Especial Vacinas – o que você precisa saber sobre seu surgimento e as reações populares

O Profissão Biotec apresenta uma série de textos sobre as vacinas: do seu desenvolvimento ao impacto sobre saúde e economia. Acompanhe! Neste texto veja como se deu o surgimento da vacina e das reações populares.

Muitos cientistas consideram as vacinas como o maior avanço biotecnológico da história devido ao seu impacto na prevenção, e até erradicação, de inúmeras doenças. Por isso o Profissão Biotec decidiu fazer uma série de textos para contar a história das vacinas, desde o seu desenvolvimento até o seu impacto positivo sobre a economia e a saúde pública. Ficou curioso? No texto a seguir entenderemos como as vacinas surgiram e como foram as reações populares que resultaram em movimentos anti e pró-vacina. Acompanhe nossa série de textos e descubra tudo o que você precisa saber sobre as vacinas!

O que são vacinas?

As vacinas são substâncias biológicas que possuem fragmentos de patógenos ou patógenos inativados/atenuados, ou qualquer outro agente semelhante ao patógeno, que são capazes de estimular a produção de anticorpos pelo sistema imunológico, tornando o indivíduo imune à doença. As vacinas são um marco na saúde humana pois permitiram a prevenção e erradicação de doenças, ampliando a expectativa de vida e reduzindo a mortalidade da população.

Como as vacinas surgiram

Os primeiros registros sobre o uso de um método para prevenção de doenças são do século X, onde os chineses aspiravam pus das feridas de doentes com varíola, as crostas das feridas eram reduzidas a pó e sopradas nas narinas de pessoas que pretendiam se proteger da doença. Também há relatos de que os turcos realizavam inoculação contra a varíola, por meio de agulhas, utilizando o material coletado de pessoas doentes. 

Na África, panos eram amarrados nos braços dos doentes e posteriormente amarrados nos braços de pacientes saudáveis, que logo depois desenvolviam um quadro leve de varíola. Essas técnicas, usadas para prevenção da varíola, receberam o nome de variolação e foram praticadas também na Índia e Império Otomano.

Figura representando a inoculação contra a varíola realizada na China no século X. As crostas das feridas eram reduzidas a pó e sopradas, com auxílio de um bambu, nas narinas de pessoas que pretendiam se proteger da doença. #pracegover: Homem soprando, com auxílio de um bambu, nas narinas de um menino. Fonte: Ciência Viva

Mas somente no século XVIII, a técnica de imunização tornou-se amplamente conhecida e recebeu o nome de vacina.  O médico e cientista inglês Edward Jenner observou que algumas vacas possuíam um tipo de varíola bovina, onde apresentavam feridas semelhantes à da varíola humana. Jenner observou também que as pessoas que mantinham contato direto com esses animais desenvolviam uma forma leve da varíola humana ou não apresentavam a doença.

Em 1796, Jenner realizou sua primeira experiência que comprovaria a capacidade de imunização: ele criou arranhões no braço de um menino de 8 anos e cobriu com o líquido extraído das feridas dos animais com varíola bovina. O menino teve febre baixa, poucas lesões e se recuperou rapidamente. Em seguida, Jenner usou o líquido das feridas de outro paciente com varíola humana, inoculou novamente no menino, que não apresentou nenhum sintoma, confirmando a imunização para a varíola. (É importante ressaltar que atualmente, os testes de eficácia das vacinas ocorrem de forma bem diferente e seguem as recomendações dos comitês de ética).

Edward Jenner imunizando um menino de 8 anos com o líquido extraído de animais com varíola bovina. #pracegover pintura de Edward Jenner fazendo arranhões com objeto pontiagudo no braço de um menino, que é segurado por uma mulher. Fonte: Ciência Viva

Edward Jenner apresentou seus resultados para a Royal Society (Academia de Ciências do Reino Unido) mas inicialmente suas experiências não foram aceitas. Somente após a realização de novos testes, em outras crianças, seus resultados foram aceitos e publicados.

No século XIX, o cientista francês Louis Pasteur iniciou as pesquisas de vacinas contra a cólera aviária e o carbúnculo, uma segunda geração de vacinas. Foi ele quem sugeriu que o termo vacina fosse usado para definir esse tipo de técnica (inoculação), baseado no nome científico da varíola bovina, a variolae vaccinae, doença estudada por Edward Jenner. Desde então, as vacinas passaram a ser produzidas em larga escala, em testes cada vez mais seguros, e tornaram-se uma importante forma de prevenção de doenças.

Reação popular: a desinformação e as primeiras campanhas anti-vacinas

Embora as vacinas sejam a melhor forma de prevenção de doenças, defendida amplamente pelos médicos e cientistas, os primeiros movimentos anti-vacinas surgiram ainda no século XIX. Naquela época, a imunização era uma novidade e havia dificuldade de acesso a informações, o que gerava desconfiança da população.

Um dos primeiros relatos de movimentos anti-vacinas são do Reino Unido, onde a população não concordava com a vacinação obrigatória. Foram criadas a Liga Nacional Anti-vacinação e a Liga Anti-Compulsória de Vacinação. Nessa época, a disseminação de notícias falsas sobre efeitos colaterais da vacina, e muitas outras informações não comprovadas, circulavam entre a população e eram livremente veiculadas nos jornais.

