Seria possível implantar um chip cerebral que comanda os movimentos do corpo, faz postagens nas redes sociais ou que pode ligar o carro? Esse é um desejo antigo da ciência, e o ano de 2022 promete ser decisivo para isso acontecer.
Em 2016, o bilionário Elon Musk, juntamente com outros empresários, fundou a Neuralink, uma empresa de neurotecnologia que busca entender o funcionamento do cérebro e desenvolver soluções para as mais variadas alterações e doenças neurológicas.
E agora, depois de testes bem-sucedidos em animais, a empresa quer testar os chips cerebrais em humanos no ano de 2022, e só depende da aprovação da FDA (Food and Drug Administration), a agência reguladora nos Estados Unidos.
O que é um chip cerebral?
O chip cerebral é uma tecnologia de interface cérebro-máquina, em que um minúsculo dispositivo é implantado no tecido cerebral.
Esse chip é capaz de captar os sinais da atividade cerebral, direcionando-os para um ponto de controle (uma prótese, um aparelho celular ou outro equipamento) que recebe e interpreta os sinais cerebrais.
Mas essa “tradução e interpretação” dos sinais cerebrais é algo complexo, visto que cada movimento que realizamos requer milhões de conexões cerebrais.
Esses chips são compostos principalmente por um material biocompatível, a poli-imida (polímero de monômeros imida), além de um condutor de ouro ou platina que, apesar da complexidade, é minúsculo.
A empresa Neuralink, por exemplo, desenvolveu em 2019 um microchip com dimensões de 4 milímetros por 4 milímetros e 1.024 eletrodos alocados em cabos flexíveis extremamente finos (cerca de 20% da espessura de um fio de cabelo!). Esse microchip, chamado N1, pode ser implantado atrás do ouvido, captando os sinais elétricos emitidos pelo cérebro.
Poucos meses depois, o microchip foi aprimorado, e agora, embora continue com a mesma quantidade de eletrodos, possui espessura menor que a do crânio humano. Com suas dimensões de 23 mm x 8mm, tamanho similar a uma moeda, pode ser implantado na parte superior do crânio, exercendo as funções anteriores.
Os chips cerebrais podem ser inseridos no paciente por meio de uma cirurgia menos invasiva do que cirurgias cerebrais convencionais. Com uma anestesia local, sem necessidade de raspar o cabelo do paciente e com alta médica no mesmo dia do procedimento, a empresa garante que o processo é rápido (em torno de 45 minutos) e seguro (não deixa sequelas) para o paciente.
E qual a finalidade do chip cerebral?
No caso da Neuralink, os chips cerebrais seriam implantados em pessoas com problemas na medula espinhal ou outras desordens neurológicas. A tecnologia utilizada no chip baseia-se no padrão de sinal bluetooth (que futuramente poderá ser substituído pela tecnologia wifi) que registra e estimula simultaneamente a atividade cerebral, devolvendo mobilidade às pessoas com limitação de movimentos das pernas, braços e tronco.
A expectativa é que esses chips possam substituir neurônios defeituosos ou ausentes, reconectando os neurônios existentes. Dessa forma, em pacientes tetraplégicos, por exemplo, o chip poderia restaurar as funções perdidas no cérebro, além de melhorar a qualidade de vida de pacientes com distúrbios neurológicos (Alzheimer e Parkinson) ou outros transtornos (depressão e autismo).
Além disso, os chips cerebrais poderiam se conectar a dispositivos para acender luzes, ligar a TV, atender o telefone e realizar outras atividades que parecem simples, mas que são muito complexas para pessoas com limitação de movimentos.
No futuro, a empresa pretende ainda utilizar chips para que as pessoas joguem videogame sem controle ou para que alterem sensações neurológicas. Outra possibilidade seria armazenar memórias, que poderiam ser compartilhadas posteriormente.
Contudo, essas finalidades trazem pontos que ainda precisam ser discutidos: a questão ética, a privacidade e o biohacking. Afinal, até que ponto seria ético implantar um chip cerebral para comandar os movimentos de uma pessoa? Seria ético compartilhar as memórias de alguém? Quem teria acesso a essas informações cerebrais tão confidenciais do paciente? As respostas para esses questionamentos serão importantes para que possamos avançar com essa tecnologia.
