Recentemente, uma pesquisa promissora com nanopartículas está sendo desenvolvida no Brasil para enfrentar o câncer cerebral.

O câncer cerebral é o décimo tipo mais frequente dentre os tipos de doenças que são causadas pelo resultado de um crescimento incontrolável de células. Dados do Instituto Nacional do Câncer (Inca) comprovaram o surgimento de cerca de 11 mil novos casos somente em 2019. Sintomas como dor de cabeça, crise convulsiva, alterações nos sentidos e dormência são considerados os principais para se diagnosticar esse problema.

Segundo a oncologista Francis de Oliveira Alves, da Aliança Instituto de Oncologia, é importante estar atento a possíveis sintomas da doença. “O cérebro é um órgão que está dentro da calota craniana, que é osso. Ou seja, quando o tumor cresce, ele comprime as estruturas próximas, provocando sintomas”, explica a especialista.

Pensando em formas de tratamento para este tipo de câncer, uma pesquisa de doutorado produzida na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) está sendo desenvolvida com o intuito de criar uma nova nanopartícula com foco em terapia gênica que pudesse combater glioblastomas, um tipo comum de câncer cerebral.

Cada tumor cerebral possui uma especificidade, pois depende da região na qual está localizado. Por exemplo, um tumor no lobo frontal possivelmente causará mudanças emocionais e de comportamento, já um tumor no lobo temporal poderá causar dificuldades na fala e na compreensão. #Paratodosverem: A ilustração apresenta a representação da parte lateral esquerda de um cérebro desenhado em preto e branco.
Fonte:: StarGladeVintage/Pixabay

O que são glioblastomas?

Segundo o site Orphanet, que apresenta os dados sobre as doenças raras no mundo, os glioblastomas representam os tumores cerebrais mais frequentes nos adultos, com uma incidência anual de cerca de 1 a cada 33.330 pessoas. A prevalência está estimada em 1 a cada 100.000 pessoas. Os glioblastomas podem ocorrer em qualquer idade, mas 70% dos casos ocorrem em pacientes com idades compreendidas entre os 45 e os 70 anos.

O glioblastoma surge no próprio cérebro, mais especificamente dos astrócitos, que são células responsáveis por algumas funções importantes, como a sustentação e a nutrição dos neurônios. O grande problema deste tipo de tumor é o seu rápido crescimento, pois mesmo após a cirurgia, um novo aumento é esperado. Ainda que a operação remova 99,99% do tecido neoplásico (afetado pelo tumor), o restante infiltrado no tecido ou mínimo resíduo local é capaz de se multiplicar e, dependendo do caso, volta ao tamanho inicial em até 30 dias.

Essa doença pode ser localizada em qualquer parte do sistema nervoso central e progride rapidamente. Sua taxa de mortalidade é de 92%, o que a torna extremamente perigosa. Infelizmente, sua causa geral ainda é desconhecida e o diagnóstico é feito por meio de estudos radiológicos, tomografia computadorizada (CT) e ressonância magnética (MRI).

Uma radiografia da cabeça feita por um scanner tomográfico assistido por computador. Essa técnica de diagnóstico usa computadores para organizar milhares de radiografias, feitas por uma máquina rotativa ao redor do paciente. Quando aplicado pela primeira vez na década de 1970, revolucionou a detecção de tumores cerebrais. #Paratodosverem: A imagem representa uma radiografia em preto com diversas  imagens de regiões diferentes do cérebro em branco.
Fonte:National Cancer Institute/Unsplash

RNAi e sua utilização tecnológica

Por meio da utilização da técnica por RNA de interferência (RNAi) os pesquisadores tentam impedir a formação de proteínas necessárias à proliferação das células tumorais, visando diminuir ou evitar o crescimento das células tumorais. A pessoa responsável por esse estudo é o pesquisador Cyro von Zuben de Valega Negrão, aluno de doutorado pelo programa de pós-graduação em Genética e Biologia Molecular do Instituto de Biologia da Unicamp e participante do programa Novos Talentos do Instituto de Pesquisas Tecnológicas.

O ácido ribonucléico (RNA) é semelhante ao DNA, embora seja formado por uma fita simples. Uma fita de RNA tem um esqueleto feito de açúcar (ribose) e grupos fosfatos alternados. Quatro bases nitrogenadas compõem essas moléculas – adenina (A), uracil (U), citosina (C) ou guanina (G). Além disso, existem diferentes tipos de RNA na célula: RNA mensageiro (mRNA), RNA ribossômico (rRNA) e RNA de transferência (tRNA).

Segundo a notícia divulgada no site do Instituto de Pesquisas Tecnológicas, onde a pesquisa foi divulgada, “a técnica empregada no projeto usa como princípio ativo pequenos fragmentos de RNA (siRNA, do inglês small interfering RNA) capazes de “se ligar” ao RNAm e, com isso, gerar um sinal para um complexo de degradação. Esse complexo irá degradar a sequência completa dos RNAs dos genes alvos das células de glioblastoma, os RNAm (RNA mensageiros).” 

Essa degradação do RNAm pode levar as células tumorais à morte, pois suas proteínas não teriam formação completa de suas cadeias de aminoácidos, já que o código contendo a informação para cada aminoácido será destruído ou chegará incompleto aos ribossomos.

