A emissão de gás metano na pecuária se intensificou e a biotecnologia vem desenvolvendo abordagens para tornar o setor mais sustentável.
vaquinhas

Durante muitos anos, a indústria agropecuária investiu esforços voltados somente para o aumento de produtividade e rendimento. Contudo, frente às necessidades da sociedade e do ambiente, hoje é preciso que esse setor garanta produtos de qualidade, saúde e integridade dos animais e ainda um menor impacto ambiental. Este é um desafio para as empresas agropecuárias, porém uma ótima oportunidade para a biotecnologia entrar em ação.

Metano: um perigo invisível

Conforme a demanda por alimentos se eleva, os impactos ambientais das práticas agrícolas e pecuárias também se tornam mais evidentes, as quais geram uma enorme pegada de carbono. Nesse sentido, as emissões de gás metano (CH4) na atmosfera vem ganhando atenção global diante de sua capacidade de intensificar o efeito estufa. Embora seja um gás que se mantém por menos tempo na atmosfera, o metano possui um potencial de aquecimento atmosférico vinte e uma vezes maior que o dióxido de carbono (CO2). 

A produção de gás metano está principalmente associada à criação de gado, uma vez que esses animais ruminantes realizam alguns processos digestivos que liberam metano. 

Uma vaca
Esquema de formação e emissão de gás metano (CH4) no sistema digestivo de animais ruminantes. Cerca de 95% do gás é liberado pela via aérea do animal e 5% é emitido na flatulência e nas fezes. #PraTodosVeremPracegover: o desenho representa o caminho de formação de gás metano dentro de uma vaca. Setas indicam que a partir da vegetação consumida, representada por um ramo de grama verde, haverá liberação de gás metano, representado por círculos laranjas. Fonte: Adaptado de Sustainable Dairy.  

O sistema digestivo de ruminantes é bastante diferente do humano e possui quatro compartimentos diferentes. O primeiro deles, chamado de rúmen, é onde acontece a maior parte da ação. O rúmen é considerado uma “câmara de fermentação”, que possui um ecossistema bastante diversificado e anaeróbio (ou seja, que não necessita de oxigênio para seu crescimento), contando com a presença de bactérias, arqueobactérias, protozoários e fungos. Esses organismos são responsáveis por quebrar carboidratos complexos, como o amido e a celulose, que são ingeridos pelos animais. Nesse processo, arqueobactérias metanogênicas geram o gás metano como um subproduto do seu metabolismo. 

O metano está presente nos gases expelidos pelas vacas e em seu estrume. Uma única vaca é capaz de produzir 500 litros de metano por dia, e contamos com mais de um bilhão delas no mundo inteiro. Diante dos riscos associados a essa ampla emissão, estratégias vêm buscando controlar esse processo e reduzir a produção de metano. Confira a seguir 4 abordagens biotecnológicas que vêm sendo desenvolvidas para tornar esse setor mais sustentável.

1. Utilização de aditivos alimentares 

Recentemente, a introdução de aditivos alimentares em rações, vem sendo associada a menores níveis de emissão de gás metano pelos animais. Um exemplo dessa estratégia é a utilização de compostos fitogênicos, que são bioativos encontrados em extratos de plantas e usados na agropecuária para enriquecer rações e ajudar na promoção do crescimento dos animais. 

Os fitogênicos são capazes de reduzir a produção de metano, por meio da inibição dos organismos metanogênicos ou dos protozoários que vivem em simbiose com eles. Esses compostos podem atuar ainda elevando a atividade de vias metabólicas que competem pelos substratos que formam metano, consequentemente diminuindo a formação do gás. 

As algas marinhas, também demonstram ser fortes candidatas como aditivos alimentares visando a diminuição das emissões de metano. Um estudo recente adicionou à ração animal Asparagopsis taxiformis, uma espécie de macroalga vermelha, e demonstrou uma redução de até 99% na produção de metano. Essa alga sintetiza e armazena uma substância chamada bromofórmio, um potente inibidor da enzima metiltransferase, que é uma peça chave para a produção de gás metano.  

Contudo, quando se trata da alimentação, o comportamento animal também é um fator envolvido. As vacas podem recusar o alimento com o aditivo, se este não for palatável para elas. Além disso, algas e outros aditivos podem acumular algumas substâncias tóxicas, ainda sendo necessários estudos para melhor desenvolver esses produtos.

