Uma breve introdução…
Ter 4 letras no DNA já é coisa do passado! (Sim, é isso mesmo!) Recentemente cientistas desenvolveram organismos semi-sintéticos que contêm um alfabeto genético maior. Confira neste texto como eles fizeram isso e quais são as implicações destes novos recursos.
Nosso material genético…
Como você já deve ter aprendido algum dia, o DNA (ácido desoxirribonucleico) é o principal responsável pelas nossas características, e mais, pela vida em si. O DNA comporta toda a informação genética de um ser vivo (vírus também possuem material genético, embora sua classificação como ser vivo ou não ainda é um debate no meio científico). As unidades do DNA são denominadas nucleotídeos, os quais são formados por 3 componentes: grupo fosfato + pentose (que é um açúcar) + base nitrogenada. No DNA existem quatro bases, que podem ser classificadas em 2 tipos:
- Púricas: Adenina (A) e Guanina (G)
- Pirimídicas: Citocina (C) e Timina (T).
Em suma, o alfabeto genético é composto por 4 letras: A, T, C e G, das quais A pareia com T e C pareia com G por meio de ligações intermoleculares chamadas de pontes de hidrogênio. Ou melhor, era assim até recentemente.
Isso é devido ao fato de que, nos últimos anos, cientistas americanos conseguiram duplicar o número de letras usando a biotecnologia – mais precisamente, a biologia sintética.
Os primeiros dois nucleotídeos sintéticos gerados pelo grupo do Dr. Floyd Romesberg (do Scripps Research Institute, na Califórnia) foram o “X” e “Y” (atenção, não os confunda com os cromossomos sexuais X e Y), que pareiam entre si. Em seguida, outros pesquisadores criaram outras 4 bases: “P”,”B”,”Z” e “S”, os quais pareiam da seguinte forma: P:Z e B:S.
Mas como os pesquisadores encontraram esses pares de bases?
Para a criação de pares de bases não naturais, os pesquisadores se basearam em algumas características das bases candidatas, tais como: (i) topologias não padronizadas de ligações de hidrogênio, (ii) complementaridade de formas, e/ou interfaces hidrofóbicas. Ou seja, sintetizaram muitos candidatos novos e analisaram sua capacidade de parear entre si de maneira específica. Isso tudo com o objetivo de conferir seletividade e eficiência suficientes para trabalhar com os pares de bases naturais A:T e G:C nos processos de replicação (DNA -> DNA), transcrição (DNA -> RNA) e tradução (RNA -> proteína).
Em seguida, o grupo liderado por Romesberg conseguiu inserir essas bases nitrogenadas não naturais no material genético de bactérias da espécie Escherichia coli, utilizando para isso métodos moleculares de introdução de material genético exógeno ao DNA bacteriano e o sistema de edição de DNA CRISPR/Cas9. No entanto, para que elas efetivamente façam parte do organismo, precisam permanecer inseridas no seu DNA por muito tempo. Estas bactérias mantiveram o material não-natural até mesmo após várias divisões celulares, o que resultou na denominação de organismos semi-sintéticos.
Okay. Mas qual a implicação do alfabeto genético ter mais letras?
Proteínas com novas estruturas e funções! Esta é, de longe, a aplicação mais aguardada pelo grupo (e pela comunidade científica). Proteínas são de difícil produção. A forma mais prática de produzi-las é pelo processo de produção de proteínas nas células (a insulina é um exemplo). Vale também lembrar que células naturais somente conseguem gerar proteínas com os aminoácidos naturais (existem 20 aminoácidos padrões). Proteínas com novas propriedades e atividades podem conferir maior eficiência aos medicamentos já existentes. Imagine novas drogas – e não apenas isso, drogas com novas capacidades antes nunca vistas (palmas, por favor!!!) – para o tratamento contra o câncer e diversas outras doenças!
Um tanto mais ambicioso é o potencial uso destes achados para a introdução, em indivíduos doentes, de bactérias (ou outras células) sintéticas, que liberam substâncias não-naturais (via novos aminoácidos) e assim aumentam a especificidade em suas ações.
A comunidade científica elogiou e se surpreendeu ao ver o sucesso da proposta! Eugene Wu, da Universidade de Richmond (EUA), disse (traduzido do original): “É um feito de engenharia”. Michael Jewett, da Universidade de Northwestern (EUA), disse sobre o artigo publicado pelo grupo (traduzido do original): “Que artigo lindo”. Ambos não participantes dos grupos de pesquisa em questão.
Mas, como sempre, nos deparamos com questões éticas (ou, neste caso, bioéticas) que rodeiam esses achados e suas possíveis aplicações. O que significa a introdução de um “novo material genético” no DNA? Em longo prazo teremos organismos que não são nem seres vivos convencionais e nem máquinas inteligentes? Perderemos o controle dessa nova forma de vida? Quais são os limites da biologia sintética? Estarão os cientistas entrando em áreas que atribulam a bioética? Presente em outras questões das ciências da vida, a tentativa de definir até onde a tecnologia deve ir é constante neste ecossistema.
Uma coisa é certa: a biologia sintética (e tudo o que ela proporciona) estará cada vez mais presente, aprimorando ferramentas e soluções já existentes. Cabe aos cientistas que lidam com ela tomar consciência de suas possíveis consequências.
Sugestão de vídeo (em inglês): The radical possibilities of man-made DNA | Floyd E. Romesberg.