Talvez você esteja lendo esse texto com uma xícara de café nas mãos. Já parou para pensar para onde vai a borra de café gerada?
A borra de café é um resíduo orgânico com enorme potencial de reaproveitamento. O café que você, cafeterias e indústrias consomem, pode gerar esse material com inúmeras aplicações.
E o mais interessante: a biotecnologia tem um papel essencial nisso. Com ela é possível criar desde biocombustíveis até cosméticos a partir da borra de café.
Descubra mais sobre o resíduo do cafézinho e as suas diferentes aplicações biotecnológicas.
Consumo de café no Brasil
O Brasil é o maior produtor de café, assim como o segundo maior consumidor do mundo. Conforme a Associação Brasileira da Indústria de Café (ABIC), em 2018 foram consumidos 4,82 kg de café por pessoa.
O consumo de café ainda é 64% residencial. Entretanto, cresce o mercado de cafés consumidos fora de casa, assim como o de cafés solúveis.
Afinal, quanto resíduo é gerado em nossas casas, nas cafeterias e na indústria de café solúvel? Em média 1,1 milhão de toneladas de borra de café por ano. A partir disso, é possível imaginar o potencial de reutilização.
Como hoje esse resíduo vai majoritariamente para aterros e lixões, um destino alternativo evitaria a emissão anual de toneladas de CO2 , N20 e metano no ambiente.
Entretanto, há desafios logísticos e tecnológicos. Primeiro é preciso coletar a borra de café e conscientizar sobre sua disposição correta. Depois disso, é preciso desenvolver tecnologias adequadas. É aqui que a biotecnologia entra como aliada nas aplicações sustentáveis.
Composição química da borra de café
Antes de falar de aplicações da borra de café, entenda a sua composição química e o que é possível extrair dela. Os principais componentes são:
- 45 a 47% de carboidratos;
- 13 a 17% de proteínas;
- 9 a 16% de lipídeos;
- Compostos fenólicos – metabólitos secundários do café que conferem características como adstringência, aroma, sabor e cor.
4 maneiras da biotecnologia aproveitar a borra de café
1 – Biocombustíveis
Café não é só combustível para nossos corpos. A borra pode ser aproveitada para a produção de biodiesel, bioetanol e biogás. É um substrato valioso por não competir com a nutrição humana, gerando um biocombustível de segunda geração.
- Biodiesel
No caso do biodiesel, aproveitam-se os lipídeos. Um fato interessante é que o café produz mais óleos do que qualquer outra matéria-prima usada para a produção de biodiesel convencional.
Os lipídeos são extraídos da borra de café e passam por uma reação química de transesterificação, típica da produção de biodiesel, que nada mais é que a transformação de um óleo vegetal ou gordura animal em biodiesel, um outro tipo de éster, por meio de uma reação com álcool. A pioneira desse biocombustível foi a startup inglesa Bio-bean, abastecendo os famosos ônibus londrinos. Mas já temos estudos nacionais na USP e projetos pilotos em uma fábrica da Nestlé.
- Bioetanol
Quase 50% da borra de café é composta por carboidratos. Esse é o principal substrato para a produção de etanol.
Antes de mais nada, é preciso hidrolisar os polissacarídeos. Ou seja, quebrar eles em moléculas menores com o uso de ácidos, bases ou enzimas. Os açúcares resultantes estão prontos para serem fermentados por leveduras e obter etanol.
Biogás
Em um biodigestor, bactérias anaeróbicas transformam resíduos em biogás. O biometano presente no biogás serve como combustível para carros ou fonte de energia elétrica.
E é claro que a borra de café é um resíduo rico em nutrientes para esse processo, principalmente carboidratos e proteínas. Além disso, pode ser misturada com outros resíduos para melhor aproveitamento.
2- Biomateriais
Uma outra aplicação sustentável da borra de café é em materiais biodegradáveis. Já existem xícaras, óculos de sol, tecidos e acessórios com borra de café na sua composição.
Porém, já pensou em um biomaterial 100% feito com borra de café? A empresa O’right produziu o primeiro bioplástico feito com óleos extraídos da borra para seus frascos de xampu.
Um estudo interessante é da Universidade Tecnológica de Brno, na República Tcheca. Eles usaram borra de café como substrato para bactérias produzirem o bioplástico polihidroxialcanoato (PHA).
3- Cosméticos e Fármacos
É provável que você já tenha usado borra de café para esfoliar a pele. Além de remover células mortas, ela tem potencial antioxidante, hidratante, antibacteriano e anti-inflamatório.
Claro que pesquisadores e empresas estão de olho nessas propriedades para aplicação em cosméticos e fármacos. Um exemplo comercial é a startup de biotecnologia Kaffe Bueno. Além de vender as fibras para esfoliantes, eles extraem os óleos para aplicação em diversos cosméticos.
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4- Alimentos
Aproveitar um resíduo orgânico na indústria de alimentos parece estranho? Nesse caso, não é qualquer borra de café que pode ser reaproveitada. Somente aquela que não teve contato com outros resíduos e que foi estocada de forma adequada.
As aplicações são muito interessantes. Entre elas temos farinhas livres de glúten e ricas em fibras e antioxidantes. Elas são a base de cookies e pizzas. Outro uso seria a extração de compostos fenólicos para aromatizar alimentos processados. Por último, temos uma aplicação bem biotecnológica. Usar a borra de café como substrato para produzir cogumelos!
Existem empresas, como a portuguesa Nãm, que comercializam esses cogumelos. Mas o projeto dinamarquês Beyond Coffee vai além disso. Eles transformam os micélios, a parte escondida do fungo, em um pó proteico com sabor umami, o quinto sabor. Inúmeros alimentos poderiam se beneficiar disso.
Um novo olhar para a borra de café
Você sabia de todas essas aplicações da biotecnologia para a borra de café? Resíduos do nosso dia a dia podem gerar soluções sustentáveis que transformam cadeias produtivas.
Cite este artigo:
HOHMANN, S. Borra de café: como a biotecnologia pode aproveitar esse resíduo. Revista Blog do Profissão Biotec, v.8, 2021. Disponível em: <https://profissaobiotec.com.br/borra-de-cafe-como-biotecnologia-pode-aproveitar-esse-residuo/>. Acesso em: dd/mm/aaaa.
Referências:
GANDER, Paul. Grounds for optimism: the companies recycling spent coffee grounds. Food and Farming Technology. Disponível em: <https://www.foodandfarmingtechnology.com/features/grounds-for-optimism-the-companies-recycling-spent-coffee-grounds.html>. Acesso em: 1º de dez de 2020.
GEWANDSZNAJDER, M. R.; PIRES, P. F. B. Identificação e avaliação de oportunidades para a valorização da borra do café no contexto de metrópoles brasileiras. Projeto Final, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Escola de Química. Rio de Janeiro, 115p. 2020.