Quase toda criança já falou um dia que gostaria de ser um(a) astronauta quando crescesse, talvez você mesmo tenha dito isso. Essa admiração pelo espaço só se tornou popular a partir da década de 1960, pois em 1961 o russo Yuri Gagarin realizou a primeira viagem espacial tripulada por um ser humano. Em 1963, a também russa Valentina Tereshkova foi a primeira mulher a ir ao espaço; já em 1969, a famosa missão americana Apollo 11 permitiu a primeira caminhada do homem na superfície lunar.
“Um pequeno passo para o homem, um salto gigantesco para a humanidade” – Neil Armstrong
Os avanços na ciência e tecnologia, estimulados pela corrida espacial disputada entre a extinta União Soviética e os Estados Unidos, durante a Guerra Fria, foram gigantescos. Para a realização de missões como as citadas acima, praticamente tudo foi inventado ou melhorado. Esses conhecimentos pioneiros possibilitaram, por exemplo, a consolidação da técnica empregada para a liofilização de alimentos e o desenvolvimento de materiais semicondutores, aplicados atualmente em muitos aparelhos eletrônicos, como os smartphones.
Mas não para por aí! Após as primeiras experiências do homem no espaço, ficou cada vez mais evidente a importância de produzir conhecimento para compreender a fundo os efeitos colaterais de missões na saúde humana. Assim, em 1998, Estados Unidos, Japão, Rússia e vários países da Europa se uniram para construir a Estação Espacial Internacional (International Space Station – ISS), inaugurada em 2000.
Desde então, cientistas do mundo todo têm realizado pesquisas sobre ciências naturais, ciência de materiais, física e muito mais. O intuito é desenvolver tecnologias para facilitar a adaptação humana no ambiente espacial, pretendendo viabilizar missões como a tão esperada ida do homem a Marte. É importante ressaltar que a ISS é o único lugar que possibilita a execução de experimentos de longa duração em microgravidade. Portanto, em mais de 20 anos de atividade, 3 mil projetos foram elaborados, dos quais 74% foram publicados em revistas científicas, com 32% desses trabalhos voltados para as áreas de biologia e biotecnologia.
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Efeitos da microgravidade na saúde de astronautas
Afinal, o que acontece com a saúde de um astronauta no espaço? O ambiente de microgravidade e a exposição a raios cósmicos são capazes de causar mudanças na visão, cognição, coordenação motora, musculatura e no sistema imunológico. Confira abaixo mais informações sobre alguns desses efeitos estudados na ISS, que podem persistir por meses, mesmo após o retorno dos astronautas à Terra.
Sistema Cardiovascular:
Podemos citar que um dos efeitos relacionados ao sistema cardiovascular está ligado com as mudanças na gravidade encontradas no espaço, pois alteram o comportamento dos fluidos corporais, mantendo o sangue bombeado pelo coração principalmente na cabeça e na parte superior do corpo, causando inchaço nessas regiões e reduzindo o volume das pernas.
Sistema muscular:
Um dos obstáculos mais populares causados pela exploração espacial é a atrofia muscular e óssea, podendo levar a diminuição da força muscular e modificação do tipo de fibra presente nos músculos, tudo isso devido às alterações das forças gravitacionais, sendo essencial uma dieta suplementar e exercícios para reduzir os danos à saúde de astronautas.
Sistema imunológico:
Alterações na alimentação, sono desregulado, devido a dessincronização circadiana, e aspectos psicológicos, como o confinamento e a perda de privacidade, são exemplos de fatores estressantes para o sistema imunológico durante viagens espaciais. Como consequência, a microbiota fica vulnerável, a suscetibilidade a distúrbios metabólicos é intensificada, além de modificações nas interações hospedeiro-microrganismo e farmacocinéticas.
Irmãos gêmeos permitem estudo da NASA sobre a saúde na Terra e no espaço
Pela primeira vez na história, entre 2015-2016, a NASA (National Aeronautics and Space Administration) realizou uma pesquisa para monitorar a saúde de gêmeos idênticos de forma simultânea na Terra e no espaço. O Twins Study contou com a participação dos irmãos astronautas Scott e Mark Kelly, visando descobrir o que acontece com o corpo humano após um ano em órbita, uma vez que a maioria dos estudos haviam sido realizados em um intervalo de até seis meses.
Durante 342 dias, Scott esteve a bordo da Estação Espacial Internacional, participando de análises ao mesmo tempo que o seu irmão Mark, que ficou na Terra. Neste período, os irmãos forneceram amostras de urina, fezes e sangue para o estudo, que demandou o desenvolvimento de novos protocolos para análises fisiológicas e genéticas no espaço.
Os cientistas identificaram que o voo espacial esteve relacionado com o aumento de inflamações, problemas na retina, mudanças na microbiota intestinal, alterações na expressão gênica e o alongamento dos telômeros de Scott. Após voltar a Terra, o astronauta passou por um processo de readaptação e parte das alterações biológicas ocorridas no espaço retornaram rapidamente depois do pouso, enquanto algumas persistiram por até seis meses posteriores à viagem. Tomando como conclusão, há a necessidade de realizar mais pesquisas como essa para aumentar a representatividade dos resultados, analisando se os efeitos genéticos inéditos observados em Scott também ocorrem em outros astronautas.
Assim, as pesquisas realizadas na Estação Espacial Internacional, com equipes interdisciplinares, são essenciais para compreender os efeitos do espaço na saúde de astronautas e desenvolver técnicas para prevenção, diagnóstico e mitigação de danos, permitindo viagens cada vez mais longas. Mas além de elevar a segurança e a eficiência de missões, podemos esperar que os estudos desenvolvidos também possibilitem benefícios para a vida na Terra, trazendo avanços para a área da saúde, como as atuais aplicações em nosso dia a dia de tecnologias elaboradas durante a corrida espacial no decorrer da Guerra Fria.
Cite este artigo:
LACERDA, S. Como viagens espaciais podem interferir na saúde de astronautas. Revista Blog do Profissão Biotec, v.10, 2023. Disponível em: <>. Acesso em: dd/mm/aaaa.
Referências
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