“Reimaginar o mundo, uma molécula de cada vez”. É assim que a Zymergen, startup de Biotecnologia do Vale do Silício, vislumbra o futuro do nosso planeta: um lugar onde a maior parte dos produtos disponíveis são biológicos. Como veremos aqui e nos demais textos da Série Especial sobre Engenharia Metabólica, esse futuro não está tão distante. É uma mudança de paradigma que está causando uma revolução na economia, na sociedade e nas nossas vidas. E essa revolução começou a partir da criação do conceito de química verde.
A ideia de química verde foi inicialmente desenvolvida em resposta ao Ato de Prevenção a Poluição de 1990, que colocava como meta a redução da poluição através da melhoria de plantas industriais, seja pela implementação de modelos de melhor custo-benefício, reciclagem, reutilização de processos e materiais e desenvolvimento de novas tecnologias.
Com o passar dos anos, essa proposta amadureceu e uma série de princípios aplicáveis para a indústria foram definidos, tais como a redução da produção de resíduos tóxicos, o uso de biomassa como matéria prima, a busca pela eficiência energética, dentre outros. O objetivo era criar um sistema de produção mais amigável ao planeta, ou seja, ao invés de tentar dominar a natureza, utilizá-la como fonte de inspiração para criar materiais de uma forma mais eficiente, mais barata e menos agressiva ao meio ambiente.
Em vista disso, a possibilidade de usar processos biotecnológicos e engenheirar microrganismos para aplicar aos conceitos de química verde é muito importante e transformadora. É um jeito eficiente – e, de fato, o único jeito possível – de mantermos nosso atual estilo de vida sem colocar o planeta em risco. E esse impacto pode ser enorme. De acordo com o relatório do McKinsey Global Institute, até 60% dos insumos físicos para a economia global poderiam ser produzidos biologicamente, com potenciais aplicações em áreas como saúde humana, agricultura, alimentos, produtos e serviços de consumo e produção de materiais e energia.
Atualmente, a Biotecnologia se destaca por ser capaz de causar esse impacto – ou, como foi chamada pela consultoria McKinsey – a Bio Revolução. Essa Bio Revolução está sendo impulsionada por uma confluência de descobertas na própria Biotecnologia, juntamente com avanços nas áreas de Biologia Sintética, Engenharia Metabólica, Bioinformática, Computação e Automação. Nesse artigo, vamos mostrar alguns exemplos de como essas ciências estão sendo aplicadas na vida real para ajudar a substituir produtos sintéticos e derivados do petróleo por alternativas biológicas mais sustentáveis, ajudando a expandir o conceito de química verde.
A Engenharia de Microrganismos fornece os químicos do futuro
A química verde e a busca por alternativas biológicas são questões tratadas por grupos de pesquisa em Universidades no mundo todo há muitos anos. Mais recentemente, não somente indústrias começaram a incorporar a ideia, mas empresas e startups estão sendo criadas com a missão de produzir químicos dentro do conceito de química verde. A Zymergen – a startup citada anteriormente – por exemplo, é a responsável pela criação da Hyaline, um biofilme revolucionário que será o substituto das telas de nossos smartphones, computadores e televisões. Um filme eletrônico de base biológica é inovador porque permite a criação de dispositivos menores e possibilita a criação de interfaces flexíveis (que podem futuramente serem aplicadas até mesmo em dispositivos médicos). Ele é composto por monômeros de diamina produzidos através de fermentação por organismos geneticamente modificados. Esses organismos foram melhorados geneticamente em uma abordagem clássica de Biologia Sintética, depois de várias rodadas de testes combinando desenho experimental e aprendizado de máquina.
Dentre os químicos de suma importância que têm sido produzidos com o advento da Engenharia Metabólica, podemos citar também o esqualeno, cuja relevância se tornou ainda maior em tempos de pandemia de Covid-19. O esqualeno é um óleo natural com propriedades emolientes muito utilizado em cosméticos e como adjuvante em vacinas, incluindo algumas das atuais vacinas contra o novo coronavírus. O método tradicional de obtenção desse óleo é através da extração dele do fígado de tubarões, o que não é nada sustentável. Porém, a startup de biotecnologia Amyris desenvolveu um processo de fermentação em que leveduras geneticamente modificadas produzem esse composto utilizando cana-de-açúcar como fonte de energia. A Amyris é uma startup de biotecnologia com base na Califórnia, nos Estados Unidos, mas tem a cana-de-açúcar brasileira como sua principal matéria prima, e seus biorreatores estão localizados no interior do estado de São Paulo, devido à alta produção da planta na região.
Rota de produção do esqualeno utilizando leveduras geneticamente modificadas pela empresa Amyris. Imagem retirada de Ingrediente revigorado: Esqualano de alta qualidade, renovável, proveniente de cana de açúcar sustentável. #PraCegoVer: Imagem mostra a rota metabólica pela qual a cana-de-açúcar é processada até se tornar Esqualano dentro de uma célula de levedura.
