Especial Dia das Mães: desafios para conciliar a maternidade e a carreira científica

Conciliar a maternidade com a carreira científica é um desafio que muitas mulheres escolheram enfrentar apesar da falta de apoio da sociedade e da academia.

O primeiro Dia das Mães foi comemorado em 1908, em homenagem a Ann Jarvis. Durante a maior parte da sua vida, Ann realizou trabalhos sociais com mães na Virgínia do Norte (Estados Unidos). Após sua morte, sua filha, Anne Jarvis, continuou o trabalho da mãe buscando o reconhecimento do esforço das mães e a importância delas na sociedade. Devido ao sucesso da data nos Estados Unidos, em 1930, o então presidente do Brasil, Getúlio Vargas, oficializou a data no país no segundo domingo de maio. 

Essa data é muito importante para o mercado e é uma forma de demonstrarmos todo nosso amor e reconhecimento pelo que nossas mães fazem por nós. Enchemos nossa progenitora de presentes, carinho e declarações e tentamos arrumar um tempinho para comer aquela comidinha gostosa com ela. No entanto, muitas vezes o esforço das mães não é reconhecido pela sociedade durante o resto do ano. O tempo e os sonhos abdicados, o impacto da maternidade na carreira e os desafios de manter o currículo para competir com os homens são alguns obstáculos na vida das mães. 

Mulheres cientistas

Mulheres cientistas.
Mulheres cientistas. Fonte: Freepik

Na maioria das áreas do conhecimento, o número de mulheres é alto, mas pouco se ouve falar nos seus nomes, pois é ‘recente’ a saída delas de casa para o mercado de trabalho. Foi somente no século XX que as mulheres entraram em maior número no universo da pesquisa. Entre os pesquisadores com maior produtividade, as mulheres ainda são minoria e, por isso, acabam recebendo menos auxílios e bolsas, que exigem experiência e títulos.

O artigo “Mulheres na ciência: por que tão poucas?”, publicado em 1965 pela revista Science, foi um marco no assunto. A publicação sugeria que a maternidade e o casamento eram incompatíveis com a formação de uma carreira;  as mulheres não tinham habilidade intelectual e tampouco independência; eram muito influenciadas por familiares e se envolviam mais com questões sociais do que com as atividades acadêmicas. Em pleno século XXI, essas respostas ainda se perpetuam pela sociedade, mesmo sendo falsas

Rosalind Franklin é conhecida como a “mãe” do DNA. Pioneira na sua área de estudo, a físico-química britânica contribuiu para o descobrimento do formato helicoidal do DNA por meio de uma fotografia de raio X que fez da molécula. No entanto,  em 1965, quatro anos após sua morte, a contribuição decisiva  de Rosalind rendeu aos seus colegas bioquímicos James Dewey Watson e Francis Crick, e ao chefe Wilkins, o prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina, enquanto ela não levou o crédito pela descoberta. Rosalind não teve a oportunidade de ser mãe, mas seu “filho científico” marcou a história.

Devido ao olhar sempre atento de mãe, Michelle Teng, cientista e geneticista, diagnosticou uma doença genética incurável na sua própria filha. Quando sua filha Sofi tinha 2 anos, ainda não andava de forma independente, e a mãe pensou que algo não ia bem no seu desenvolvimento. Com sua experiência em genética, Michelle imaginou que poderia ser um problema de origem neurológica. Após receber o diagnóstico que sua filha possui leucodistrofia TUBB4a, uma doença genética incurável que afeta o sistema nervoso, a geneticista fundou uma empresa de biotecnologia para estudar um tratamento que salvasse a vida de Sofi. A empresa SynaptixBio foi autorizada a realizar a pesquisa pelo Food and Drug Administration (FDA) em parceria com o Hospital Infantil da Filadélfia.

Cientista Que Virou Mãe, a bióloga Ligia Moreiras, Doutora em Saúde Coletiva e Doutora em Ciências/Farmacologia, conta em suas redes sociais suas experiências quanto à maternidade. Ela luta pelo direito das mães de trabalhar, fala de saúde das mulheres e crianças e de educação não-violenta. Mais um grande exemplo de mãe que usa a ciência como ferramenta para melhorar a vida da filha e da sociedade. O exemplo de Ligia mostra como os dois mundos podem andar juntos apesar dos desafios

Impactos da maternidade na carreira

A produtividade dos cientistas se dá, geralmente, pelo número de artigos publicados (mesmo que quantidade não seja sinônimo de qualidade). Esse é o principal índice avaliado pelas agências de fomento brasileiras para conceder auxílio financeiro aos grupos de pesquisa. Quando uma pesquisadora precisa de licença-maternidade, consequentemente,  pausa sua carreira para dar atenção às questões maternas. Ao retornar, o ritmo pode não ser o mesmo nos primeiros anos de vida do filho. Isso faz com que, em média, quatro anos de produção científica sejam afetados. 

Os editais de fomento avaliam os últimos cinco anos de publicações. A mãe pesquisadora, com a  produtividade comprometida, perde a competitividade nesses editais. Isso forma um círculo vicioso no qual a perda de recursos reduz a capacidade de trabalho, diminuindo as publicações e a competitividade e distanciando essas mães do topo das listas de pesquisadores. 

Quase metade das pesquisas no Brasil são realizadas por mulheres. Porém, elas têm poucas oportunidades como postos de liderança acadêmica e recebem menos bolsas e auxílios que os homens. A presença delas em cargos públicos de liderança é de 33%, e  apenas 38% das ocupantes desses cargos têm filhos menores de idade. Ou seja, é mais fácil a mulher assumir um cargo de liderança quando não é mãe. Entre os homens em cargos públicos com filhos, o número sobe para 66%. 

