Como a desigualdade na ciência impacta a carreira das cientistas brasileiras e como podemos superar esses desafios.

Os últimos dados da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) indicam que apenas 30% das cientistas no mundo são mulheres, sendo que na América Latina e Caribe esse número sobe para 46%. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), índices entre 45% e 55% indicam paridade entre os gêneros, reforçando a ideia de que na América Latina e Caribe existe maior igualdade entre homens e mulheres. Embora os números apontem uma similaridade no número de homens e mulheres na ciência, veremos a seguir que na realidade a desigualdade entre os gêneros ainda persiste, principalmente dependendo da área de estudo.

Participação feminina na ciência brasileira varia dependendo da área de estudo

No Brasil, os dados indicam que, considerando todas as áreas da ciência,  72% dos artigos científicos são de autoria feminina, destacando a relevância da participação das mulheres no desenvolvimento científico no país. Em diversas áreas as mulheres predominam na publicação de artigos ou liderança de pesquisas. Contudo, observamos que a participação feminina é maior principalmente nas áreas relacionadas à saúde, mas ainda é muito pequena nas áreas de exatas, como observado nas figuras abaixo.

Áreas da ciência brasileira em que as mulheres são maioria
Figura 1. Áreas da ciência brasileira em que as mulheres são maioria. #ParaTodosVerem: Em bioquímica, imunologia/microbiologia, farmacologia e enfermagem, medicina e neurociência as mulheres são maioria, com pouco mais de 50% do número total de pesquisadores. Gráficos de pizza, onde a cor laranja representa a porcentagem de homens; e a cor azul, representa a porcentagem de mulheres. Fonte: Adaptado de Elsevier Gender Report, 2020.

Áreas da ciência brasileira em que os homens são maioria
Figura 2. Áreas da ciência brasileira em que os homens são maioria. #ParaTodosVerem: Em física/astronomia,  matemática, economia e engenharia as mulheres não representam nem a metade do número total de pesquisadores. Gráficos de pizza, onde a cor laranja representa a porcentagem de homens; e a cor azul, representa a porcentagem de mulheres. Fonte: Adaptado de Elsevier Gender Report, 2020.

Os principais desafios da paridade de gênero na ciência 

Será mesmo que estamos perto da igualdade de gênero na ciência ou esses números ainda não refletem o cenário ideal? Segundo um relatório da Elsevier, publicado em 2020, a participação feminina vem aumentando, mas ainda temos uma enorme desigualdade nos resultados de publicações, citações, bolsas concedidas e colaborações quando comparamos homens e mulheres.

De uma forma geral, comparando homens e mulheres observamos que:

  1. As mulheres tem menor número de publicações;
  2. Os artigos científicos de autoria feminina são menos citados;
  3. As mulheres recebem um menor número de bolsas de auxílio/fomento para suas pesquisas;
  4. O número de patentes de autoria feminina também é menor;
  5. A participação feminina ainda é menor na área de exatas (como física, matemática, economia etc).

Isso demonstra que a participação feminina na ciência ainda é cercada de obstáculos como o preconceito, a falta de incentivo e a dificuldade de conciliar maternidade e trabalho.

“Isso não é coisa de menina!”

Essa é uma frase que toda mulher escuta ao longo da vida, principalmente na infância. Desde muito cedo as meninas são incentivadas a participar de brincadeiras relacionadas ao cuidado do próximo, e à organização da casa, enquanto são desestimuladas a participar de atividades que despertam mais curiosidade como montar e desmontar objetos ou que envolvam liderança, por exemplo.

Isso acaba refletindo nas escolhas feitas por essas meninas na fase adulta. Como observamos na Figura 1, a maioria das áreas com predominância feminina são enfermagem, medicina, odontologia, entre outras que remetem ao cuidado, à saúde, aspectos muito relacionados à “vocação” feminina

Contudo a ciência ainda não comprovou que existem diferenças entre os cérebros feminino e masculino que definam que todas as mulheres já nascem com vocação para o cuidado do próximo. Por outro lado, a área de exatas que envolve cálculos, raciocínio lógico e inovação são dominadas por homens refletindo, mais uma vez, a ideia (equivocada) de que essas características são apenas masculinas. 

Dessa forma, vencer a barreira do preconceito (imposta desde a infância!) pode ser o primeiro passo para que no futuro as meninas optem por carreiras que hoje ainda são dominadas por homens. Incentive, desde criança, a participação das meninas em todo o tipo de atividade, sem restringir sua curiosidade ou interesse. Afinal, habilidades com tecnologias ou raciocínio lógico estão longe de ser características exclusivas dos homens!

Incentivo e reconhecimento

Como dito anteriormente, no Brasil cerca de 72% dos artigos científicos são de autoria feminina. Porém isso não reflete nos cargos de liderança dentro da pesquisa científica. Na própria Academia Brasileira de Ciências (ABC) dos 576 membros titulares, apenas 107 são mulheres.

Apenas em 2022, com 105 anos de existência, a ABC elegeu mais cientistas mulheres do que homens para o quadro titular de acadêmicos, na tentativa de minimizar a desigualdade entre homens e mulheres da instituição. Além disso, no ano passado, pela primeira vez, uma cientista mulher foi escolhida para liderar a instituição (Helena Nader, comandará a ABC no triênio 2022-2025).

