Oficializado pela Organização das Nações Unidas em 1975, o Dia da Mulher possui uma importância histórica inquestionável e dá ênfase a um problema que não foi solucionado até hoje: a desigualdade de gênero.
Apesar dos grandes avanços obtidos no último século, as mudanças são lentas e a disparidade entre homens e mulheres persiste no mundo todo, inclusive na ciência. De acordo com a UNESCO, as mulheres representam atualmente apenas 30% dos pesquisadores no mundo todo e os números do Prêmio Nobel são muito claros: desde 1901, dos 904 cientistas premiados, apenas 51 (5,6%) são mulheres (Pinheiro, 2018).
Brasileiras na ciência
Felizmente, houveram muitos avanços no último século. Hoje, as mulheres representam mais de 50% do número de estudantes ingressos, matriculados e concluintes nos cursos superiores do Brasil (INEP, 2018) (Figura 02) e são responsáveis por cerca da metade de toda a produção científica do país (Elsevier, 2017).
Contudo, independente da área de atuação, o reflexo da desigualdade fica muito mais claro quando mulheres iniciam, de fato, suas carreiras como cientistas. O que muitas vezes não percebemos, porém, é que a disparidade pode começar muito mais cedo…
O início da disparidade
Em algumas áreas de conhecimento, a disparidade entre homens e mulheres no âmbito científico começa ainda na infância, quando os estereótipos de gênero ditam comportamentos e brincadeiras infantis. De maneira geral, meninos são muito mais introduzidos a brincadeiras de experimentação, enquanto as meninas são estimuladas ao cuidado e humanização. Assim, a soma de todas essas experiências e concepções equivocadas sobre gênero influencia os interesses de crianças ainda muito jovens.
Um estudo publicado em 2017 na Science – uma das revistas de maior prestígio científico – sugere que as noções de “genialidade” relacionadas ao gênero são adquiridas muito cedo e apresentam um efeito imediato sobre os interesses da criança. Este estudo demonstra que meninas de apenas 6 anos tendem a associar habilidades intelectuais como um estereótipo masculino, acreditando que elas e outras meninas não são tão “brilhantes” ou “geniais” quanto os meninos (Bian, 2017).
Essa percepção equivocada provoca um distanciamento feminino de atividades destinadas a “crianças muito inteligentes”. Assim, é criado o conceito de que meninos possuem muito mais aptidão para disciplinas de matemática e ciências do que meninas – o que não faz o menor sentido sob o ponto de vista genético, conforme demonstram estudos (Spelke, 2005).
Mesmo que você não esteja convencido ou não tenha vivenciado essas questões, dados do último Censo da Educação Superior divulgados pelo INEP demonstram que cursos que requerem certa humanização ou cuidado, como pedagogia, cursos da área da saúde e até mesmo de ciências da vida, são muito mais populares entre mulheres. Por outro lado, ciências e engenharias são claramente uma preferência masculina. Os dados estão disponíveis neste material.
A principal consequência dessa visão equivocada sobre cursos “femininos” ou “masculinos” é a diminuição da diversidade, que reduz a capacidade de inovação e, consequentemente, a qualidade das pesquisas. Apesar de existirem muitas exceções, em algumas áreas – como na STEM (da sigla em inglês Science, Technology, Engineering and Mathematics) – o reflexo dessas distorções é ainda mais evidente.
Quem perde são as mulheres e, principalmente, a sociedade.
O “teto de vidro”
Apesar de em 2010 o número de bolsas concedidas pelo CNPq ter atingido um equilíbrio numérico em relação ao gêneros dos pesquisadores contemplados (Bolzani, 2017), a proporção entre homens e mulheres em cargos seniores deixa muito claro que, durante suas trajetórias profissionais, as mulheres enfrentam barreiras que limitam ou tornam tardia a ascensão a cargos de liderança em comparação aos seus colegas homens, mesmo em áreas de atuação praticamente “igualitárias”, como ciências da vida.