As mulheres ainda são as principais responsáveis pelos cuidados da casa, dos filhos e da família, o que exige muito tempo. Isso faz com que as mulheres precisem conciliar a vida profissional com a familiar e a social. Esses esforços são alvos de julgamentos e opiniões de quem nunca esteve nesse lugar. O que essas mulheres, consumidas por pesquisa e maternidade, precisam é serem ouvidas e apoiadas. 

As mulheres são multitarefa.
As mulheres são multitarefa. Fonte: Freepik

Iniciativas de apoio às mães cientistas

A Nature publicou, em 2022, uma lista de projetos que incentivam alunas mães a permanecerem na carreira acadêmica e científica. Entre os citados está o Parent in Science, um projeto brasileiro, formado por mães e pais cientistas e que surgiu com o intuito de discutir sobre maternidade e paternidade no universo científico. O grupo busca entender o impacto dos filhos na carreira científica dos pais a partir de levantamento de dados e da realização de seminários e palestras em diversas cidades do Brasil. 

Por meio de algumas pautas levantadas pelo grupo, hoje muitos editais de financiamento de pesquisa no Brasil consideram períodos de licença-maternidade na análise de currículos. Além disso, depois de manifestos do grupo, desde 2021 há um espaço no Currículo Lattes, plataforma mantida pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) em que os pesquisadores informam as atividades realizadas, para as mães inserirem o período em que estiveram em licença-maternidade.

Currículo Lattes apresenta a opção de inserir o tempo de licença-maternidade.
Currículo Lattes apresenta a opção de inserir o tempo de licença-maternidade.

Outra ação do grupo é o Programa Amanhã, que apoia alunas de graduação e pós-graduação que são mães com auxílio financeiro proveniente de doações. Essa ação surgiu após uma pesquisa que detectou muitas mães pós-graduandas impossibilitadas de continuar com suas teses e dissertações devido às perdas de recursos familiares causadas pela pandemia de Covid-19. O programa ajudou 29 estudantes de pós-graduação em sua primeira campanha de financiamento coletivo. Esse projeto foi exportado para outros países da América latina e ganhou o prêmio Mulheres Inspiradoras na Ciência, concebido pela revista Nature.

A Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU) para o desenvolvimento sustentável inclui como quinto objetivo a Igualdade de Gênero. Uma das metas é acabar com a discriminação contra mulheres e meninas e empoderá-las. Isso inclui garantir que as mulheres tenham oportunidade de liderança na esfera pública, política e econômica, bem como acesso, proteção e garantia da saúde sexual e reprodutiva.  Isso pode ser visto como dar condições para que as mulheres possam escolher conduzir a maternidade em paralelo à carreira, com respeito e acolhimento. 

Cada escolha é uma renúncia?

Ao longo dos anos, muitas mulheres desistem de ser cientistas pois sonham em ser mães. Outras, logo após a graduação iniciam a longa jornada de mestrado e doutorado. Quando terminam suas especializações e de fato entram no mercado de trabalho, se veem cansadas e desistem de ter filhos para não ‘frear’ o currículo. 

As mulheres não devem precisar escolher entre ser mãe ou ter uma carreira na ciência. As mulheres precisam de apoio e valorização, pois são capazes de conciliar ambas as coisas em suas vidas, se assim optarem. Essas mulheres que amam e cuidam seus filhos, assim como os filhos-científicos (teses, artigos, produções), devem ter seu espaço, tempo e escolhas respeitados para o desenvolvimento da ciência e das futuras gerações. 

Texto revisado por Natália Lopes e Elaine Latocheski

Cite este artigo:
CARDIAS, B. B. Especial Dia das Mães: desafios para conciliar a maternidade e a carreira científica. Revista Blog do Profissão Biotec. V. 10, 2023. Disponível em: <>. Acesso em: dd/mm/aaaa.

Referências 

BIERNATH, André. É possível ser cientista e mãe’: grupo brasileiro que debate maternidade e carreira acadêmica ganha prêmio internacional. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/geral-59396170. Acesso em: 26 de abril de 2023. 
GNIPPER, Patrícia. 2016. Mulheres Históricas: Rosalind Franklin, a injustiçada “mãe do DNA”. Disponível em: https://arquivo.canaltech.com.br/internet/mulheres-historicas-rosalind-franklin-a-injusticada-mae-do-dna-78101/. Acesso em: 26 de abril de 2023. 
MASCARENHAS, Maria da Graça. 2003. Mulheres na ciência brasileira. Disponível em: https://agencia.fapesp.br/mulheres-na-ciencia-brasileira/622/. Acesso em: 26 de abril de 2023. 
OLIVEIRA, Amanda Castro et al. 2021. Mãe e Cientista, sim! Por que não? Disponível em: https://ciencia.ufla.br/todas-opiniao/801-mae-e-cientista-sim-por-que-nao. Acesso em 27 de abril de 2023.
UNIVERSIDADE Federal do Rio Grande do Sul. 2022. “Nature” destaca iniciativa do Parent in Science que apoia alunas mães na graduação. Disponível em: https://www.ufrgs.br/biociencias/nature-destaca-iniciativa-do-parent-in-science-que-apoia-alunas-maes-na-graduacao/. Acesso em: 26 de abril de 2023. 
Fonte da imagem destacada: elaborado pela autora.

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