Quando se fala em energia nuclear, a maioria das pessoas logo pensa em bomba atômica ou acidentes nucleares como Chernobyl, Fukushima e Césio-137 (aqui no Brasil). O que pouco sabem, é que a energia nuclear também pode ajudar a salvar vidas através da medicina nuclear, que é uma especialidade médica que utiliza métodos seguros, não invasivos e de relativo baixo custo, através do emprego de fontes de radionuclídeos.
Radionuclídeos, ou radioisótopos, são elementos que apresentam um número atômico instável e emitem energia quando se transformam em isótopos mais estáveis. A energia liberada pode ser do tipo alfa, beta ou gama, e cada uma possui uma aplicação distinta nos diversos ramos onde a energia nuclear pode atuar.
Figura 1. Bomba Atômica. Fonte: Sete Antigos Hepta
Estes, por sua vez, são produzidos pelo ramo farmacêutico conhecido como “radiofarmácia”, que trata da produção, manipulação, controle de qualidade e fracionamento de fármacos ligados a material radioativo para fins terapêuticos ou de diagnóstico.
Mas e então, como um fármaco ligado a um elemento radioativo pode ser seguro, e por que precisamos deles?
Acontece que para esses fins são empregados elementos que possuem um tempo de meia-vida (tempo em que a radioatividade do material cai pela metade) curto e que emitem principalmente radiação do tipo gama, que, apesar de ser altamente penetrante, possui baixo poder de ionização, sendo inclusive mais segura que os raios X.
Além disso, os medicamentos marcados com radioisótopos possuem uma maior seletividade pelos órgãos onde devem atuar e permitem a detecção e monitoramento enquanto estão no corpo através da radiação emitida. A emissão dessa radiação é que pode ser usada para tratamento ou diagnóstico, dependendo do que se está utilizando e como se utiliza.
O tecnécio-99m, por exemplo, que é um dos radioisótopos mais utilizados para diagnóstico por permitir uma boa visualização do cérebro, glândulas salivares e tireóide, possui apenas 6 horas de meia-vida (tempo necessário para a atividade radioativa cair pela metade), sendo que esse tempo é ainda menor no corpo do paciente levando em consideração que o fármaco também é eliminado pela urina.
Figura 3. Imagem gerada após inalação do tecnécio-99m utilizando uma máquina de tomografia por emissão de pósitrons. Fonte: PubMedCentral (adaptada)
E como podem ser classificados os radiofármacos?
Os radiofármacos podem ser subdivididos em dois grupos, de acordo com tempo de meia-vida inferior ou superior a 2 horas. No primeiro grupo (meia-vida < 2h), encontramos representantes como o flúor FDG-18 que é um análogo da glicose com substituição do grupo hidroxila pelo isótopo radioativo flúor-18, muito utilizado em tomografias por emissão de pósitrons (PET/TEP).
Figura 4. Imagem de um cérebro obtida em TEP após 20 minutos de administração de F-FDG-18. Fonte: Jean Maus.
O problema dos fármacos nessa categoria é que, devido a sua curta meia-vida, a sua utilização é territorialmente limitada e necessita de um grande esquema de logística, que muitas vezes acaba por aumentar demasiadamente o custo do exame. A tendência deste segmento é que haja o crescimento no número de produtores no país, já que o ideal é que a instalação de produção fique próxima ao local de aplicação.
No segundo grupo (meia-vida >2h), encontramos a maioria dos radiofármacos usados, como o tecnécio-99m, já citado anteriormente e que é utilizado em mais de 80% dos procedimentos de medicina nuclear, e o Iodo-131, usado para o tratamento de câncer de tireóide, tendo sido relatados pouquíssimos efeitos colaterais. Esse radiofármaco possui meia-vida de aproximadamente 8 dias e emite radiação do tipo beta, que é um pouco menos penetrante que a gama e mais ionizante, o que leva a lesão da tireóide através de tiroidite (inflamação) aguda e atrofia gradual.
Finalmente, como é produzido um radiofármaco?
Figura 5. Laboratório de produção de radiofármacos. Fonte: CNEN
Para produzir este material de suma importância para a medicina nuclear, precisa-se inicialmente produzir radioisótopos artificialmente em reatores, aceleradores de partículas e geradores, e os fármacos propriamente ditos. Fraciona-se então o fármaco e o sintetiza com o nuclídeo em instalações apropriadas para proteger o material em si, os trabalhadores e toda a região próxima ao local de produção. Após esse processo, faz-se a avaliação de qualidade e se tudo estiver como planejado, “Eureka!”, é hora de preparar o material para transporte e utilização!
No Brasil, os primeiros passos para a regulamentação e produção dos radiofármacos de forma abrangente foram dados em 2006, devido a iniciativa conjunta entre a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) e a Comissão Permanente de Revisão da Farmacopéia Brasileira (CPRFB) de criar a subcomissão de Radiofarmácia (Portaria N°471 de 12 de setembro de 2006 – ANVISA).
Atualmente algumas empresas privadas conseguem produzir alguns destes produtos, mas a maioria ainda é produzida majoritariamente pela União através do setor de medicina nuclear do CNEN, sendo o principal instituto de produção o Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN). É necessário que este cenário mude com certa urgência para que se possa cada vez mais abranger um número maior de pacientes que necessitam desse tipo de material, e também para que a ciência brasileira avance nesse ramo, proporcionando tratamentos e diagnósticos cada vez mais eficazes.
FONTES:
Comissão Nacional de Energia Nuclear – Radiofarmacos
LOPES, Maria Honorina C.. Terapia com 131I para a resolução do hipertiroidismo doença de graves: seleção da dose. Arq Bras Endocrinol Metab, São Paulo , v. 51, n. 7, p. 1031-1033, Oct. 2007 .
OLIVEIRA, R, S. Regulamentação de Radiofármacos: União Européia, Estados Unidos e Brasil. Latin American Journal of Pharmacy, v. 27, n. 6, p. 906-8, 2008.
RadiologiaBlog – O que são radiofármacos e aplicações
Scientifc American Brasil – Radiofármaco reverte imagem negativa de energia nuclear