Visualize um amanhã em que os alunos não apenas absorvam conhecimentos de Biotecnologia em suas vidas acadêmicas, mas ativamente estudem com o desejo de criar e desenvolvam projetos com o objetivo de inovar. Visualize um amanhã em que os alunos que queiram quebrar os limites do que é conhecido aprendam isto: Como Cultivar (Quase) Qualquer Coisa.
“How to Grow (Almost) Anything” (HTGAA ou, ainda, Como Cultivar (Quase) Qualquer Coisa, em tradução livre), é uma iniciativa educacional nascida e nutrida no renomado Media Lab do MIT (Massachusetts Institute of Technology, nos Estados Unidos). O projeto foi desenvolvido com o intuito de explorar os limites da biologia sintética, da engenharia genética e da bioengenharia, oferecendo aos participantes a oportunidade de aprender sobre o processo de criação de organismos vivos. Os pré-requisitos de conhecimentos técnicos para participar são simples: ser aluno nas áreas das Ciências Biológicas, Computação ou Design e ter a vontade de inovar. O curso é verdadeiramente para os entusiastas da biologia de todos os contextos, princípios e habilidades, de forma que juntos aprendam a responder a pergunta: “E se todos, em todos os lugares, tivessem acesso à educação e técnicas de biologia sintética?”
Cultivando o Projeto
Segundo um dos fundadores do projeto, David S. Kong, “fazer o HTGAA ano após ano é como construir e pilotar o avião ao mesmo tempo”. Kong está à frente do curso desde sua criação e participa tanto das mudanças que ocorrem ao longo dos anos quanto da divulgação do projeto. Isso é compreensível ao analisar a história do HTGAA:
Atualmente os Coordenadores do projeto são o Professor George Church (Departamento de Biologia Sintética no Instituto Wyss – Harvard), o Dr. David S. Kong (Diretor do MIT Media Lab) e o Professor Joseph Jacobson (Grupo de Máquinas Moleculares MIT Media Lab).
Durante o Curso
O HTGAA é configurado para que os participantes de diversas áreas emergentes, como biodesign, biologia sintética e Biotecnologia, consigam conciliar o curso com as suas respectivas vidas profissionais e acadêmicas. As aulas são realizadas duas vezes por semana, ao longo de 14 semanas, por meio da plataforma Zoom, combinando aspectos teóricos e práticos.
A ementa do curso oferece um macrotema diferente toda semana, que será esclarecido por uma palestra de um especialista da área, seguida por uma recitação, a leitura expressiva de material teórico para o público e, então, por uma aula de laboratório sobre o tópico. A ideia é que cada macrotema expanda o conhecimento da semana anterior de modo que cada estudante, após as 14 semanas, consiga apresentar um projeto pessoal com todo o conteúdo absorvido.
As aulas práticas de laboratório são um verdadeiro diferencial na experiência acadêmica dos alunos que podem participar de forma presencial, uma vez que os materiais disponibilizadas pelo MIT são os mais avançados em suas respectivas áreas: clonagem de genes, bioimpressão 3D, design de proteínas, fabricação microfluídica, sequenciamento de genomas, CRISPR e muito mais.
Ao longo de cada aula prática, os tutores buscam instruir os alunos a expressarem sua criatividade por meio das ferramentas e técnicas apresentadas. Diferentemente de muitos workshops de biologia sintética, o objetivo do HTGAA não é transformar os alunos em biólogos ou bioengenheiros capazes de criar produtos com potencial de mercado, e sim inspirar a individualidade de cada aluno a usar aquele conhecimento a fim de criar algo único, algo que a Biotecnologia convencional nunca pensaria em criar.
Um dos princípios do curso é a democratização da Biotecnologia e, dessa forma, as palestras são abertas para ouvintes globais. Além disso, os materiais da turma e os protocolos de experimentos estão todos disponíveis online pela plataforma Notion de cada edição.
Outro pilar fundamental do curso gira em torno da reflexão “Como podemos conduzir a ciência de maneira responsável?”. Esse tema é debatido e ponderado ao longo do semestre em cada edição. Um fruto desse posicionamento pode ser visto na cultura da transparência presente na página oficial do Notion de cada turma, que armazena os registros individuais dos procedimentos de cada estudante, para que cada aprendizagem em Biotecnologia seja feita com consciência e esteja acessível a pessoas externas à classe.
Registros dos estudantes disponibilizados do HTGAA edição 2022. Fonte: Notion HTGAA
Mas como se aprende a Cultivar (Quase) Tudo?
O modelo híbrido somado à logística de tempo do curso é, com certeza, ambicioso quando se entende a proposta de ensinar os alunos a destravar os caminhos da biologia sintética.
Os coordenadores selecionam cuidadosamente os temas trabalhados a cada semana, visando à sinergia com o próximo assunto, de modo que a ementa trabalhada tenha uma abordagem bastante interdisciplinar. Confira no quadro abaixo alguns dos principais tópicos abordados.
