Oficializado pela Organização das Nações Unidas em 1975, o Dia da Mulher possui uma importância histórica inquestionável e dá ênfase a um problema que não foi solucionado até hoje: a desigualdade de gênero.

Apesar dos grandes avanços obtidos no último século, as mudanças são lentas e a disparidade entre homens e mulheres persiste no mundo todo, inclusive na ciência. De acordo com a UNESCO, as mulheres representam atualmente apenas 30% dos pesquisadores no mundo todo e os números do Prêmio Nobel são muito claros: desde 1901, dos 904 cientistas premiados, apenas 51 (5,6%) são mulheres (Pinheiro, 2018).

Figura 01. Quinta Conferência de Solvay, em Bruxelas, Bélgica, 1927.
Lá estavam grandes cientistas internacionais das área de física e química. Dezessete deles eram ou seriam venceriam do Prêmio Nobel, entre eles Max Plank (1858 – 1947), Albert Einstein (1879 – 1955) e Niels Bohr (1885 – 1962). Marie Sklodowska Curie (1867 – 1934) era a única mulher entre os 29 participantes daquela conferência e ganhou o prêmio Nobel duas vezes (1903, física e 1911, química). Fonte: Bolzani, 2017;

Brasileiras na ciência

Felizmente, houveram muitos avanços no último século. Hoje, as mulheres representam mais de 50% do número de estudantes ingressos, matriculados e concluintes nos cursos superiores do Brasil (INEP, 2018) (Figura 02) e são responsáveis por cerca da metade de toda a produção científica do país (Elsevier, 2017).

Figura 02. Dados do Censo da Educação Superior divulgados em 2018 sobre a porcentagem de homens e mulheres ingressos, matriculados e concluintes em cursos superiores no Brasil (adaptado de INEP, 2018).
Não, a legenda não está errada. Em salmão: porcentagem de homens; Em roxo: porcentagem de mulheres.

Contudo, independente da área de atuação, o reflexo da desigualdade fica muito mais claro quando mulheres iniciam, de fato, suas carreiras como cientistas. O que muitas vezes não percebemos, porém, é que a disparidade pode começar muito mais cedo…

O início da disparidade

Em algumas áreas de conhecimento, a disparidade entre homens e mulheres no âmbito científico começa ainda na infância, quando os estereótipos de gênero ditam comportamentos e brincadeiras infantis. De maneira geral, meninos são muito mais introduzidos a brincadeiras de experimentação, enquanto as meninas são estimuladas ao cuidado e humanização. Assim, a soma de todas essas experiências e concepções equivocadas sobre gênero influencia os interesses de crianças ainda muito jovens.

Um estudo publicado em 2017 na Science – uma das revistas de maior prestígio científico – sugere que as noções de “genialidade” relacionadas ao gênero são adquiridas muito cedo e apresentam um efeito imediato sobre os interesses da criança. Este estudo demonstra que meninas de apenas 6 anos tendem a associar habilidades intelectuais como um estereótipo masculino, acreditando que elas e outras meninas não são tão “brilhantes” ou “geniais” quanto os meninos (Bian, 2017).

 Essa percepção equivocada provoca um distanciamento feminino de atividades destinadas a “crianças muito inteligentes”. Assim, é criado o conceito de que meninos possuem muito mais aptidão para disciplinas de matemática e ciências do que meninas – o que não faz o menor sentido sob o ponto de vista genético, conforme demonstram estudos (Spelke, 2005).

Mesmo que você não esteja convencido ou não tenha vivenciado essas questões, dados do último Censo da Educação Superior divulgados pelo INEP demonstram que cursos que requerem certa humanização ou cuidado, como pedagogia, cursos da área da saúde e até mesmo de ciências da vida, são muito mais populares entre mulheres. Por outro lado, ciências e engenharias são claramente uma preferência masculina. Os dados estão disponíveis neste material.

A principal consequência dessa visão equivocada sobre cursos “femininos” ou “masculinos” é a diminuição da diversidade, que reduz a capacidade de inovação e, consequentemente, a qualidade das pesquisas. Apesar de existirem muitas exceções, em algumas áreas – como na STEM (da sigla em inglês Science, Technology, Engineering and Mathematics) – o reflexo dessas distorções é ainda mais evidente.

Quem perde são as mulheres e, principalmente, a sociedade.

Fonte: Feminaria

O “teto de vidro”

 Apesar de em 2010 o número de bolsas concedidas pelo CNPq ter atingido um equilíbrio numérico em relação ao gêneros dos pesquisadores contemplados (Bolzani, 2017), a proporção entre homens e mulheres em cargos seniores deixa muito claro que, durante suas trajetórias profissionais, as mulheres enfrentam barreiras que limitam ou tornam tardia a ascensão a cargos de liderança em comparação aos seus colegas homens, mesmo em áreas de atuação praticamente “igualitárias”, como ciências da vida.

 Dados do CNPq comprovam: ao observarmos os números de bolsas de produtividade (PQ) – considerada uma premiação ao mérito acadêmico – nas áreas de ciências da vida e STEM, quanto maior a senioridade do cargo, menor o número de mulheres (Tabela 01). E a situação é ainda pior para mulheres negras. Em 2015 apenas 7% das bolsas de produtividade foram destinadas a elas (leia esse texto da maravilhosa professora Bárbara Pinheiro)!

Já quando examinamos os membros da Academia de Ciências do Brasil, contemplando todas as áreas de conhecimento, o resultado é ainda pior: em 2017 a porcentagem de mulheres era de apenas 16% (Valentova, 2017).