No Brasil, uma das manifestações mais conhecidas foi a Revolta da Vacina que ocorreu no Rio de Janeiro em 1904. Nessa época, a vacinação contra varíola já era obrigatória, mas a resolução não estava sendo cumprida. Por esse motivo, Oswaldo Cruz, médico e cientista premiado internacionalmente pela sua luta contra as doenças (o Instituto Oswaldo Cruz foi nomeado em sua homenagem), solicitou que o governo estabelecesse a obrigatoriedade da vacinação, e a regulamentação dessa lei foi o estopim para a Revolta da Vacina. Como naquela época as informações corretas sobre a vacinação não eram amplamente disseminadas e boatos circulavam (como os que diziam que quem se vacinava ficava com aparência bovina), a população não aceitou a nova lei e iniciou uma série de protestos violentos que duraram duas semanas.

O resultado dessa revolta foi a disseminação da varíola e a morte de milhares de pessoas. Em 1908, quando a maior epidemia de varíola atingiu o Rio de Janeiro, a população finalmente buscou a vacina tão recomendada por Oswaldo Cruz anteriormente. A Revolta da Vacina é um exemplo claro de como a disseminação de notícias falsas (que hoje conhecemos como fake news) e a falta de informação correta podem resultar na morte desnecessária de milhares de pessoas.

Mentiras e verdades sobre as vacinas. #pracegover no quadro da esquerda, estão as fake news espalhadas pelos negacionistas (vacinas causam doenças; vacinas possuem componentes que causam doenças; existem práticas alternativas que substituem vacinas); no quadro da direita estão as verdades comprovadas pela ciência (vacinas estimulam sistema imunológico; todas as vacinas passam por criteriosos testes de segurança e eficácia; vacinas são a melhor estratégia de prevenção). Elaborado pela autora.

Movimentos pró-vacina: uma esperança para o futuro das vacinas

Infelizmente, ao longo do século XX, os movimentos anti-vacinas permaneceram e nos últimos anos ganharam força. Um estudo divulgado pela revista científica The Lancet ressaltou que esses movimentos, associados a fake news, extremismo religioso e questões políticas, prejudicam as campanhas de vacinação em massa e a confiabilidade da população nas vacinas. No Brasil, estudos indicam que até 6% dos brasileiros não acreditam em vacinas (os chamados “negacionistas científicos”), e que até 20% dos brasileiros têm dúvidas sobre se vacinar.

Para mudar esse triste cenário, surgiram os movimentos pró-vacina realizados pelas comunidades científicas. A Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (SBMT) está promovendo debates, divulgando informações e gerando materiais para disseminar o conhecimento correto sobre as vacinas.

Além disso, grupos de divulgação científica como União Pró-Vacina (grupo de divulgação científica da USP Ribeirão Preto) e campanhas como o Vacina Brasil (vinculado ao Ministério da Saúde) criam materiais para mídias digitais baseados em documentos da Organização Mundial da Saúde e outras evidências científicas que combatem as falsas notícias divulgadas pelos “negacionistas”.

Recentemente foi lançada a campanha #TodosPelasVacinas reunindo organizações ligadas à divulgação científica, entidades científicas, além de artistas e personalidades. Com o objetivo de promover a conscientização sobre a importância da vacinação, o site da campanha possui diversos conteúdos pró-vacina como áudios, vídeos, podcasts, conteúdos artísticos e filtros para serem usados nas redes sociais.

A desconfiança da população sobre as vacinas ainda no século XIX seria até justificável, visto que se tratava de uma grande novidade da ciência e a disseminação das informações era muito mais difícil. Mas hoje, em pleno século XXI, o acesso à informação é muito mais fácil e rápido, principalmente por meio da internet e do trabalho dos divulgadores científicos.

O Profissão Biotec também acredita que a divulgação científica é a melhor forma de levar informações e conhecimento de forma leve, mas responsável, para a população. Por isso, continue acompanhando a nossa série sobre vacinas e compartilhando com o máximo de pessoas possível, pois no próximo texto vamos explicar como elas agem no nosso organismo e como são produzidas. Fique ligado!

Revisado por Tayná Costa e Ísis Biembengut
Referências:

A revolta da vacina. Fiocruz. Disponível em:< https://portal.fiocruz.br/noticia/revolta-da-vacina-2. > Acesso em 10.11.2020.

Breve história de medo e desinformação: os movimentos anti-vacina – Espaço Ciência Viva. Disponível em: <http://cienciaviva.org.br/index.php/2020/04/05/breve-historia-do-movimento-anti-vacina/ >  Acesso em 10.11.2020.

Imunização Racional – Correio Braziliense. Disponível em:< https://sbim.org.br/images/files/sbim-revista-correio-10-05.pdf  >Acesso em 10.11.2020

Movimento antivacinas: uma séria ameaça à saúde global. Luiz Carlos Dias. Disponível em: <https://www.unicamp.br/unicamp/ju/artigos/luiz-carlos-dias/movimento-antivacinas-uma-seria-ameaca-saude-global> Acesso em 10.11.2020.

Pró-Vacinas SBMT Brasil” vai promover debate e informação que subsidiem a valorização das medidas preventivas – Sociedade Brasileira de Medicina Tropical. Disponível em:< https://www.sbmt.org.br/portal/bstm-pro-vaccines-brazil-will-promote-debate-and-information-that-support-the-valuation-of-preventive-measures/ > Acesso em 10.11.2020.

União Pró-Vacina produz material sobre como lidar com o negacionismo científico – Thais Cardoso, Jornal da USP. Disponível em:< https://jornal.usp.br/universidade/uniao-pro-vacina-produz-material-sobre-como-lidar-com-o-negacionismo-cientifico/ > Acesso em 10.11.2020.

Vacinas: as origens, a importância e os novos debates sobre seu uso. Fiocruz Disponível em: <https://www.bio.fiocruz.br/index.php/br/noticias/1263-vacinas-as-origens-a-importancia-e-os-novos-debates-sobre-seu-uso .> Acesso em 10.11.2020.

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