2. Controle Biológico

O controle biológico é uma estratégia baseada em relações ecológicas que vem sendo utilizado em muitas áreas, principalmente na agricultura. É fundamentada no princípio de que é possível reduzir ou mitigar uma população de organismos indesejada, utilizando para isso seus inimigos naturais.

Os bacteriófagos, ou fagos, que são vírus capazes de infectar bactérias, vem ganhando importância nesse setor. Esse mecanismo natural de controle bacteriano possui um potencial para erradicar ou controlar populações microbianas. Dessa forma, vem sendo mostrado que, na pecuária, os fagos podem ser “programados” para infectar e destruir as arqueobactérias metanogênicas presentes no rúmen, e dessa forma diminuir as  as emissões entéricas de metano da digestão animal e da degradação de dejetos.

Bacteriófago
Representação da infecção de uma bactéria por um bacteriófago. #Paracegover:  Na ilustração o fago é formado por uma cabeça icosaédrica e uma longa cauda, que termina em vários e finos filamentos. Ele está posicionado sobre superfície de uma bactéria de cor amarela e formato de bastonete. Fonte: Flickr

3. Desenvolvimento de vacinas 

Desde a década de 90, muitos trabalhos vêm levantando hipóteses acerca do desenvolvimento de um imunizante contra microrganismos metanogênicos, o que poderia combater a elevada produção de metano por animais na pecuária. Essa possibilidade é considerada promissora por muitos pesquisadores. Segundo Jeremy Hill, presidente do Consórcio de Pesquisa de Gases de Efeito Estufa Pastoral (PGgRc) da Nova Zelândia, o desenvolvimento de tal vacina seria bastante eficiente para o setor pecuário, pois provavelmente poderia ser aplicada na criação de diferentes ruminantes.

Nessa perspectiva, as principais abordagens visam estimular a produção de anticorpos na saliva dos animais, uma vez que a parede ruminal não apresenta estruturas glandulares e é altamente queratinizada, sugerindo que respostas imunes são ausentes nesse órgão. Os anticorpos presentes na saliva seriam, então, levados para o rúmen do animal durante a alimentação, onde atuariam sobre antígenos dos metanogênicos. 

Embora a possibilidade de desenvolvimento dessas vacinas tenha sido muito discutida, ainda é difícil avaliar a real eficiência dessa estratégia, desde a vacinação até a medição da emissão entérica de metano em animais. Portanto, mais pesquisas necessitam ser realizadas para se chegar a uma conclusão rigorosa sobre sua viabilidade, implementação prática e sustentabilidade.

4. Geração de biogás

A produção de biogás a partir de resíduos é uma estratégia que vem se popularizando bastante ao longo dos anos. Utilizando biodigestores anaeróbios, equipamentos usados para o processamento de matéria orgânica, há a geração de biogás – uma mistura de gases  (cerca de 75% metano e 25% CO2),  que pode ser posteriormente convertido em energia térmica e elétrica. Nesse processo, há ainda a produção de biofertilizantes de ótima qualidade, que também podem ser reaproveitados para na agroindústria,   

O biogás, além de ser uma fonte de energia renovável, pode ser estocado a baixos custos, e ainda tem “pegada negativa de carbono”, pois há o aproveitamento de resíduos poluentes. Ou seja, na agropecuária o metano presente na biomassa de dejetos animais, se transforma em uma fonte de energia ao invés de um poluente atmosférico. Em regiões rurais distantes, a produção de biogás ainda pode oferecer uma maior segurança energética aos agricultores.

Diante dos elevados níveis de emissão de poluentes na atmosfera e o aumento dramático das mudanças climáticas no mundo, a necessidade do desenvolvimento dessas abordagens é intensificada. Contudo, ainda é perceptível a necessidade de investimento nessas soluções, que possuem um amplo potencial de se tornarem economicamente atrativas em um futuro próximo, viabilizando a criação de novos produtos e mercados voltados para a agropecuária sustentável.

Texto revisado por Darling Lourenço e Natalia Videira

Cite este artigo:
NASCIMENTO, L. X. Emissão de metano na pecuária: a biotecnologia pode ajudar? Revista Blog do Profissão Biotec, v.8, 2021. Disponível: <https://profissaobiotec.com.br/emissao-metano-na-pecuaria-biotecnologia-pode-ajudar/>. Acesso em: dd/mm/aaaa.

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