Os dados disponíveis para a avaliar a distribuição de gênero em cargos de direção de universidades e institutos de pesquisa são escassos, mas é um consenso que a maior parte dessas posições é ocupada por homens brancos. Por outro lado, os números nos trazem alguma esperança: considerando todas as áreas de conhecimento, a proporção de mulheres mais jovens (entre 30 e 50 anos) na Academia de Ciências Brasileira é maior (21,3%) do que a proporção entre homens e mulheres com mais de 50 anos (8,9%).

Sonia Guimarães, primeira mulher negra a ter um doutorado em física no Brasil, em 1989. Fonte: ComCiência

O que tudo isso significa?

 O que podemos perceber por meio dessa análise é que, apesar dos avanços, a desigualdade na ciência é um reflexo de equívocos sociais e também de questões institucionais muito enraizadas que desfavorecem as mulheres mas ainda são ignoradas, como a maternidade.

 De acordo com o (MARAVILHOSO!) projeto “Parent in Science, a maternidade teve impacto negativo na trajetória profissional de  81% das mães cientistas. A diminuição da produtividade acadêmica decorrente da chegada de um filho dificulta a obtenção de financiamentos; e a ausência de financiamentos, por sua vez, provoca a redução da produtividade científica. Portanto, a “lógica” da produtividade acadêmica não considera a maternidade, causando prejuízos duradouros às carreiras de mulheres cientistas. Vale a pena conferir esta matéria para ficar por dentro das reivindicações do Parent in Science e das iniciativas de apoio a mães cientistas que ocorrem em outros países.

No Brasil, onde a importância dada à ciência e tecnologia é muitas vezes questionável, é “comum” que a desigualdade enfrentada pelas mulheres na área científica passe despercebida pela maioria dos cidadãos brasileiros. Por esse motivo, é importante refletirmos e oferecermos uma informação realista às mulheres, expondo-as a oportunidades de carreira e histórias de sucesso de profissionais exemplares da área científica – assim como buscamos fazer no Profissão Biotec. Contudo, o acesso a essas informações deve começar na educação básica, a fim de evitar que estereótipos de gênero influenciem os interesses e a decisão de carreira de meninas.

Outro ponto importante é que a desigualdade de gênero na ciência não é uma questão que afeta apenas o Brasil; este é um problema mundial e não faltam iniciativas inspiradoras – que visam a progressos de longo prazo – para serem aplicadas por aqui.

O cenário é desafiador, mas o despertar da consciência sobre o tema nos fortalece. Seguiremos unidas!

*confira nossa lista maravilhosa de mulheres BRASILEIRAS cientistas!

via GIPHY

* DICA DE LEITURA:
Faça acontecer: mulheres, trabalho e vontade de liderar – Sheryl Sandberg

Apesar de não estar relacionado à carreira científica, este livro aborda os desafios (inclusive internos) que as mulheres enfrentam para avançar em suas carreiras e a experiência pessoal da autora nessa trajetória, que escreve de forma sensível e objetiva.

A autora, Sheryl Sandberg, é a atual COO do Facebook, ex-vice-presidente de operações do Google e uma das dez mulheres mais poderosas do mundo segundo ranking da revista Forbes.

Além de ser um fenômeno de vendas, este livro foi também recomendado pela Fundação Estudar (Projeto Na Prática) e é um de meus livros favoritos. 🙂

REFERÊNCIAS
Bian, L., Leslie, S.-J., & Cimpian, A. (2017). Gender stereotypes about intellectual ability emerge early and influence children’s interests. Science, 355(6323), 389–391.doi:10.1126/science.aah6524
Bolzani, Vanderlan da Silva. Mulheres na ciência: por que ainda somos tão poucas?.Cienc. Cult.,  São Paulo ,  v. 69, n. 4, p. 56-59,  Oct. 2017 Disponível em: <http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0009-67252017000400017&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 06 março 2019.
Elsevier. Gender in the global research landscape, 2017. Disponível em: <https://www.elsevier.com/__data/assets/pdf_file/0008/265661/ElsevierGenderReport_final_for-web.pdf> Acesso: 01 março 2019.
Ministério da Educação – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). Censo da Educação Superior 2017. Setembro 2018. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/docman/setembro-2018-pdf/97041-apresentac-a-o-censo-superior-u-ltimo/file>. Acesso: 01 março 2019.
Pinheiro, L., Nobel premia três mulheres em 2018, mas elas somam apenas 5% dos vencedores desde 1901. G1, outubro 2018. Disponível em: <https://g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/2018/10/18/nobel-premia-tres-mulheres-em-2018-mas-elas-somam-apenas-5-dos-vencedores-desde-1901.ghtml> Acesso: 01 março 2019
Pinheiro, B.C.S. As mulheres negras e a ciência no brasil: “E eu, não sou uma cientista?”. ComCiência, 2019. Disponível em: <http://www.comciencia.br/as-mulheres-negras-e-ciencia-no-brasil-e-eu-nao-sou-uma-cientista/> Acesso: 06 de março de 2018.
Spelke, E. S. (2005). Sex Differences in Intrinsic Aptitude for Mathematics and Science?: A Critical Review. American Psychologist, 60(9), 950–958.doi:10.1037
UNESCO. Woman in Science – Fact sheet no. 51, 2018. Disponível em: <http://uis.unesco.org/sites/default/files/documents/fs51-women-in-science-2018-en.pdf> Acesso: 01 março 2019.
Valentova JV, Otta E, Silva ML, McElligott AG., Underrepresentation of women in the senior levels of Brazilian science. PeerJ, 2017. https://doi.org/10.7717/peerj.4000

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