O degelo no ártico é um grande problema ambiental e pode ter consequências assustadoras com o surgimento das bactérias zumbi, congeladas há milhares de anos.

Os microrganismos são onipresentes, sendo encontrados mesmo nos ambientes mais inóspitos do globo. Estes seres evoluíram há dezenas de milhões de anos, bem antes do planeta ser o que é hoje. No entanto, com o aquecimento  global e o progressivo derretimento das calotas polares, organismos anteriormente “extintos” correm risco de ressurgir e interagir com o meio ambiente atual, o que pode resultar em mudanças imprevisíveis e potencialmente problemáticas, nunca antes vistas. 

O degelo do solo e a liberação de microrganismos milenares

É inegável que o avanço no desenvolvimento global favoreceu muito o ritmo de aquecimento nos polos. Na última década, os efeitos têm sido tão drásticos que as projeções dos cientistas indicam que eles estão aquecendo quatro vezes mais rápido do que o resto do planeta.  Estima-se uma perda de cerca de 200 bilhões de toneladas de gelo por ano, segundo dados de 2018

O permafrost, ou pergelissolo, na tradução para o português, são áreas de solo permanentemente congeladas, que atualmente corresponde a 25% da superfície terrestre do Hemisfério Norte (sobretudo na Rússia, Canadá e Alasca). Com a aceleração do degelo, ocorre a exposição do permafrost mais antigo e profundo ao ar atmosférico pela primeira vez em centenas ou até mesmo milhares de anos.

O permafrost congelado é um ecossistema que oferece uma biodiversidade microbiana completamente inexplorada pela ciência moderna. Segundo o biólogo evolucionista Jean-Michel Claverie da Universidade Aix-Marseille, na França, o permafrost é um bom lugar para preservar micróbios e vírus, porque ele é frio, não tem oxigênio e é escuro”. Conforme o permafrost descongela em passos acelerados, o desafio para os pesquisadores é identificar os microrganismos, seu potencial de patogenicidade e os impactos destes no ecossistema ártico

O grupo do pesquisador Jean-Michel foi capaz de identificar, em uma camada profunda de permafrost na Sibéria,  o vírus Pithovirus sibericum cuja espécie foi  descoberta há dez anos. O vírus é considerado gigante, podendo ser visualizado com auxílio de um microscópio óptico e mede 1,5 micrômetros de comprimentos, o maior vírus já encontrado. Surpreendendo o grupo de pesquisa, o vírus permanece contagioso  apesar da estimativa de  que o patógeno permaneceu congelado por  mais de 30 mil anos.  Vale destacar que os estudos apontam que o vírus foi capaz de atacar organismos monocelulares, mas não infecta humanos ou animais.

Pithovirus sibericum
Pithovirus sibericum. #ParaTodosVerem: A figura apresenta uma foto preto e branca de  microscopia do microrganismo, este possui um formato ovóide e uma membrana mais escura. Fonte: BBC

O ataque das bactérias zumbis

Os pesquisadores ressaltam a possibilidade das camadas de permafrost conterem  vítimas de pragas anteriormente erradicadas, como a varíola comum, o que pode levar a um surto de variantes antigas e/ou mutações de espécies erradicadas há anos. Esta não é uma realidade tão distante assim, pois houve um surto de “bactérias zumbis” há poucos anos,  que resultou na infecção de mais de duas mil renas. 

Em agosto de 2016, uma onda de calor atingiu a  remota região de Tundra, na Sibéria, que atingiu a surpreendente marca de 36°C. O aumento súbito nas temperaturas desencadeou um inesperado surto de antraz e resultou na morte de uma criança de 12 anos e a hospitalização de cerca de 90 pessoas.  Acredita-se que o surto tenha sido devido ao descongelamento de uma carcaça de rena congelada há mais de 70 anos

Bacillus anthracis, Antraz.
Figura: Bacillus anthracis, Antraz. #ParaTodosVerem: A figura apresenta uma foto de microscopia do microrganismo, um conjunto de bacilos em formato de bastões, em azul, sob um fundo alaranjado . Fonte: Getty Images. 

O antraz é uma doença causada pela bactéria gram positiva Bacillus anthracis, que é anaeróbia facultativa, encapsulada e produtora de toxina. O microrganismo é altamente resistente, sua infecção e sua propagação ocorrem através da dispersão de esporos, o que favoreceu a contaminação de  2.349 renas em um surto que não ocorria na região desde 1941. Os cadáveres foram incinerados para impedir a propagação da doença. 

As mudanças climáticas, no entanto, potencializam o desequilíbrio de ecossistemas não somente animais, como também microbiológicos. Muitas vezes, não percebemos a relevância dos microrganismos e esquecemos que, muito antes de haver vida humana na Terra, eles já povoavam o planeta. As calotas polares contém milhares de anos de evolução preservados e desconhecidos. 

O degelo das calotas é uma realidade, no entanto, existem algumas estratégias para frear o avanço do aquecimento global.  A biotecnologia é uma das nossas principais ferramentas para alinhar o avanço tecnológico e o desenvolvimento sustentável. Dentre estas, o uso de enzimas para degradação de plásticobiorremediação dos oceanos, microrganismos para a produção de biocombustíveis, dentre diversas tecnologias que podem nos auxiliar a retardar o surgimento das bactérias zumbis.

Perfil de Gabrielle
Texto revisado por Luísa Valério e Fabiano Abreu

Cite este artigo:
LEAL, G. C. O degelo do ártico e os microrganismos adormecidos. Revista Blog do Profissão Biotec, v.9, 2022. Disponível em: <https://profissaobiotec.com.br/degelo-artico-microrganismos-adormecidos/>. Acesso em: dd/mm/aaaa.

Referências

ABERGEL, Chantal; CLAVERIE, Jean-Michel. Pithovirus sibericum: awakening of a giant virus of more than 30,000 years. Medecine sciences: M/S, v. 30, n. 3, p. 329-331, 2014.
EZHOVA, Ekaterina et al. Climatic factors influencing the anthrax outbreak of 2016 in Siberia, Russia. EcoHealth, v. 18, n. 2, p. 217-228, 2021.
HUEFFER, Karsten et al. Factors contributing to Anthrax outbreaks in the circumpolar north. EcoHealth, v. 17, n. 1, p. 174-180, 2020.
LEGENDRE, Matthieu et al. In-depth study of Mollivirus sibericum, a new 30,000-y-old giant virus infecting Acanthamoeba. Proceedings of the National Academy of Sciences, v. 112, n. 38, p. E5327-E5335, 2015.
SANTOS, Luana Maria et al. Carbúnculo Hemático. Revista Científica Eletrônica de Medicina Veterinária, ano. VI, n. 10, 2008,
Fonte da imagem destacada: Pixabay.

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