Você já deve ter utilizado cosméticos hoje. Seja sabonete, shampoo, hidratante, protetor solar, maquiagem, ou outro. Imagine, no lugar desses produtos de beleza e higiene, utilizar cascas de árvore, seivas de plantas e orvalho?
Foi assim que a cosmetologia surgiu há 30 mil anos, na era pré-histórica, quando os seres humanos das cavernas pintavam e protegiam o corpo com esses ingredientes.
Hoje, milhares de anos depois, buscamos produzir e consumir cosméticos mais sustentáveis. E como você vai ler, a biotecnologia tem um papel importantíssimo para a obtenção de ingredientes mais naturais e menos danosos ao meio ambiente e ao nosso corpo.
O que são cosméticos sustentáveis?
Cosméticos sustentáveis são produtos que durante seu ciclo de vida impactam de forma menos negativa o meio ambiente e cuidam do bem-estar animal, além de utilizar matérias-primas renováveis.
Muitos tipos de cosméticos podem ser classificados como sustentáveis, seja os sem parabenos, sem sulfatos, naturais, orgânicos, veganos ou livre do uso animal.
Por que produzir ou consumir cosméticos sustentáveis?
Quando falamos em cosméticos sustentáveis, tanto o produtor como o consumidor se beneficiam.
Produzir cosméticos verdes demonstra a preocupação da marca com a sustentabilidade, a origem dos ingredientes e o aumento da responsabilidade corporativa. Ou seja, a empresa está consciente dos efeitos socioambientais dos cosméticos que produz.
Sem falar que pode ser uma estratégia para aumentar as vendas e melhorar a reputação de uma marca.
Já para quem é consumidor, o preço mais elevado dos produtos de beleza sustentáveis e as pesquisas a mais para descobrir os cosméticos ideais é recompensado pela eficácia e saúde a longo prazo de ingredientes naturais e menos tóxicos para o meio ambiente. Além disso, consumir cosméticos de forma consciente envolve responsabilidade ambiental.
Qual o impacto da biotecnologia na indústria de cosmetologia?
A produção de cosméticos naturais baseada em plantas usa muitos recursos, como área de cultivo, água, energia e trabalho humano.
Por isso, o futuro dos produtos de beleza sustentáveis inclui a biotecnologia, que é capaz de gerar ingredientes naturais em condições laboratoriais sustentáveis, com auxílio de bactérias, leveduras e fungos filamentosos.
Em 2019, a produção global de ingredientes biotecnológicos foi avaliada em U$ 1,61 bilhões, conforme o relatório de Mercado de Ingredientes Biotecnológicos de 2020, com aplicações em alimentos e cosméticos. No âmbito dos produtos de beleza, 51,49% da participação de ativos biotecnológicos foi em cuidados com a pele. Além disso, a biotecnologia também está envolvida na elaboração de fragrâncias e embalagens de produtos de beleza.
12 exemplos de como a biotecnologia pode contribuir para cosméticos mais sustentáveis
1- Peptídeos que rejuvenescem a pele
Peptídeos são moléculas provenientes da quebra de proteínas, formados por dois ou mais aminoácidos ligados entre si. Sua produção por microrganismos é alvo da indústria cosmetológica. Eles são capazes de penetrar em camadas mais profundas da pele, agindo de três formas diferentes:
- peptídeos sinalizadores: estimulam a síntese de colágeno pelos fibroblastos, resultando em uma pele mais firme e rejuvenescida;
- peptídeos carreadores: estimulam a cicatrização de feridas e a atividade enzimática, promovendo melhor textura e aparência da pele;
- Peptídeos inibidores de neurotransmissores: mimetizam os efeitos do botox, relaxando os músculos e reduzindo rugas e linhas de expressão.
Incrível, não? A relação dos peptídeos com a longevidade e a sua compatibilidade com a nossa pele vem atraindo investimentos em startups da área de cosméticos sustentáveis.
A empresa americana OneSkin desenvolveu seu próprio peptídeo que promete agir nas camadas mais profundas da pele e rejuvenescê-la a longo prazo.
