O animal de laboratório mais famoso com certeza é o camundongo. Mas o C. elegans tem nos ajudado a compreender inúmeros processos biológicos importantes.

Já comentamos em outros textos que, na ciência, muitas vezes precisamos utilizar organismos modelos para estudar diversos temas, como genética, desenvolvimento, envelhecimento, efeitos de exercícios físicos, toxicológicos, entre outros…

Já falamos sobre dois desses organismos, o Zebrafish e as Daphnias. Hoje, vamos falar sobre outro modelo, o C. elegans, e como ele tem ajudado a ciência a compreender diversos temas da biologia e biotecnologia.

Características do C. elegans

Como já explicado em outro texto, o C. elegans é um nematoide de cerca de 1 mm de comprimento. Apesar deste vermezinho parecer muito distante de nós seres humanos em questão de morfologia (aparência), ele possui cerca de 50% do genoma semelhante ao nosso, um total de quase 8 mil genes. Ele também apresenta muitos genes que, em humanos, são responsáveis pelo aparecimento de doenças. 

Além disso, por ser um organismo multicelular, os estudos com C. elegans apresentam muitas vantagens sobre aqueles realizados com culturas de células, já que os efeitos de qualquer substância podem ser avaliados de maneira sistêmica ou concentrada em um órgão, por exemplo. Outra característica que merece destaque é o fato desse nematóide ser transparente, o que facilita a visualização dos órgãos internos.

Todas essas características tornam o C. elegans um organismo modelo de baixo custo, que necessita de pouco espaço para ser cultivado e que, devido ao seu ciclo de vida curto, possibilita que sejam estudadas várias gerações da população. A homologia (semelhança) genética com os mamíferos e, inclusive, com o ser humano, o torna um animal com grande potencial para nos auxiliar a compreender as funções básicas das nossas células, fisiologia e doenças diversas.

Pesquisas que utilizam C. elegans

Efeitos do exercício físico

Já é consenso na ciência que realizar exercícios físicos regularmente é uma das melhores maneiras de manter a saúde. No entanto, ainda temos muito a compreender sobre as mudanças fisiológicas e estruturais que o exercício causa em nosso corpo. Um estudo realizado por um grupo de pesquisa da Universidade de São Paulo (USP) com C. elegans conseguiu elucidar algumas mudanças importantes que ocorrem no organismo devido à atividade física. 

A mais importante descoberta foi sobre as mitocôndrias, as famosas “fábricas” de energia da célula. São elas que fornecem quase toda a energia que gastamos quando realizamos atividades físicas, e o grupo de pesquisa viu que, após um período de exercício, as mitocôndrias do C. elegans sofrem um processo de fissão e depois de fusão, ou seja, primeiro elas se dividem e ficam num tamanho menor que o original e depois se unem novamente ficando ainda maiores do que eram antes. Isso faz com que as mitocôndrias se tornem mais eficientes para produzir energia, uma importante adaptação para a atividade física.

imagem de microscopia eletrônica de uma mitocôndria.
As mitocôndrias apresentam formato de um feijãozinho, e em seu interior há várias reentrâncias que chamamos de cristas, onde acontece a respiração celular e é gerada a energia chamada de ATP. Fonte: Enster, L e Schatz, G., 1981. #PraTodosVerem: imagem de microscopia eletrônica de uma mitocôndria.

Efeitos de toxicidade

O C. elegans é um importante organismo modelo em estudos de toxicidade, e, inclusive, foi a estrela em um artigo que avaliou o potencial do hipoclorito de sódio (água sanitária) em mitigar (extinguir) o efeito tóxico do óxido de grafeno (GO) nos nematóides. Esse estudo foi desenvolvido pelo grupo de Nanotoxicologia, no LNNano (Laboratório Nacional de Nanotecnologia) e verificou que a adição de hipoclorito de sódio degradou a estrutura química e propriedades do GO. Além disso, não houveram efeitos deletérios no desenvolvimento nem na sobrevivência do C. elegans após o tratamento do GO com hipoclorito. 

Esses resultados trazem implicações para o manejo do GO durante o seu descarte, pois em muitos casos os resíduos contaminados com nanomateriais são direcionados a incineração exatamente por ser difícil tratá-los. No entanto, esse método de descarte gera prejuízos principalmente por liberar gases tóxicos no ar. Com essa descoberta é possível que resíduos de GO sejam tratados facilmente antes de serem liberados no meio ambiente ou incinerados. 

Microscopia hiperespectral de campo escuro de C. elegans
Microscopia hiperespectral de campo escuro de C. elegans (a) não exposto a nanomaterial (grupo controle), (b) exposto a 10 mg/L de GO e (c) exposto a 100 mg/L de NaClO-GO. As regiões destacadas em vermelho indicam a presença de nanomaterial nos tecidos do C. elegans. Fonte: Bortolozzo, L. S., 2021.