Introdução a SynBio: Ética, Princípios e Práticas Síntese, Sequenciamento e Edição da Vida; Indústria SynBio de Bio Produtos e SynBio Democratizada; Design de Proteínas: Fundamentos e Aplicações; Sistemas e Sensores Livres de Células; | Oficinas Engenharia de Tecidos 3D; Microfluídica e Ciência Econômica; Automação de Laboratório; Biodesign e Biofabricação; Leitura e Escrita de Genomas; Técnicas Avançadas de Imagem; Ciência e Engenharia de Microbioma; |
Ao se envolver diretamente com aplicações de ideias de biodesign, os estudantes conseguem empregar seu entendimento da teoria em cenários reais, proporcionando oportunidades para iniciativas DIY (faça-você-mesmo, em tradução livre), com o suporte de seus colegas e a equipe profissional do HTGAA. O curso encerra com a apresentação dos projetos de cada aluno, que podem variar desde a criação de um biocomputador em forma de creme até o isolamento de levedura de abelhas.
Embora o programa de estudos não esteja totalmente disponível online, há um tesouro de projetos criativos e éticos para navegar em busca da sua próxima grande inspiração. Acesse, abaixo, os links para as páginas das edições passadas.
2019: How to Grow (Almost) Anything
2020: How to Grow (Almost) Anything
2021: How to Grow (Almost) Anything
2022: How to Grow (Almost) Anything
2023: (não teve edição esse ano!)
2024: How to Grow (Almost) Anything
Por um Futuro em que todos possam Cultivar
A biologia sintética detém em si o poder de transformar inúmeras vertentes das tecnologias que fazem a sociedade humana fluir. Ter a habilidade de escrever o script que cria a vida de forma tão fácil e acessível coloca em questão o como, de que forma e por que usar esse conhecimento. À medida que existem promessas do avanço benéfico para o mundo, também há o risco de consequências destrutivas caso seja usada de forma maliciosa ou irresponsável.
Nesse sentido, uma abordagem educacional aberta e dinâmica como as edições do How To Grow (Almost) Anything pode naturalmente se tornar um modelo a ser seguido. Por meio da criação de ambientes como o HTGAA, os alunos são capacitados a utilizar a biologia como ferramenta criativa para tornar sua imaginação realidade, sempre sob a ótica da ética e expressando sua autenticidade de uma posição responsável uns com os outros.
Segundo Perry e colaboradores (2022), a metodologia do HTGAA demonstra êxito ao oferecer grande acessibilidade via formato híbrido, ao mesmo tempo em que adota medidas de transparência que aliviam parte do medo público sobre esse conhecimento, o que tem sido uma barreira para a expansão da educação em biologia sintética. Diante disso, a abordagem desenvolvida pela equipe do HTGAA propicia o cultivo de uma inteligência coletiva. Uma inteligência que promove um amplo compartilhamento de conhecimento nas comunidades globais de biólogos, designers, engenheiros da computação, biotecnologistas e entusiastas de inovação.
O estudo desse projeto reafirma que uma estratégia para o progresso responsável é garantir que aqueles que são curiosos e se apresentam como solucionadores de problemas em potencial tenham uma educação de alto nível garantido. Assim, se permite que essas pessoas contribuam com ideias baseadas em suas experiências para a expansão de um novo saber, possibilitando que tenham, em primeiro lugar, um bom motivo para aprender Como Cultivar (Quase) Qualquer Coisa.
Cite este artigo:
BIÃO, L. F. Como Cultivar (Quase) Qualquer Coisa. Revista Blog do Profissão Biotec, v. 11, 2024. Disponível em: <https://profissaobiotec.com.br/como-cultivar-quase-qualquer-coisa>. Acesso em: dd/mm/aaaa.
Referências
NOTION How to Grow (Almost) Anything 2022 Notion Board. Disponível em: < https://htgaa2022.notion.site/HTGAA-2022-d39e5560ad83483ab87d415f085b60c6 >. Acesso: 01 mar. 2024.
PERRY, E.; WEBER, J.; PATARANUTAPORN, P. et al. How to grow (almost) anything: a hybrid distance learning model for global laboratory-based synthetic biology education. Nat Biotechnol, v. 40, p. 1874–1879, 2022. Disponível em: < https://doi.org/10.1038/s41587-022-01601-x >. Acesso: 29 fev. 2024.
SITE MIT Media Lab Building with Bio. Disponível em: < https://www.media.mit.edu/posts/building-with-bio/ > Acesso: 29 fev. 2024.
SITE MIT Media Lab How to Grow (Almost) Anything. Disponível em: < https://www.media.mit.edu/courses/htgaa/ > Acesso: 01 mar. 2024.
SITE Hackaday How to Grow (Almost) Anything. Disponível em: < https://hackaday.com/2020/01/18/how-to-grow-almost-anything/ > Acesso: 01 mar. 2024.