Desde 1992, o teste do pezinho é de realização obrigatória em todo território nacional. Ele consiste em uma simples coleta de gotinhas de sangue entre o 3° e o 5° dias após o nascimento do bebê. Apesar de um teste simples, ele é de grande importância na detecção de algumas doenças graves, como a fenilcetonúria (PKU), hipotireoidismo congênito e hemoglobinopatias como a anemia falciforme, que se tratadas precocemente, permitem uma vida normal da criança.

Dentre essas doenças, a fenilcetonúria é a que mais pode afetar a rotina de vida de pessoas que a possuem. Isso porque ela é tratada através de terapia dietética, ou seja, são impostas restrições alimentares para impedir sua manifestação.

A fenilcetonúria, quando não tratada até os três meses de idade, pode levar a atraso global do desenvolvimento neuropsicomotor (DNPM), deficiência mental, comportamento agitado ou padrão autista, convulsões, entre outros sintomas. Ela é uma doença autossômica recessiva, ou seja, precisa que os genes herdados de ambos os pais estejam alterados para que o bebê tenha a doença, como mostrado no infográfico abaixo.  

Essa doença causa uma deficiência em algumas enzimas do fígado responsáveis pela transformação do aminoácido fenilalanina, que impedem seu acúmulo no sangue.Sem essas enzimas, a quantidade de fenilalanina livre atinge níveis muito altos, causando os problemas de saúde já descritos e por isso o melhor tratamento que existe atualmente é excluir da alimentação os produtos que contém esse aminoácido.

Esquema retirado de: http://andreiatorres.com/blog/2017/10/18/fenilcetonria

Sendo assim, se fossemos capazes de repor essa enzima em vez de reduzir o consumo de alimentos proteicos, possibilitaríamos uma melhor qualidade de vida às pessoas com esta deficiência. Pensando nisso, cientistas  da Synlogictx, uma empresa estadunidenses de biotecnologia médica, estão desenvolvendo uma bactéria probiótica por meio de ferramentas de biologia sintética, que povoaria a microbiota da pessoa com PKU e seria capaz de produzir enzimas para suprir essa necessidade.

Você deve estar se perguntando: mas se é apenas a deficiência de algumas enzimas, por que simplesmente não são feitos remédios com essa enzima para o portador de PKU se medicar, como fazem com pessoas intolerantes a lactose?

Tal questionamento já foi levantado pela academia, mas os resultados não foram positivos. Estudos relatam reações alérgicas estes medicamentos. As enzimas relacionadas com a degradação da fenilalanina em pessoas sem deficiência estão restritas ao interior das nossas células, e por isso que não temos alergia a elas.

Pensando nisso, então, cientistas engenheiraram uma bactéria muito presente em nosso intestino, a Escherichia coli. Foram colocados nela genes que sintetizam proteínas para a formação de um canal de captação de fenilalanina, e que geram enzimas para a conversão desse aminoácido em outros produtos não tóxicos. Além dessa enzima interna, uma outra enzima externa, presa à membrana celular da bactéria, também foi inserida.

Essas bactérias engenheiradas seriam capazes de atuar sobre a fenilalanina de duas maneiras: internalizando-a e modificando-a quimicamente de forma que ela não seja mais tóxica ao nosso organismo ou apenas a modificando quando a mesma entrasse em contato com a bactéria.

Este novo tratamento de fenilcetonúria já foi testado em camundongos e macacos, obtendo-se uma redução de 38% da fenilalanina sanguínea nos camundongos em relação ao controle. O mais interessante é que agora, na primeira metade de 2018, foram feitos os primeiros testes em seres humanos saudáveis, ou seja, que não possuem PKU.

O próximo passo é testar se essas bactérias realmente seriam capazes de reverter o quadro clínico de uma pessoa que não metaboliza a fenilalanina. Se os testes forem positivos, há grandes chances de que esse seja o primeiro tratamento médico baseado na engenharia de bactérias com o uso da biologia sintética!

Vamos ficar de olho se essa técnica biotecnológica vai chegar na clínica para melhorar a qualidade de vida dos bebês com fenilcetunúria? Acompanhe nossas redes sociais para ficar sempre por dentro das notícias biotenológicas!

Texto revisado por Rodrigo Cano e Mariana Pereira

Fontes:
Zimmer, C. (2018). Scientists Are Retooling Bacteria to Cure Disease. The New York TImes. Fonte: https://www.nytimes.com/2018/09/04/health/synthetic-biology-pku.html?utm_content=bufferf5201&utm_medium=social&utm_source=twitter.com&utm_campaign=buffer

ISABELLA, V. M.; HA, B. N.; CASTILLO, M. J.; et al. Development of a synthetic live bacterial therapeutic for the human metabolic disease phenylketonuria. Nature Biotechnology, v. 36, n. 9, 2018. Disponível em: <http://www.nature.com/doifinder/10.1038/nbt.4222>. .

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