Outro estudo de toxicidade desenvolvido pelo mesmo grupo de pesquisa demonstrou que uma biocorona de albumina foi capaz de mitigar o efeito tóxico de nanotubos de carbono de parede múltipla (MWCNT) em C. elegans. As biocoronas são formadas por biomoléculas, entre elas proteínas, carboidratos, ácidos nucléicos e outras que, em contato com um nanomaterial como o MWCNT, o recobrem e formam uma “corona” ao seu redor. Essa biotransformação sofrida na superfície do MWCNT é capaz de alterar a maneira como as células irão interagir com ele e mudar também os possíveis efeitos dele na saúde do animal. Para saber mais sobre as biocoronas, leia este texto do Profissão Biotec.

O estudo demonstrou que a biocorona de albumina (uma proteína do sangue) foi capaz de eliminar os efeitos deletérios do MWCNT na fertilidade, reprodução, crescimento e sobrevivência do C. elegans. Esse é um achado importante, pois estamos descobrindo agora o potencial das biocoronas e abrindo espaço para que elas sejam usadas de maneira estratégica em várias aplicações.

Estudos de neurodegeneração

O C. elegans também tem sido utilizado como organismo modelo para o estudo de doenças neurodegenerativas como o Parkinson, a esclerose lateral amiotrófica e o Alzheimer. Para investigar essas doenças são produzidos nematóides transgênicos com alelos que tenham variantes de doenças proteicas. O fato do C. elegans ser transparente e possuir pouco mais de 300 neurônios classificados em algumas categorias, como neurônios motores, neurônios quimiossensoriais, interneurônios, entre outros, facilita o estudo do seu sistema nervoso. 

O C.elegans foi o animal no qual foi descoberto um mecanismo de desregulação na sinalização do íon cálcio (Ca2+) em neurônios que estão em processo de degeneração. O cálcio é essencial para a contração muscular, secreção neuronal e proliferação e diferenciação celular. É possível desenvolver esse estudo, por exemplo, com Ca2+ marcado com uma molécula fluorescente. Esse Ca2+ fluorescente pode ser acompanhado por todo seu caminho ao longo do nematóide, tornando possível observar a sua dinâmica no C. elegans. O que é possível, novamente, porque o C. elegans é transparente.

Com esses exemplos conseguimos ter uma noção do quanto o C. elegans é um organismo modelo versátil e que pode nos ajudar a compreender importantes processos fisiológicos e questões de saúde. Mas muitos outros estudos têm sido desenvolvidos com esse nematóide, e se você se interessou, recomendamos que fique de olho, pois ele ainda será a estrela de muitas pesquisas importantes!

Perfil de Jennifer
Texto revisado por Arthur Enrici e Elaine Latocheski

Cite este artigo:
MEDRADES, J. P. C. elegans como organismo modelo. Revista Blog do Profissão Biotec. V. 10, 2023. Disponível em: <https://profissaobiotec.com.br/c-elegans-como-organismo-modelo/>. Acesso em: dd/mm/aaaa.

Referências:

ALVAREZ, J. The Role of Ca2+ Signaling in Aging and Neurodegeneration: Insights from Caenorhabditis elegans Models. Cells, v. 9, n. 1, 2020. Disponível em: <https://www.mdpi.com/2073-4409/9/1/204>. Acesso em: 14 mar. 2023.
BORTOLOZZO, L. S. Mitigation of graphene oxide toxicity in C. elegans after chemical degradation with sodium hypochlorite. Chemosphere, v. 278. Disponível em: <https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0045653521008912>. Acesso em: 14 mar. 2023.
CADWELL, K. A., WILLICOTT, C. W., CADWELL, G, A. Modeling neurodegeneration in Caenorhabditis elegans. Dis model mech, v. 13, n. 10, 2020. Disponível em: <https://journals.biologists.com/dmm/article/13/10/dmm046110/225794/Modeling-neurodegeneration-in-Caenorhabditis>. Acesso em: 14 mar. 2023. 
CAMPOS, J. C. Exercise preserves physical fitness during aging through AMPK and mitochondrial dynamics. PNAS, v. 120, n. 2, 2023. Disponível em: <https://www.pnas.org/doi/10.1073/pnas.2204750120>. Acesso em: 14 mar. 2023.
CÔA, F. Toxicity mitigation and biodistribution of albumin corona coated graphene oxide and carbon nanotubes in Caenorhabditis elegans. NanoImpact, v. 27, 2022, pp. 100413. Disponível em: <https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/35940564/>. Acesso em: 14 mar. 2023.
Fonte da imagem destacada: Garystock.

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