2- Prebióticos que protegem a microbiota da pele
Prebióticos são substâncias que beneficiam a sobrevivência e proliferação de bactérias saudáveis para o nosso organismo. Geralmente associados com a alimentação, seu uso em cosméticos vem sendo estimulado por garantir a manutenção da microbiota da nossa pele.
A empresa britânica Orveda usa bactérias e leveduras como nanofábricas de compostos prebióticos para uso em seus produtos de beleza. Seus cosméticos de limpeza contêm somente substâncias naturais que removem sujeira, poluição e maquiagem, além das moléculas prebióticas, que após a limpeza, fortalecem a camada protetora da pele.
3- Via alternativa para produção de compostos vegetais ou animais
A biotecnologia pode ser a solução para diminuir o uso de plantas e animais produtores de ativos cosméticos. Usar microrganismos para fabricar esses ingredientes substitui plantações e crueldade animal, promovendo inclusive os cosméticos veganos.
Um exemplo desse impacto é a devastação da mata nativa da Costa Rica, Indonésia e outros países, por conta das plantações para obtenção de óleo de palma, amplamente usado em produtos de beleza. A startup C16 Biosciences desenvolveu um processo fermentativo que utiliza microrganismos para produzir óleo de palma, sem precisar de uma planta sequer para isso.
Em relação aos animais, temos o exemplo do esqualeno, que é extraído do óleo de fígado de tubarões, e traz benefícios para a pele como hidratação, detoxificação e estimulação de colágeno. Para deixar de explorar tubarões, a marca Biossance produz esqualeno a partir da fermentação de cana-de-açúcar 100% renovável usando sua própria levedura.
4- Substituição do plástico nas embalagens de cosméticos
A indústria cosmética é uma das principais responsáveis por produzir embalagens plásticas descartáveis.
Para reverter esse cenário, a produção de embalagens verdes vem crescendo, e a biotecnologia tem um papel fundamental nisso. Grandes empresas cosméticas brasileiras, como o Grupo Boticário e a Natura, já estão apostando nas embalagens sustentáveis.
Existem os bioplásticos biodegradáveis, como o polibutileno succinato (PBS), feito a partir de ácido succínico de fonte biológica, e o poliácido lático (PLA), produzido por bactérias láticas.
A empresa brasileira Oka cria bioembalagens a partir da fécula de mandioca e outras fibras naturais, baseando-se na economia circular dos seus produtos.
5- Enzimas como princípio ativo
Enzimas são proteínas que tem como função catalisar reações bioquímicas, ou seja, ajudar para que elas aconteçam.
Para uso na cosmetologia, microrganismos são isolados e por engenharia genética o gene da enzima desejada é clonado e reproduzido em bactérias ou leveduras que servem como biofábricas.
Os três tipos de enzimas mais utilizadas em cosméticos sustentáveis:
- Superóxido dismutase: previne o dano de radicais livres e outros poluentes da pele, resultando em maior elasticidade e maciez. Pode ser produzida por modificação genética da levedura Saccharomyces cerevisiae;
- Proteases: quebram proteínas em peptídeos e depois em aminoácidos. São usadas como esfoliante enzimático, inclusive em marcas brasileiras como a Sallve, deixando a pele com textura mais suave e livre de células mortas e outras impurezas, sem ser tão abrasivo como um esfoliante comum;
- Fotoliase: usada em protetores solares como reparadora de DNA lesado por radiação solar.
6- Métodos para teste de cosméticos sem crueldade animal
O teste de cosméticos em animais é uma discussão global e uma preocupação cada vez maior das empresas do ramo. Uma das alternativas para o uso dos bichinhos é a biotecnologia.
Empresas como a Episkin isolam células epiteliais (os queratinócitos) e as colocam em meios de cultura por 17 dias para formar a epiderme. É a chamada pele 3D.
Para tornar esse teste ainda mais completo foi criado o human-on-a-chip (humano em um chip), uma tecnologia que simula órgãos humanos.
7- Fragrâncias produzidas via fermentação
As fragrâncias são compostos aromáticos extraídos de vegetais e até de animais, muito utilizados na perfumaria e outras categorias de cosméticos para conferir cheiros agradáveis.
