De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a palavra pandemia é utilizada em casos onde ocorre uma disseminação mundial de uma nova doença. Ao longo da história ocorreram outras pandemias como Peste Negra por volta de 1300 e a Gripe Espanhola entre 1918 e 1920, que geraram grandes perdas humanas. A última pandemia ocorreu em 2009 por meio da propagação do vírus H1N1, causador da gripe suína. No ano passado, em Março de 2020, a OMS declarou a COVID-19 como uma nova pandemia global.
Antes da ocorrência da pandemia da COVID-19, havia pouco interesse das companhias farmacêuticas em fabricar medicamentos contra futuros vírus que ainda não existiam. Em 2018, a OMS promoveu um encontro com especialistas que listaram possíveis doenças que poderiam oferecer uma ameaça à saúde pública no futuro, dentre elas havia a “doença X”.
O que é a “Doença X” e futuras pandemias
A “doença X” é um termo criado pela OMS para designar uma enfermidade desconhecida e inesperada que tem a possibilidade de surgir no futuro. Portanto, já naquela época a OMS já advertia para uma eventual pandemia internacional que poderia ser causada por um patógeno desconhecido. O microbiologista congolês Jean-Jacques Muyembe Tamfum que auxiliou na descoberta do vírus ebola no Congo ainda alerta que “Estamos agora em um mundo onde novos patógenos surgirão (…)”.
Desenvolvimento de medicamentos contra novas variantes de SARS-CoV-2
Esse aviso feito pela OMS influenciou empresas e pesquisadores, mas não foi o suficiente para preparar o mundo contra a pandemia atual. Por isso, a pandemia desencadeada pelo vírus SARS-CoV-2, pertencente à família dos Coronavírus, revelou a importância de estudar medicamentos e vacinas capazes de combater vírus futuros, prevenindo assim novas pandemias, além do desenvolvimento de métodos para a identificação dos patógenos que possam surgir.
O pesquisador Alejandro Chavez, do Centro Médico Irving da Universidade de Columbia, duvida que seja possível produzir um único medicamento contra todos os vírus existentes. No entanto, o mesmo pesquisador acredita que a produção de medicamentos eficazes contra vírus de uma determinada família ou que possuam uma característica em comum, está mais próxima da realidade.
Dessa maneira, pensando na importância de prevenir novas pandemias, cientistas estão buscando medicamentos capazes de combater o atual vírus SARS-CoV-2 e também futuros vírus que possam surgir a partir dele por meio de mutações. Esses novos medicamentos são conhecidos como pan-coronavírus, pois tem como alvo vírus que pertencem à mesma família e aqueles que ainda podem ser originados dentro dela. O prefixo -pan na palavra exprime a ideia de universalidade e totalidade.
De acordo com Jasper Fuk-Woo Chan, pesquisador da Universidade de Hong Kong (China), uma das maneiras encontradas para produzir esses medicamentos pan-coronavírus envolve inicialmente a identificação de regiões no material genético do vírus que tendem a não sofrer mudanças ao longo do tempo, as chamadas regiões conservadas. Algumas dessas regiões comandam a produção de proteínas que se encontram na superfície do vírus e são essenciais para possibilitar a entrada deles nas células humanas.
Dessa forma, a partir da identificação dessas regiões conservadas no material genético do vírus, seria possível construir moléculas que atuem sobre as proteínas da superfície de mais de um tipo de vírus da mesma família. Ao se ligarem às proteínas externas do vírus, tais moléculas impedem que esse patógeno se associe às proteínas das células humanas e desencadeie a infecção viral.
Outros estudos também estão voltados para a fabricação de medicamentos para mais de um tipo de vírus. O virologista Jeffrey Glenn da Escola de Medicina da Universidade de Stanford, Califórnia, estuda um medicamento capaz de bloquear uma enzima reguladora de gordura utilizada por muitos vírus na entrada e replicação viral dentro da célula humana.
