A humanidade aprendeu a manejar e a conviver com as abelhas, além de usufruir dos seus serviços e produtos desde tempos remotos. Elas apresentam uma enorme importância ecológica e bioeconômica para a agricultura, produção de mel e derivados (pólen, geleia real, própolis, veneno).
A ciência, além de estudar as abelhas para encontrar formas de preservá-las, também tem se inspirado a trazer inovações para a sociedade que podem utilizar as abelhas e suas biomoléculas, permitindo até mesmo o envolvimento da Biotecnologia.
Abelhas para a produção de biossensores
As abelhas são insetos generalistas, ou seja, têm contato e se alimentam de uma grande variedade de plantas e habitam diversos ambientes. Isso permite que elas consigam reconhecer diversos compostos orgânicos voláteis, através de seus órgãos sensoriais (antenas). Elas fazem isso de forma muito mais precisa e eficaz do que as técnicas físicas aplicadas atualmente, como espectrometria de massas e cromatografia gasosa.
Pensando nisso, através da biotecnologia é possível identificar as proteínas responsáveis por captar os odores pelas antenas (ligantes aos odorantes) ou proteínas antimicrobianas encontradas nas abelhas para uso na produção de biossensores. Uma vez que os genes que possuem a informação para produzir essas proteínas são identificados, estes podem ser clonados e expressos em culturas de células (bactéria, leveduras, células de insetos), e purificados para que sejam adicionados à composição de biossensores.
No Brasil, pesquisadores da USP, UFSCAR e Embrapa conseguiram produzir um biossensor para detectar bactérias em alimentos e bebidas a partir da proteína melitina, que está presente no veneno das abelhas da espécie Apis mellifera. Esse peptídeo tem a capacidade de interagir especificamente com bactérias e apresenta atividade antimicrobiana. Nos experimentos, nanopartículas magnéticas recobertas com a melitina foram adicionadas em amostras de água e atraíram as bactérias que então se ligaram à proteína. Posteriormente, essas nanopartículas foram depositadas em eletrodos para gerar um sinal elétrico. Isso permitiu quantificar as colônias de bactérias presentes na água e até mesmo identificá-las.
O biossensor promete uma detecção rápida, com menor custo e grande sensibilidade para detectar bactérias em pequenos volumes de amostra. A proposta é utilizar esse biossensor para o controle de qualidade de alimentos e bebidas. Outra perspectiva é que esse biossensor seja adaptado para detectar contaminações em ambientes hospitalares.
Outro estudo na Alemanha conseguiu treinar abelhas para detectar odores de drogas ilícitas, como a cocaína e a heroína. Nesse estudo elas conseguiram reagir de forma específica a esses compostos vibrando suas antenas por meio de experimentos clássicos de condicionamento comportamental. Como ótimas aprendizes, já que apresentam uma capacidade de aprendizado e memória muito boa, elas poderiam substituir cães farejadores de drogas, já que elas respondem de forma rápida, são menores e mais fáceis de serem treinadas.
Benefícios do veneno das abelhas
Há muitos séculos já se testava a atividade terapêutica do veneno das abelhas, como relatado por Galeno (século II). A ciência tem constatado cada vez mais as propriedades da apitoxina (veneno da abelha) para uso alternativo ou complementar na medicina. Atualmente, o processo padrão para obter a apitoxina livre de impurezas é automatizado e não requer o sacrifício das abelhas.
A proteína melitina é uma das proteínas do veneno que se destaca por conter uma alta ação anti-inflamatória e pelo seu uso em cosméticos. Já a apitoxina tem potencial para ser aplicada no tratamento das seguintes doenças:
- Artrite: através da melitina e apamina presentes na apitoxina, que estimulam a produção de cortisol e esteróides
- Esclerose Múltipla: através da melitina para induzir resposta anti-inflamatória e específica, diminuindo os sintomas
- Esclerose amiotrófica lateral (ELA): pela capacidade que a melitina apresenta em suprimir a perda de neurônios motores.
- Doenças de Parkinson e Alzheimer: a apitoxina pode proteger os neurônios da degeneração
- Câncer: através da inibição do fator NF-KB para suprimir a proliferação das células tumorais
Atualmente se conhece cerca de 18 substâncias bioativas do veneno das abelhas que podem ser estudadas para aplicações diversas. E a biotecnologia pode fornecer um enorme suporte tanto na pesquisa laboratorial para identificar, isolar e testar essas substâncias, quanto para a produção em maior escala. Imagine a possibilidade de expressar essas proteínas bioativas em microrganismos geneticamente modificados para diversos fins.
Própolis no tratamento da COVID-19
O gostinho do própolis não agrada muita gente, não é mesmo? Essa substância é encontrada na cera de plantas, coletada pelas abelhas e processada pela sua saliva. O própolis apresenta diversas propriedades medicinais como antioxidante, antiviral, antimicrobiana, anti-inflamatória, cicatrizante e imunoregulatória.