Testes bem-sucedidos em animais
Os testes em animais já demonstraram que os implantes são confiáveis e podem ser removidos de forma segura. Na tecnologia desenvolvida pela Neuralink, testada em porcos e macacos, o chip cerebral do tamanho de uma moeda foi implantado em uma cirurgia rápida e relativamente simples (pois o animal sai andando após o procedimento). Os animais que participaram dos testes não apresentaram nenhum problema de saúde após a inserção do dispositivo.
Segundo a empresa, o chip permitiu que os pesquisadores pudessem ler as informações cerebrais após o animal ser estimulado (por comida, cheiros, etc). Nos porcos, foi possível estimulá-los a interagir com objetos, e nos macacos, os chips permitiram que os animais controlassem videogames por meio da atividade cerebral.
A próxima etapa dos testes é fazer dois macacos jogarem pingue-pongue utilizando apenas a atividade cerebral, além de começar a gravar essas informações cerebrais. Contudo, em que dispositivo essas informações seriam armazenadas e quem teria acesso a elas são algumas das questões éticas que ainda precisam ser definidas.
Chips e sondas cerebrais: um antigo desejo da ciência
Há anos a ciência busca uma forma de controlar movimentos e atividades por meio da atividade cerebral. E o desenvolvimento dessa tecnologia não é uma novidade, embora, nos últimos anos, os cientistas tenham obtido grandes avanços principalmente devido a altos investimentos como os do bilionário Elon Musk. Um dos pioneiros dessas pesquisas foi o cientista brasileiro Miguel Nicolelis, uma referência mundial em neurociência. Ele liderou pesquisas sobre o exoesqueleto robótico, comandado por ondas cerebrais, que possibilitam que um paciente paraplégico realize movimentos. A tecnologia, que acopla uma touca de EEG (eletroencefalografia) a um exoesqueleto, permitiu que pacientes se recuperassem de lesões medulares completas.
No Brasil, o Instituto Brasileiro de Neurociências e Neurotecnologia (BRAINN), em Campinas (SP), desenvolve pesquisas para criação de sondas neurais que registram e estimulam atividades elétricas do cérebro. Além do desenvolvimento tecnológico de materiais maleáveis, adaptáveis e biocompatíveis (que não sejam rejeitados pelo organismo), busca-se também baratear a fabricação dessas peças.
Em 2016, um estudo da Universidade de Pittsburgh (Estados Unidos) demonstrou que eletrodos instalados no cérebro de um paciente tetraplégico permitiram que ele controlasse um braço robótico por meio do pensamento e sentisse o toque nos dedos de sua prótese.
Todos esses avanços são animadores, mas os cientistas ressaltam que muitos aspectos fisiológicos, tecnológicos e éticos ainda precisam ser aprimorados. “Acho que o maior desafio é as pessoas entenderem que não é só uma tecnologia: tem todo o lado humano e filosófico por trás disso, que prevê assegurar a privacidade. Ninguém quer transformar o ser humano em um híbrido. As interfaces precisam ser mantidas sob o controle da mente humana”, afirmou o cientista Miguel Nicolelis em uma entrevista.
Entre promessas e expectativas
Em anos anteriores, a Neuralink já havia prometido que iniciaria os testes em humanos, mas não conseguiu cumprir seu objetivo. Alguns cientistas ainda acreditam que, nesse momento, essa promessa é muito ambiciosa, sendo preciso ter cautela antes de anunciar resultados preliminares, para não gerar falsas expectativas.
Mas é importante lembrar que essa não é a única empresa que está em busca disso! A empresa de biotecnologia Synchron (nos Estados Unidos) obteve, em julho de 2021, a aprovação da FDA para iniciar testes em humanos, e pode surpreender a concorrência!
Entre promessas e expectativas, a neurociência está avançando e está cada vez mais perto de trazer benefícios reais para os pacientes com doenças ou lesões neurológicas. Já estamos na contagem regressiva para esse grande marco da biotecnologia e da neurociência.
Cite este artigo:
LOPES, B. P. Chips cerebrais: da ficção à realidade. Revista Blog do Profissão Biotec, v.9, 2022. Disponível em:<https://profissaobiotec.com.br/chips-cerebrais-ficção-realidade/>. Acesso em: dd/mm/aaaa.
Referências
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Fonte da imagem destacada: Pixabay.