Células-tronco cultivadas no ambiente microgravitacional do espaço, através de missões da NASA, são modelos de estudo para o câncer e envelhecimento.

Desde que a humanidade desenvolveu tecnologias para enviar astronautas ao espaço, uma das grandes questões da ciência é entender como o nosso organismo se comporta fisiologicamente fora do ambiente terrestre. Astronautas que viajam ao espaço precisam passar por longos treinamentos para se adaptar ao período fora da órbita terrestre, onde a alteração da gravidade gera estresses fisiológicos e psicológicos. A microgravidade, por exemplo, têm efeitos diversos em nosso corpo como alterações cardiovasculares, redução da massa muscular, alteração na estatura e comprometimento do sistema imunológico.

Provavelmente, muitas destas alterações fisiológicas se devem às mudanças que ocorrem em células do nosso organismo. E para entender melhor a respeito disto, as primeiras células humanas já estão sendo cultivadas no espaço, em laboratórios da Estação Espacial Internacional! As pesquisas pretendem, ainda, estudar modelos de câncer para propor novas terapias. Parece filme de ficção científica, não é mesmo? Vem entender essa realidade!

Modelos de câncer em órbita

Durante as viagens espaciais, a radiação ionizante é um dos principais fatores que ocasiona mudanças no sistema imunológico e pode desencadear um estado de pré-câncer ou câncer nas células humanas. Para entender melhor essas alterações em órbita, a NASA, em colaboração com pesquisadores da Universidade da Califórnia (UC San Diego), vem desenvolvendo pesquisas com células-tronco em laboratórios da Estação Espacial Internacional através de duas missões: a Axiom-1 (Axiom Space’s first Private Astronaut Mission) e SASHA/Axiom-2 (Space Hematopoietic Stem Cell Aging (SASHA) (Ax-2)). 

A primeira missão Axiom-1, praticamente concluída, realizou o cultivo de células-tronco cancerígenas (CTCs) em nano biorreatores (The Human Cancer Stem Cell Nanobioreactor (ISSCOR Health)) durante oito dias para avaliar os efeitos do ambiente orbital no ciclo celular, resposta imune e terapia anti-câncer. As CTCs são originadas de mutações que podem ocorrer no genoma de células-tronco saudáveis e representam apenas cerca de 0,01-2% da massa tumoral, sendo que a maior parte do câncer se concentra no tecido diferenciado. Estudar esse tipo de célula é valioso, uma vez que os tratamentos atuais têm muita dificuldade de eliminar as CTCs, que podem então regenerar o tumor mais tarde se diferenciando em tecidos específicos.

 No sistema de cultivo utilizado na missão Axiom-1 foi possível obter modelos organóides de tumores que foram avaliados em tempo real através de técnicas de microscopia. Os pesquisadores observaram que, em órbita, as células-tronco tumorais apresentam uma maior facilidade de fazer  um tumor reaparecer e são mais resistentes às terapias utilizadas.

Lançamento da espaçonave SpaceX Falcon 9 em abril de 2022
Lançamento da espaçonave SpaceX Falcon 9 em abril de 2022 levando quatro astronautas para a missão Axiom-1 na Estação Espacial Internacional. #ParaTodosVerem: foguete de forma alongada, cilíndrica e nas cores branca e preto, decola do ambiente terrestre. Fonte: Joel Kowsky/NASA

Outro experimento realizado durante a Axiom-1 envolveu o cultivo de células-tronco hematopoiéticas em nano biorreatores durante um mês em órbita. Neste caso, foi possível identificar que duas enzimas (APOBEC3C e ADAR1) de edição de DNA e RNA, envolvidas na proliferação de tumores e evasão do sistema imune, estavam sendo produzidas.. 