Foi na era antiga que os egípcios perceberam que as abelhas usam o própolis para cobrir os intrusos na colméia, evitando que seu apodrecimento contamine o ninho. A partir daí, eles começaram a utilizá-lo como material de conservação de múmias. Já os gregos e romanos utilizavam o própolis como um antisséptico e no tratamento de feridas.
No início de 2021, pesquisadores da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP), Instituto D`Or de Pesquisa e Educação (IDOR), Hospital São Rafael (Salvador-BA) e da empresa Apis Florea avaliaram se o extrato de própolis teria algum efeito no tratamento de pessoas internadas pela infecção da COVID-19.
O estudo, envolvendo 124 pacientes, constatou uma redução no tempo de internação (6-7 dias) para aqueles que receberam o extrato de própolis oralmente. Já os indivíduos que não receberam própolis, ficaram internados por volta de 12 dias. Os pesquisadores verificaram também que os indivíduos tratados com própolis apresentaram uma menor incidência de lesões renais.
Os pesquisadores destacaram que o própolis pode interferir na atividade das proteínas de superfície celular TMPRSS2 e ACE2, impedindo a entrada do vírus na célula. Outro ponto que foi discutido é que o própolis pode inibir a proteína PAK1 e auxiliar na redução dos processos inflamatórios, diminuindo os cuidados intensivos e a mortalidade. Vale lembrar que este é um estudo preliminar e que os melhores meios de contenção da COVID-19 ainda são as formas de prevenção e a vacinação.
Podemos produzir mel sem abelha?
A biologia sintética chegou no mundo das abelhas e um “estômago” que produz mel sintético é parte de um projeto conduzido por doze estudantes do Instituto de Tecnologia de Israel. O projeto, que já foi premiado numa competição do iGEM (International Genetically Engineered Machine), tem como nome BeFree e traz a proposta de criar mel através de uma bactéria engenheirada. Isso mesmo!
Os estudantes conseguiram inserir na bactéria Bacillus subtilis uma construção genética contendo os genes de abelhas que convertem os açúcares do néctar em mel. A ideia é que as bactérias consigam crescer em solução de néctar e secretar as enzimas para transformá-lo em mel, mimetizando o ambiente estomacal das abelhas. Os estudantes também desenvolveram cápsulas baseadas em membranas para que as bactérias engenheiradas possam crescer na solução de néctar. Assim, após a secreção das enzimas na solução de néctar, as cápsulas contendo as bactérias são separadas .
Os testes para avaliar a produção de mel ainda estão em andamento. Essa aplicação da biologia sintética pode futuramente agradar aos veganos como uma alternativa para o consumo do mel.
Abelhas robôs: realidade ou só em Black Mirror?
Quem não se lembra do famoso episódio da série Black Mirror em que abelhas robôs são desenvolvidas por empresas para realizar o papel de polinização e acabam tendo o seu sistema de controle invadido por um hacker que as reprograma para matar pessoas? Assustador e polêmico, não é mesmo? Mas será que elas já existem na vida real?
A resposta é: sim! A Universidade de Harvard, na Inglaterra, já conseguiu desenvolver uma abelha robótica, a Robobee, que consegue pairar no ar e voar a curta distância. Essa pequena abelha robô tem um par de asas sintético, pesa apenas 259 mg, e é movida a energia solar. A ideia é que no futuro elas possam ser utilizadas para exploração do meio ambiente, pesquisa e missões de resgate.
Já a Universidade Politécnica de Tomsk, da Rússia, desenvolve desde 2019 um protótipo para criar abelhas robôs que são 7 vezes maiores que uma abelha comum com o intuito de utilizá-las na polinização em estufas. Uma das características dessas abelhas robôs é a possibilidade do uso ininterrupto durante todo o ano.
A criação de abelhas robôs levanta um questionamento ambiental onde substituir a polinização pelas abelhas artificiais geraria perda de biodiversidade. Entretanto, as empresas alegam que a proposta não é substituir as abelhas, e que essa tecnologia poderia ser utilizada pontualmente ou para outros fins.
Conviver com as abelhas têm nos permitido saber que esse maravilhoso inseto nos presta diversos serviços que beneficiam a nossa vida e de outros organismos. E que independente da época, podemos utilizar a ciência e a biotecnologia para explorar meios para utilizá-las de forma cuidadosa e ética, mantendo sempre a sua preservação e nos beneficiando de forma sustentável.
Confira neste texto como a biotecnologia pode ajudar na preservação das abelhas! Para quem gosta de vídeos, confira um vídeo sobre o mesmo assunto no YouTube.
Cite este artigo:
ABREU, F. C. P. Como as abelhas inspiram a Biotecnologia. Revista Blog do Profissão Biotec, v.8, 2021. Disponível: <https://profissaobiotec.com.br/como-abelhas-inspiram-biotecnologia/>. Acesso em: dd/mm/aaaa.