A capacidade das células cancerosas de se moverem e se espalharem depende de estruturas centrais ricas em actina, como os podossomos (amarelo) mostrados aqui nas células de melanoma. Núcleos celulares (azul), actina (vermelho) e um regulador de actina (verde) também são mostrados. #Paratodosverem: A imagem apresenta células cancerosas de melanoma coloridas, na qual cada cor exibe uma estrutura celular diferente. O fundo preto permite a perfeita distinção. Núcleos celulares (azul), actina (vermelho) e um regulador de actina (verde) são mostrados, bem como os podossomos em amarelo.
Fonte: National Cancer Institute/Unsplash

Uma grande barreira

Além de se usar o RNAi, os pesquisadores deste projeto vêm desenvolvendo modelos tumorais 3D que permitirão observar de forma mais complexa e objetiva o passo-a-passo do processo. Atualmente, a maioria dos modelos utilizados pelos laboratórios brasileiros possui visão 2D somente, entretanto, tais estruturas não contemplam toda a pluralidade de tumores cerebrais.

Segundo Valega Negrão, os modelos estudados em seu laboratório apresentam células de barreira hematoencefálica, cuja função é impedir e/ou dificultar a passagem de substâncias do sangue para o sistema nervoso central, tais como anticorpos e fatores de coagulação. No entanto, ela também age selecionando fármacos que chegarão ao cérebro, se tornando, então, um obstáculo no desenvolvimento de novas tecnologias.

Segundo o pesquisador, a rápida degradação do RNAi no organismo é um dos principais problemas enfrentados pela equipe, já que isso impediria o invento de chegar ao seu ponto de objetivo. Dessa forma, uma saída encontrada por eles é o encapsulamento em nanopartículas, o que auxiliará na proteção e na condução do medicamento ao tumor. 

Segundo Negrão, “O enfoque do projeto são nanopartículas metálicas, devido a algumas propriedades do nanomaterial como superparamagnetismo, o que permite que sejam utilizadas para imageamento por ressonância magnética, técnica já empregada no diagnóstico de glioblastomas”.

As nanopartículas à base de metais, principalmente de zinco, apresentam significativos efeitos geradores de autofagia (processo pelo qual as células degradam e reciclam seus componentes) que facilitam e potencializam os efeitos causados pelas espécies reativas de oxigênio. Consequentemente, elas induzem com maior facilidade a morte de células cancerígenas.

Devido  à fragilidade das moléculas de RNA, essas nanopartículas necessitam ser encapsuladas para proteger o princípio ativo. Dessa forma, serão utilizados biopolímeros que auxiliarão tanto na estabilidade das nanoestruturas. Por fim, a última característica dessas nanopartículas é a presença de peptídeos que possuem afinidade com células tumorais. Basicamente, essa especificação fará com que a nanopartícula encontre a célula tumoral de forma mais precisa e eficaz.

stração da nanopartícula lipídico-proteica que contém a molécula fotoativa e o quimioterápico. #Paratodosverem: A ilustração apresenta uma nano partícula esférica com as proteínas em amarelo, a capa lipídica em azul e o quimioterápico internamente em vermelho. Fonte: Maria Fernanda Ziegler/FAPESP

Esse estudo poderá abrir portas para outras pesquisas e tratamentos relacionados ao câncer, já que, segundo Negrão, a nanopartícula magnética poderá ser utilizada em imagens de diferentes tipos de tumores. Com isso, em um futuro próximo, poderemos descobrir uma forma de tratamento menos agressiva que a quimioterapia e a radioterapia, comumente utilizados hoje para combater as células cancerígenas.

Texto resivado por Jennifer Medrades e Ísis V. Biembengut

Cite este artigo:
ENRICI, A. W. Como os RNAs e a nanotecnologia podem ser aliados no combate ao câncer. Revista Blog do Profissão Biotec, v.9, 2022. Disponível em: <https://profissaobiotec.com.br/como-os-rnas-nanotecnologia-podem-ser-aliados-no-combate-cancer/>. Acesso em: dd/mm/aaaa.

Referências:

EQUIPE ONCOQUIA. Saiba quais são os sintomas de câncer no cérebro. Disponível em: http://www.oncoguia.org.br/conteudo/saiba-quais-sao-os-sintomas-de-cancer-no-cerebro/12774/7/. Acesso em: 15/12/2021.
INSTITUTO DE PESQUISAS TECNÓLOGICAS. Nanopartículas contra o câncer. Disponível em: https://www.ipt.br/noticias_interna.php?id_noticia=1666. Acesso em: 16/12/2021.
ONCOCLINICAS. Tipos de Câncer: Glioblastomas. Disponível em: https://www.grupooncoclinicas.com/tudo-sobre-o-cancer/tipos-de-cancer/glioblastoma/. Acesso em: 15/12/2021.
PUGLIESE, Roberto. The Story of Ben Williams. Disponível em: https://www.glioblastomamultiforme.it/en/the-story-of-ben-williams/. Acesso em: 15/12/2021.
ZIEGLER, MARIA FERNANDA. Nova estratégia para tratar o tipo mais agressivo de câncer cerebral é testada na USP. Disponível em: https://agencia.fapesp.br/nova-estrategia-para-tratar-o-tipo-mais-agressivo-de-cancer-cerebral-e-testada-na-usp/32052/. Acesso em: 27/12/2021.
Fonte da imagem destacada: Pixabay.

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