Nos últimos anos só se aumentou o número de pessoas envolvidas em “coaching”. Ou seja, que estão envolvidas no treinamento ou desenvolvimento de outras pessoas, propondo reflexão e ação em direção aos objetivos e metas definidos pelo cliente. Nessa nova modalidade, bastante polêmica, frequentemente surgem maneiras de realizar coaching que esbarram em conceitos científicos, como a reprogramação do DNA. O que significa isso? É possível reprogramar o DNA??
A utilização do termo reprogramação frequentemente leva à conclusão de que foi feita alguma modificação nos nucleotídeos que constituem o DNA do indivíduo. Entretanto, para modificação nas bases do DNA, é necessário que o indivíduo sofra alguma mutação ocorrida naturalmente por erros de replicação ou por técnicas como transgenia e edição gênica, as quais não se aplicam livremente a humanos por questões de bioética e biossegurança. Então, que tipo de reprogramação seria essa? Alguns coachs utilizam a epigenética como explicação para seu treinamento, que são as alterações reversíveis no material genético que não alteram a sequência de bases de nucleotídeos.
Epigenética
Com os resultados do Projeto Genoma Humano, os cientistas descobriram, com muita surpresa, que a maior parte do DNA humano não era constituído de genes (sequências do nosso DNA que codificam uma proteína), mas sim de sequências que aparentemente não apresentavam nenhuma função. Em 2003, grupos de pesquisadores se organizaram em um projeto chamado ENCODE, que tinha como missão identificar a função dessas sequências que eram tratadas como “DNA lixo”, mas que estavam em maior quantidade nos organismos mais complexos. Essas sequências chegam a representar cerca de 98% do material genético humano, sendo 80% transcritas. A dúvida que persistia era: se não codificavam proteínas, qual a função desses RNAs transcritos? E o restante do DNA, que não era transcrito, qual sua função?
Os resultados desse consórcio, no qual participaram cerca de 400 cientistas, foram 30 trabalhos científicos, publicados nas revistas Nature, Genome Biology e Genome Research. A descoberta foi que essa parte do DNA e seus transcritos são fundamentais para a regulação da expressão dos genes. Essa regulação, além de ser realizada pelos RNAs chamados não-codantes, é feita por meio da epigenética. Esse nome é dado para alterações reversíveis no material genético, tanto no DNA quanto em histonas (proteínas associadas ao nosso DNA), sem alterar a composição de pares de bases que são característicos daquele organismo. A epigenética explica, por exemplo, a razão de células de órgãos diferentes, como, por exemplo, células musculares e células do fígado, possuírem características e funções diferentes, mesmo tendo composição de pares de bases iguais em seu DNA. Além disso, esses mecanismos também ajudam a regular diferentes estágios de desenvolvimento, relações com fatores ambientais, entre outros.
Essas modificações epigenéticas permitem uma maior ou menor atração entre a molécula do DNA e suas proteínas associadas, deixando livre para expressar diferentes partes da nossa sequência de DNA. O nome dado para se referir à associação do DNA com as proteínas histonas é cromatina. Ela se encontra na forma de eucromatina, onde é possível ser transcrita por estar menos condensada e heterocromatina, onde não há transcrição por ser um local altamente condensado. Essa regulação entre eucromatina e heterocromatina é feita por metilações no DNA, a mais conhecida das modificações epigenéticas. E outras alterações químicas nas histonas como,as acetilações e fosforilações ao se incorporar e retirar diferentes grupos químicos das histonas associadas ao DNA.
Reprogramação do DNA
A epigenética explica a influência do meio ambiente em nossa genética e, no caso de humanos, como nossas escolhas provocam mudanças em nossos genes e até mesmo nos genes de nossos filhos. Há uma ampla gama de doenças comprovadas associadas a desbalanços epigenéticos, como câncer, síndromes metabólicas, obesidade, osteoporose, entre outras.
Há evidências de que o tipo de dieta pode causar mudanças no epigenoma, levando a algumas doenças como, por exemplo, câncer de fígado e de cólon em animais e humanos ao manter uma dieta pobre do aminoácido essencial metionina. Para mais exemplos sobre a relação epigenética e nutrição, há um outro texto do Profissão Biotec sobre o assunto. Em relação a exposição à nicotina e outras toxinas do cigarro, há alterações epigenéticas nos usuários, bem como no sangue do cordão umbilical e na placenta de fetos expostos, afetando genes envolvidos na função pulmonar e relacionados ao câncer. Entretanto, apesar das diversas correlações que podemos fazer entre fatores ambientais e genéticos, ainda é complicado determinar como um hábito afetará seu epigenoma e consequentemente, quais mudanças do fenótipo serão observadas. Essa dificuldade é devido aos estudos analisarem um único ou poucos fatores de uma vez. O nosso fenótipo é, na grande maioria das vezes, uma manifestação de uma grande quantidade de genes em conjunto, interagindo entre si, sendo parte de uma grande cascada de interações e vias metabólicas.
A descoberta da epigenética foi fundamental para reforçar o papel do ambiente para determinação do fenótipo, ou seja, a manifestação visível dos nossos genes. Há um papel de grande importância dos nossos genes, mas não estamos resumidos “apenas” a isso. Entretanto, o que seria reprogramar a nossa epigenética? Seria mudar nossos hábitos, dieta, exercícios, estresse, ou realizar um acompanhamento de um profissional para entender nossas emoções? Isso nós já fazemos há algum tempo.
Então qual seria a necessidade de chamar a prática de reprogramar o DNA? Com certeza é um termo que chama bastante atenção e soa como algo científico, usando nomes e assuntos que o cliente não conhece muito. Por fim, esse cliente acaba adquirindo um serviço que não era o imaginado e não embasado em experimentos científicos. Qual a sua opinião sobre o assunto? Compartilhe com a gente!