Ainda de forma a reduzir nosso impacto ambiental, hambúrgueres veganos que imitam o gosto e o aspecto de carne estão sendo produzidos a fim de incentivar as pessoas a terem uma alimentação menos centrada em carne animal. A empresa Impossible Foods, responsável pelo desenvolvimento da tecnologia, descobriu que o gosto característico da carne era majoritariamente devido a presença do grupo heme presente na proteína hemoglobina dos animais. Para manter o caráter vegano, começaram a extrair a leghemoglobina presente na soja – proteína muito similar à hemoglobina da carne – para dar o sabor dela à carne de soja. Porém, retirar a leghemoglobina das raízes da soja não era um processo muito eficiente, e foi aí que o advento da engenharia metabólica veio para otimizar esse processo. Eles clonaram o gene da leghemoglobina da soja em leveduras geneticamente modificadas e passaram a produzir essa proteína em biorreatores, o que aumentou sua eficiência, sustentabilidade e produtividade. Adicionaram a leghemoglobina purificada a partir dessas fermentações ao hambúrguer de soja e assim surgiu o Impossible Burger. Quando comparado a um hambúrguer de carne tradicional, o Impossible Burger reduz em 96% o uso de terra, 87% o uso de água e em 89% a emissão de gases do efeito estufa, mostrando mais uma vez o quanto a engenharia metabólica pode contribuir para um mundo mais sustentável.
Outro exemplo de química sustentável que vêm revolucionando a indústria é a produção de tecidos de forma biológica. A startup de biotecnologia japonesa Spiber Inc. tem sido responsável por essa revolução ao produzir a chamada Brewed Protein™, proteína produzida a partir de biomassa vegetal derivada de um processo de fermentação por microrganismos geneticamente modificados. Essa proteína simula as propriedades da seda da aranha, o que confere resistência, durabilidade e conforto para qualquer peça de vestuário criada utilizando esse material. Outra vantagem é que, por não dependerem de produtos petroquímicos como matéria-prima, não criam nem se decompõem em microplásticos ambientalmente persistentes, e por isso têm impacto menor nos ecossistemas marinhos quando comparados aos materiais plásticos tradicionais. A Spiber, no seu projeto mais recente em parceria com a empresa de roupas esportivas Goldwin, desenvolveu um suéter que mistura essas proteínas com outros fios nobres, criando o produto chamado “The Sweater”. Esse suéter durável e sustentável é apenas um dos produtos da empresa que começa a tal revolução da indústria têxtil com a resolução de problemas ambientais em escala global.
Além das leveduras citadas anteriormente, as bactérias também vêm sendo muito exploradas para o desenvolvimento de produtos mais sustentáveis. As bactérias da startup Pivot Bio acabaram se tornando os primeiros fertilizantes biológicos de plantações de milho, agora chamadas de PROVEN. Essas bactérias captam gás nitrogênio da atmosfera, convertem esse nitrogênio em amônia e o fornecem diariamente para as plantas durante todo seu período de crescimento. A introdução da engenharia metabólica foi importante nesse caso pois os genes que conferem a capacidade dessas bactérias de fixar o nitrogênio nas plantas eram naturalmente “desligados”, sendo utilizados somente quando eram mais necessários. Por isso, ferramentas de biologia sintética foram aplicadas para manter esses genes sempre “ligados”.
Na prática, a solução PROVEN contendo as bactérias é propagada no solo juntamente com as sementes do milho e isso reduz a necessidade de aplicação do fertilizante químico. O fertilizante químico, ao contrário da solução biológica, pode contaminar efluentes – já que pode ser lixiviado pela chuva – e também pode ser liberado na atmosfera na forma de óxido nitroso – um dos gases do efeito estufa. Além disso, sintetizar quimicamente uma tonelada de amônia usa a mesma quantidade de gás natural que a eletricidade que uma pessoa usa ao longo de um ano inteiro!
Por isso, a meta da Pivot Bio é encontrar as bactérias certas para outras plantas além do milho e expandir a possibilidade de plantas capazes de nutrir a si mesmas para outros cultivos alimentares e, de quebra, ajudar a salvar os oceanos e reduzir o aquecimento global.
As forças que estão mudando o mundo
Como pudemos ver ao longo do texto, Biologia Sintética e Engenharia Metabólica são ciências que andam juntas na busca de microrganismos melhorados capazes de gerar produtos por estratégias que, até pouco tempo atrás, eram inimagináveis. Podemos considerar esses microrganismos como sendo incríveis – e minúsculas – plantas industriais que seguem os princípios da química verde.
Nós sempre imaginamos que o futuro seria feito de carros voadores, hologramas e teletransporte. Mas o futuro é feito com eletrônicos produzidos a partir de material biológico, carnes produzidas em laboratório e plantas auto suficientes em nutrientes. Esse futuro já chegou. E esse futuro é bio.
Este texto faz parte da Série Especial sobre Engenharia Metabólica. Confira os demais textos aqui!