Como o impacto ambiental para a extração de fragrâncias pode ser grande, empresas como a Givaudan usam microrganismos para fermentar cana-de-açúcar de plantações sustentáveis, a fim de sintetizar a fragrância conhecida como Ambrofix.
8- Máscaras feitas com biocelulose
A biocelulose é um polímero semelhante ao dos vegetais, mas com características de resistência mecânica e retenção de água superiores, produzida por gêneros específicos de bactérias acéticas. A celulose bacteriana é comumente formada na produção de kombucha e vinagre.
Os estudos para a sua aplicação em cosméticos sustentáveis é recente e precisa de amadurecimento. Mas a sua capacidade de absorver água e ativos hidrofílicos, além da biocompatibilidade, vem tornando a biocelulose uma potencial alternativa para máscaras faciais.
9- Produção de ácido hialurônico por fermentação
O ácido hialurônico é um biopolímero amplamente utilizado na cosmetologia por suas propriedades de hidratação e aumento da elasticidade da pele, atuando como um anti-idade.
Ele é principalmente obtido por fermentação de bactérias, como as do gênero Streptococcus. Mas como eles podem ser patogênicos, encarecendo a purificação do ácido, uma opção é a engenharia genética da bactéria Bacillus subtilis.
10- Microalgas como fonte de ativos biotecnológicos
Microalgas são algas unicelulares que produzem compostos biológicos riquíssimos para a indústria da beleza, como carotenóides, lipídeos, ácidos graxos, proteínas e aminoácidos.
As principais microalgas já usadas em cosméticos sustentáveis são a espirulina, com poder antioxidante e hidratante; a chlorella, que estimula a síntese de colágeno e redução de rugas; e a Dunaliella salina, rica em carotenóides com propriedade anti-idade.
11- Células-tronco de plantas para longevidade da pele
Células-tronco são células não diferenciadas com potencial de se transformar em células com funções específicas. Conforme envelhecemos, vamos perdendo essa capacidade de renovação celular, mas a cosmetologia e biotecnologia encontraram uma maneira de minimizar esses efeitos.
As células-tronco de plantas, são capazes de regenerar tecidos, e até originar uma nova planta. Elas são propagadas por cultivo celular em biorreatores e os ingredientes bioativos extraídos delas são capazes de:
- prolongar a vida de fibroblastos, responsáveis pela produção de colágeno;
- aumentar a flexibilidade da epiderme;
- regular a divisão celular;
- reparar danos na epiderme e DNA;
- proteger de raios ultravioleta.
A empresa pioneira na produção de células-tronco vegetais é a suíça Mibelle, produtora de lipossomos com células-tronco de maçã, com eficácia comprovada contra rugas.
12- Fatores de crescimento
Fatores de crescimento são moléculas ativas capazes de moldar o comportamento celular de crescimento, divisão e diferenciação, interagindo com receptores na superfície da membrana citoplasmática.
Eles podem ser aplicados topicamente ou injetados para atuar como rejuvenescedores da pele. O fator de crescimento epidermal humano vem sendo reproduzido por engenharia genética tanto em bactérias como em leveduras, com preferência por essas últimas, porque são organismos eucarióticos e têm maior rendimento.
Esse e outros fatores são aplicados na pele para sua renovação, atuando contra rugas, linhas de expressão, sardas e manchas.
Conclusão
A biotecnologia realmente tem o potencial de impactar a produção e consumo de cosméticos sustentáveis, por meio de aplicações que substituem ingredientes de origem vegetal ou animal e que são capazes de agir de forma ativa na nossa pele e cabelo. Não são só produtos de beleza, são verdadeiros promotores de saúde, longevidade e sustentabilidade.
Conhecendo todas essas formas de usar a biotecnologia na cosmetologia, você será capaz de consumir produtos de forma mais consciente e influenciar a produção de mais cosméticos sustentáveis.
Cite este artigo:
HOHMANN, S. Cosméticos sustentáveis: 12 exemplos de como a biotecnologia impacta a beleza. Blog Profissão Biotec, v.8, maio/2021. Disponível em: <profissaobiotec.com.br/
