O nosso corpo é composto por milhares de compostos orgânicos e entre eles estão as proteínas que são muito importantes, pois são elas que desempenham várias funções no organismo, como a síntese de DNA, quebra da glicose, produção de enzimas, hormônios etc. Quando uma delas apresenta algum erro na sua estrutura pode gerar algum problema no organismo, por exemplo uma doença rara como a fibrose cística e o mal de Parkinson. Essas e outras doenças são causadas pelo mau enovelamento das proteínas e para entender melhor como funciona, precisamos primeiro entender a estrutura de uma proteína.
Como as proteínas são estruturadas?
As proteínas são constituídas por aminoácidos. Existem 20 tipos diferentes de aminoácidos que podem ser classificados entre essenciais e não essenciais. Aminoácidos essenciais são aqueles que o organismo não é capaz de sintetizar, então devem ser obtidos através da ingestão de alimentos. Já aqueles classificados como não essenciais são aqueles que o corpo é capaz de sintetizar sozinho.
Podem haver inúmeros aminoácidos em uma determinada estrutura de proteínas, ligados pela ligação peptídica como descrito na figura a seguir. Além disso, a sequência dos aminoácidos forma a primeira estrutura de uma proteína que pode chegar a ter até quatro níveis estruturais diferentes. Veremos mais sobre esses níveis a seguir.
Estrutura Primária
A estrutura primária de uma proteína é formada apenas pelos aminoácidos ligados por ligação peptídica, de forma linear, é a forma mais simples de uma estrutura de aminoácidos e recebe esse nome por ser a primeira estrutura a ser formada. A estrutura primária é demonstrada na imagem a seguir.
Estrutura Secundária
A estrutura secundária é um dobramento da estrutura primária que começa a adquirir padrões na sua conformação. Esses padrões são mantidos por ligações de hidrogênio entre os grupos carboxila (que contém carbono e oxigênio), e os grupos amina (que contém o nitrogênio e hidrogênio) da cadeia principal da proteína. Os padrões formados são conhecidos como alfa-hélices e folhas beta pregueadas, estas últimas podem ser paralelas, isto é, aquelas que estão na mesma orientação, ou antiparalelas que estão no sentido oposto a outra. A imagem a seguir demonstra os tipos de padrões que a estrutura secundária pode obter.
Estrutura Terciária
As estruturas terciárias são conhecidas como estruturas tridimensionais, elas ocorrem quando as estruturas secundárias começam a dobrar-se sobre si mesmas. São estabilizadas por ligações de dissulfeto, ligações iônicas, ligações de hidrogênio e interações de Van der Waals. Essas ligações são estabelecidas pelas cadeias laterais dos aminoácidos que estão distantes na cadeia primária, mas que podem interagir por conta do dobramento da proteína.
A seguir trazemos como exemplo a representação em cartoon da estrutura terciária da mioglobina, que é uma proteína presente no músculo responsável pelo transporte de oxigênio.
É importante salientar que é a estrutura terciária que dá função a proteína, então caso ocorra alguma alteração nessa estrutura, a proteína perde toda ou parte de sua função.
Estrutura Quaternária
Algumas proteínas possuem as chamadas estruturas quaternárias, que são formadas quando várias subunidades de uma mesma proteína ou de proteínas diferentes se conectam e formam uma proteína ativa.
Um exemplo de proteína quaternária é a hemoglobina, uma proteína responsável pelo transporte de oxigênio no sangue, formada por 4 subunidades peptídicas idênticas. Cada subunidade possui um grupo heme com um átomo de ferro, o que permite a ligação de oxigênio para que ele seja transportado para dentro dos tecidos. A forma tridimensional de uma hemoglobina pode ser vista na imagem seguinte.
Doenças relacionadas ao mau enovelamento de proteínas
Agora que já apresentamos as estruturas de uma proteína, podemos entender como determinadas doenças ocorrem. Como citado no início do texto, a fibrose cística é uma das doenças relacionadas ao mau enovelamento de proteínas. No caso, a fibrose cística pode ocorrer devido a deleção ou a inserção de um aminoácido na sequência da proteína CFTR (‘Regulador da Condutância Transmembrana da Fibrose Cística’).
Essa proteína CFTR é um canal que regula o movimento de íons de cloreto de sódio no epitélio dos pulmões. Quando ocorre uma deleção no aminoácido Phe na posição 508 da CFTR, ocorre um mau enovelamento dela, sinalizando para degradação da proteína.
Porém essa deleção não é a única alteração que ocorre no gene CFTR, existem cerca de 1500 mutações que podem ser classificadas em mutações de classe I, classe II e classe III. As mutações de classe I são aquelas que inibem a produção da proteína CFTR, as mutações de classe II ocorrem promovendo a deleção do aminoácido Phe 508, como citado acima; e as mutações de classe III são aquelas que provocam mudanças nos canais de cloro da proteína CFTR.
O mecanismo de ação da fibrose cística ocorre da seguinte maneira: quando a proteína CFTR é mal enovelada ela não realiza sua tarefa de transporte de íons direito, causando um desequilíbrio iônico e alterando as propriedades físico-químicas do muco, tornando-o mais viscoso e espesso, e isso acaba gerando o acúmulo desse fluido em vários órgãos, como os pulmões.
Mas não é só a fibrose cística que é causada por problemas de mau enovelamento de proteínas e perda de função, um outro exemplo é a famosa doença de Creutzfeldt-Jakob (popularmente conhecida como doença da vaca louca). Essa rara doença neurodegenerativa é causada por príons, que são pequenas proteínas mal enoveladas que provocam o mau enovelamento e agregação de outras proteínas do cérebro, desencadeando morte celular e lesões no cérebro. Os sintomas neurológicos podem iniciar com perda de memória, alterações de equilíbrio, podendo chegar em demência, movimentos involuntários, coma, até que a doença seja fatal.
Ainda dentro de doenças neurodegenerativas oriundas do mau enovelamento de proteínas, podemos destacar o Alzheimer que acredita-se ser causado pelo acúmulo do peptídeo beta amilóide no cérebro junto de outras formas clivadas da proteína tau aos microtúbulos. O peptídeo beta amilóide é composto por dois segmentos alfa-helicoidais que atravessam a membrana. Quando esse peptídeo perde sua estrutura e adquire a forma de folhas beta paralelas estendidas, ele se acumula na parede dos neurônios, essa pode ser uma das causas da doença de Alzheimer, gerando sintomas como perda de memória, dificuldade de planejar ou resolver problemas, executar tarefas do dia a dia, desorientação, problemas de linguagem e outras.
Como apresentado neste texto, as proteínas possuem diferentes níveis de estruturação para atingirem sua forma e consequentemente sua função fisiológica correta no organismo. Esse correto enovelamento é regulado por inúmeros mecanismos a nível molecular e celular, mas raramente quando algo escapa deste controle, doenças relacionadas ao mau enovelamento de proteínas podem surgir. Estudos na área de biotecnologia já trouxeram algumas respostas, mas novas pesquisas buscam trazer avanços no diagnóstico e tratamento dessas doenças.
Cite este artigo:
GUIDOTTI, I. L. Estrutura de Proteínas e doenças causadas pelo seu mau enovelamento. Blog do Profissão Biotec, v.8, 2021. DIsponível em: < Estrutura de Proteínas e doenças causadas pelo seu mau enovelamento – Profissão Biotec (profissaobiotec.com.br)>. Acesso em: dd/mm/aaaa