Dando continuidade aos experimentos, a missão SASHA/Axiom-2 está sendo desenvolvida com o uso de inibidores da enzima ADAR-1 nos sistemas de cultivo celular para verificar se essas possíveis drogas podem reverter o processo de reaparecimento de tumores malignos e prevenir a progressão do câncer. Desta vez, estão sendo cultivados modelos organóides de diversos tipos de câncer (leucemia, colorretal e próstata). Em paralelo, os pesquisadores irão coletar o sangue de astronautas antes, durante e em até cinco anos após as viagens espaciais para verificar alterações na atividade das enzimas APOBEC3C e ADAR-1.

As células envelhecem no espaço

Quando o astronauta Scott Kelly retornou de uma missão espacial que durou um ano (One-Year Mission – 2015/2016) na Estação Espacial Internacional, foi observado através de testes laboratoriais que suas células sanguíneas apresentavam sinais de envelhecimento precoce e um estado de pré-leucemia. Outras evidências apontam que o ambiente com pouca ou nenhuma gravidade pode acelerar o processo de envelhecimento em células-tronco humanas, principalmente as sanguíneas.

Ambas as missões Axiom-1 e SASHA/Axiom-2 investigam, também, como o ciclo celular das células-tronco hematopoiéticas é alterado no espaço e pode acelerar o envelhecimento. As pesquisas mostram que o ambiente espacial imita o que podemos chamar de “acelerador de envelhecimento” e traz a vantagem de podermos estudar estes aspectos de forma mais rápida nos cultivos celulares em órbita em relação aos experimentos terrestres que demandam mais tempo.

Tripulantes da missão SASHA/Axiom-2
Tripulantes da missão SASHA/Axiom-2. #ParaTodosVerem: fotos dos tripulantes da missão SASHA/Axiom-2. Da esquerda para a direita: Peggy Whitsom, comandante da espaçonave; John Shoffner, piloto; Ali AlQarni, especialista de missão 1; Rayyanah Barnawi, especialista de missão 2. Fonte: NASA

É importante destacar que os pesquisadores envolvidos relatam que os experimentos no espaço também devem ser criteriosamente controlados. Isso contribui para que a reprodutibilidade seja atingida nas futuras missões, sendo possível estabelecer comparações com as pesquisas realizadas no ambiente terrestre. As descobertas poderão beneficiar a saúde dos astronautas através de novos procedimentos para o seu bem-estar no espaço. Elas também podem ajudar no desenvolvimento de novas terapias para tratamento do câncer, principalmente almejando eliminar células-tronco cancerígenas,  e quem sabe nos fornecer alternativas para um envelhecimento mais saudável.

Perfil Fabiano
Texto revisado por Natália Lopes e Bruna Cardias

Cite este artigo:
ABREU, F. Ciência no espaço: células-tronco e câncer. Revista Blog do Profissão Biotec, v. 11, 2024. Disponível em: <>. Acesso em: dd/mm/aaaa.

Referências

Genetic Engineering and Biotechnology News. Testing Drugs Cancer in Space. Disponível em <https://www.genengnews.com/topics/cancer/testing-cancer-drugs-in-space/> Acesso em 15 de junho de 2023.
MLYNARYK, Nicole. UC San Diego Sanford Stem Cell Institute Launches Stem Cells Into Space. Disponível em <https://today.ucsd.edu/story/uc-san-diego-sanford-stem-cell-institute-launches-stem-cells-into-space> Acesso em 28 de junho de 2023.
National Aeronautics and Space Administration (NASA). Modeling Tumor Organoids in LEO (Ax-1). Disponível em <https://www.nasa.gov/mission_pages/station/research/experiments/explorer/Investigation.html?#id=8687> Acesso em 1 de julho de 2023.
National Aeronautics and Space Administration (NASA). Space Hematopoietic Stem Cell Aging (SASHA) (Ax-2). Disponível em <https://www.nasa.gov/mission_pages/station/research/experiments/explorer/Investigation.html?#id=8886> Acesso em 1 de julho de 2023.
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