Dados do CNPq comprovam: ao observarmos os números de bolsas de produtividade (PQ) – considerada uma premiação ao mérito acadêmico – nas áreas de ciências da vida e STEM, quanto maior a senioridade do cargo, menor o número de mulheres (Tabela 01). E a situação é ainda pior para mulheres negras. Em 2015 apenas 7% das bolsas de produtividade foram destinadas a elas (leia esse texto da maravilhosa professora Bárbara Pinheiro)!
Já quando examinamos os membros da Academia de Ciências do Brasil, contemplando todas as áreas de conhecimento, o resultado é ainda pior: em 2017 a porcentagem de mulheres era de apenas 16% (Valentova, 2017).
Os dados disponíveis para a avaliar a distribuição de gênero em cargos de direção de universidades e institutos de pesquisa são escassos, mas é um consenso que a maior parte dessas posições é ocupada por homens brancos. Por outro lado, os números nos trazem alguma esperança: considerando todas as áreas de conhecimento, a proporção de mulheres mais jovens (entre 30 e 50 anos) na Academia de Ciências Brasileira é maior (21,3%) do que a proporção entre homens e mulheres com mais de 50 anos (8,9%).
O que tudo isso significa?
O que podemos perceber por meio dessa análise é que, apesar dos avanços, a desigualdade na ciência é um reflexo de equívocos sociais e também de questões institucionais muito enraizadas que desfavorecem as mulheres mas ainda são ignoradas, como a maternidade.
De acordo com o (MARAVILHOSO!) projeto “Parent in Science“, a maternidade teve impacto negativo na trajetória profissional de 81% das mães cientistas. A diminuição da produtividade acadêmica decorrente da chegada de um filho dificulta a obtenção de financiamentos; e a ausência de financiamentos, por sua vez, provoca a redução da produtividade científica. Portanto, a “lógica” da produtividade acadêmica não considera a maternidade, causando prejuízos duradouros às carreiras de mulheres cientistas. Vale a pena conferir esta matéria para ficar por dentro das reivindicações do Parent in Science e das iniciativas de apoio a mães cientistas que ocorrem em outros países.
No Brasil, onde a importância dada à ciência e tecnologia é muitas vezes questionável, é “comum” que a desigualdade enfrentada pelas mulheres na área científica passe despercebida pela maioria dos cidadãos brasileiros. Por esse motivo, é importante refletirmos e oferecermos uma informação realista às mulheres, expondo-as a oportunidades de carreira e histórias de sucesso de profissionais exemplares da área científica – assim como buscamos fazer no Profissão Biotec. Contudo, o acesso a essas informações deve começar na educação básica, a fim de evitar que estereótipos de gênero influenciem os interesses e a decisão de carreira de meninas.
Outro ponto importante é que a desigualdade de gênero na ciência não é uma questão que afeta apenas o Brasil; este é um problema mundial e não faltam iniciativas inspiradoras – que visam a progressos de longo prazo – para serem aplicadas por aqui.
O cenário é desafiador, mas o despertar da consciência sobre o tema nos fortalece. Seguiremos unidas!
*confira nossa lista maravilhosa de mulheres BRASILEIRAS cientistas!
* DICA DE LEITURA:
Faça acontecer: mulheres, trabalho e vontade de liderar – Sheryl Sandberg
Apesar de não estar relacionado à carreira científica, este livro aborda os desafios (inclusive internos) que as mulheres enfrentam para avançar em suas carreiras e a experiência pessoal da autora nessa trajetória, que escreve de forma sensível e objetiva.
A autora, Sheryl Sandberg, é a atual COO do Facebook, ex-vice-presidente de operações do Google e uma das dez mulheres mais poderosas do mundo segundo ranking da revista Forbes.
Além de ser um fenômeno de vendas, este livro foi também recomendado pela Fundação Estudar (Projeto Na Prática) e é um de meus livros favoritos. 🙂