis, ou levar ao surgimento de tumores. No texto “A genética por trás dos X-men” contamos mais sobre isso e trazemos alguns exemplos de mutações que podem levar a regeneração de membros, inibição da sensação de dor e hipertrofia muscular.
Em resumo, na ficção científica, os super-poderes de alguns super-heróis apareceram após eventos, na maioria das vezes acidentais, que provocaram alterações em seu material genético, conferindo força, agilidade e resistência sobre-humanas. Apesar da Biotecnologia do mundo real ainda não nos transformar em super-heróis (até o momento não existem substâncias que manipulem nosso material genético a fim de nos tornar imortais ou mais forte), podemos contar com ela para o desenvolvimento de plantas resistentes a intempéries e pragas, de alimentos fortificados com nutrientes, de enzimas industriais mais eficientes e resistentes, de terapias para doenças genéticas, de soluções para problemas ambientais. Assim como a lista de super-heróis de quadrinhos, a lista de aplicações reais da Biotecnologia parece não ter fim!
Cite este artigo:
VIDEIRA, N.B. A biotecnologia e os super-heróis dos quadrinhos. Revista Blog do Profissão Biotec, v.8, maio/2021. Disponível em:< https://profissaobiotec.com.br/biotecnologia-super-herois-quadrinhos/> Acesso em: dd/mm/aaaa