O antiviral Molnupiravir também é uma alternativa promissora que está em estágio final dos testes clínicos e que tem a capacidade de diminuir a duração da infecção em indivíduos sintomáticos com COVID-19. O medicamento é fácil de sintetizar e pode ser administrado pela via oral e consiste em um análogo de nucleosídeo, ou seja, um nucleotídeo sintético que atrapalha a cópia do material genético viral.
Os análogos de nucleosídeos atuam então como “blocos genéticos” falsos que imitam os nucleotídeos comuns e confundem a polimerase, uma enzima viral, que acaba por incorporar os análogos de nucleotídeos ao invés das bases de RNA durante a replicação do genoma viral. Esse tipo de terapia geralmente funciona para vírus da mesma família. O Aciclovir é um antiviral análogo de nucleotídeo muito utilizado no tratamento do vírus da herpes.
Nam-Joon Cho, cientista da Universidade Tecnológica de Nanyang em Cingapura, e Joshua Jackman, da Universidade Sungkyunkwan em Seul, estudam pequenas proteínas, denominadas peptídeos, que são capazes de danificar o envelope viral, capa de lipídeos que envolve alguns vírus. Por meio dessa estratégia, seria possível combater os diversos vírus com envelope, como os coronavírus, alfavírus e retrovírus. Esses peptídeos atacariam apenas os vírus e não as células humanas que também possuem lipídeos na membrana.
Formação de lideranças governamentais, empresas e comunidade científicas visando a prevenção e combate
Tais estudos mostram que a busca por antivirais de amplo espectro, ou seja, medicamentos que combatem diversos tipos de vírus, tem se tornado cada vez mais recorrente. A pandemia que vivemos hoje representa um alerta para a comunidade científica e empresas na área da saúde ao redor do mundo. Companhias e empresas da área da saúde chegaram a se reunir em um grupo conhecido como COVID R&D Alliance (Aliança de Estudo e Desenvolvimento da COVID) para o desenvolvimento de antivirais contra vários coronavírus.
Segundo o diretor Francis Collins do Institutos Nacional da Saúde (National Health Institute, NIH), o governo dos Estados Unidos também está interessado na busca por antivirais contra os vários tipos de coronavírus e outros vírus existentes. Outro projeto que foi criado na Europa (Corona Accelerated R&D) está interessado na criação de medicamentos para a COVID-19 e para futuros coronavírus que possam surgir.
E o Brasil nessa história?
No Brasil, foi criada a Rede Vírus em 2020, um comitê que reúne especialistas, representantes de governo, agências de fomento do ministério, centros de pesquisa e universidades com o intuito de integrar iniciativas visando o combate a viroses emergentes.
Outra iniciativa anunciada pelo ministro de Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) é a construção de um laboratório de biossegurança máxima (NB4), inédito na América Latina, dentro do Centro Nacional de Pesquisa em Energias e Materiais (CNPEM), e onde será possível estudar vírus mais perigosos que o Sars-CoV-2.
Alguns dos medicamentos que estão sendo estudados estão previstos para ficarem prontos em pelo menos mais de um ano, momento no qual espera-se que a pandemia já esteja controlada e os casos de COVID-19 tenham diminuído consideravelmente.
Sendo assim, a pandemia atual mostrou a importância da prevenção e criação de medicamentos contra vírus futuros que ainda possam surgir. Muitos cientistas apontam que esta não será a última pandemia e que, portanto, é necessário aprender a lidar com esses eventos e se preparar da melhor maneira possível contra as doenças X.
Cite este artigo:
GUTH, G. V. Desenvolvimento de medicamentos contra futuros Coronavírus. Revista Blog do Profissão Biotec, v.8, 2021. Disponível em:<https://profissaobiotec.com.br/desenvolvimento-de-medicamentos-contra-futuros-coronavirus/>. Acesso em: dd/mm/aaaa.
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