Outro ponto relevante é que embora a maioria das bolsas de mestrado e doutorado concedidas no Brasil sejam para mulheres, quando observamos as bolsas de produtividade (concedidas a pesquisadores com destaque de desempenho e em níveis mais altos de carreira, como chefes de laboratório, por exemplo) apenas 35% são concedidas às cientistas mulheres. Isso indica que as cientistas mulheres recebem menos incentivo e suporte financeiro quando ocupam cargos de liderança, ou ainda que as cientistas mulheres se sentem desencorajadas de solicitar esse tipo de fomento.

Para mudar esse cenário é preciso que ocorra uma redistribuição mais igualitária de bolsas e financiamentos, além da criação de programas voltados exclusivamente para cientistas mulheres a fim de incentivar e reconhecer o trabalho dessas pesquisadoras.

 Maternidade não deveria ser um problema!

Infelizmente na área científica (e em muitas outras áreas também) a maternidade ainda é vista como um “problema” para a carreira das mulheres, uma vez que, se dedicar aos filhos seria sinônimo de “perda de produtividade e tempo de trabalho”.

E isso fica evidente quando observamos a faixa etária das mulheres cientistas que recebem bolsas de produtividade. Mulheres entre 30-34 anos (faixa etária geralmente relacionada ao “período de maternidade”) receberam apenas 19% das bolsas de produtividade oferecidas pelo CNPq, enquanto que entre mulheres de 45-54 anos a distribuição de bolsas foi maior. Esses dados demonstram que as mulheres cientistas em seu “período de maternidade” não recebem o mesmo apoio que as mulheres em outras faixas etárias. Este fato pode indicar ainda que o número de mulheres jovens na liderança das pesquisas é menor, refletindo no menor número de bolsas concedidas a elas.

Além disso, durante muito tempo as mães-cientistas eram prejudicadas em suas avaliações de produtividade pois o Plataforma Lattes (sistema de currículos virtual adotado por todos os cientistas brasileiros) não contabilizava a licença maternidade, deixando lacunas nos currículos dessas mães. Somente em 2021 a plataforma passou a permitir o registro dos períodos de licença-maternidade, fato que foi considerado um primeiro passo nessa busca de normalizar a maternidade no meio científico.

Ainda precisamos evoluir muito no aspecto “maternidade e carreira”, compreendendo que é normal e esperado que uma mulher precise diminuir seu ritmo de trabalho nos primeiros meses após a chegada de um filho, e que aos poucos esse trabalho vai sendo retomado, sem que isso interfira na capacidade e competência dessa mulher. Também é importante mudarmos o conceito de que a responsabilidade de cuidar dos filhos é exclusividade feminina, quando na verdade deveria ser encarada como uma tarefa compartilhada entre pais e mães.

Nos últimos anos, para enfrentar esse desafio, foi criado o movimento Parent in Science (Mães e Pais na Ciência), que visa discutir como conciliar a maternidade e a ciência no Brasil e incentivar mães cientistas a manterem suas carreiras na universidade. Iniciativas como essa são fundamentais para mudarmos o cenário atual e incentivarmos as mães cientistas a continuarem em suas carreiras.

Logo do movimento Parent in Science
Logo do movimento Parent in Science. #ParaTodosVerem: Logo do movimento Parent in Science nas cores azul e roxo, com as palavras Parentalidade & Ciência.

Nos últimos anos diversos levantamentos apontaram o crescimento da participação feminina na ciência, fato que deve ser sempre celebrado. Mas não podemos esquecer que essa participação ainda não está em completa igualdade com os homens, principalmente quando avaliamos aspectos como áreas de estudo e liderança. A ciência (mundial e brasileira) ainda não é inclusiva e igualitária como deveria, e este cenário só vai mudar com a valorização e o incentivo à participação feminina por meio de programas, novas legislações e principalmente uma mudança comportamental que reconheça o papel das mulheres no desenvolvimento científico. Que neste 8 de março, possamos refletir e fomentar conversas a esse respeito.  

Perfil de Bruna Lopes
Texto revisado por Jennifer Medrades e Natália Videira

Cite este artigo:
LOPES, B. Desigualdade na ciência e a realidade das cientistas brasileiras. Revista Blog do Profissão Biotec, v.10, 2023. Disponível em: <>. Acesso em: dd/mm/aaaa.

Referências:

Elsevier Gender Report. The Researcher Journey Through a Gender Lens , 2020. Disponível em < https://www.elsevier.com/__data/assets/pdf_file/0011/1083971/Elsevier-gender-report-2020.pdf > Acesso em 26 de fevereiro de 2023.
FERNANDES, M. A participação das mulheres na ciência: cenário atual e possibilidades.PUC-PR, 2022. Disponível em < https://ead.pucpr.br/blog/mulheres-na-ciencia > Acesso em 26 de fevereiro de 2023.
SAID, T. Pesquisadoras revelam os desafios das mulheres para fazer ciência. Jornal da USP, 2021. Disponível em < https://jornal.usp.br/universidade/pesquisadoras-revelam-os-desafios-das-mulheres-para-fazer-ciencia/ > Acesso em 26 de fevereiro de 2023.

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Gabriel
Gabriel
1 ano atrás

Obrigado, isto me ajudou muito em um trabalho escolar. Jesus te ama, você é especial e amada(o). Fale sempre com o Papai do Céu, Ele te ama e ouve sua voz. Ele também fala, ouça Ele, Forte abraço

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