Em julho de 2018 a NASA (National Aeronautics and Space Administration) completou 60 anos. Inicialmente baseada no princípio de explorar o espaço, ela foi muito além: desenvolveu tecnologias e propiciou descobertas de modo a melhorar a vida na Terra e explorá-la além de nossas fronteiras planetárias.
Fundamentalmente movida pela pesquisa, uma das maiores iniciativas da NASA foi a criação de um laboratório que orbita a Terra desde 1998: a Estação Espacial Internacional (ISS – International Space Station), uma parceria com as agências espaciais do Canadá, Japão, Rússia e União Européia. Toda a sua montagem foi realizada no espaço e, a partir de meados do ano 2000, passou a abrigar tripulações que a utilizam, entre outras atribuições, como plataforma para experimentos na área científica. Entre as áreas mais desbravadas tem-se astronomia, meteorologia, física, engenharia e medicina.
A ISS oferece uma condição típica do espaço: a microgravidade, popularmente conhecida como “gravidade zero”. A microgravidade é uma sensação de ausência de peso, permitindo flutuar. Vista de forma fascinante no universo da TV e do cinema, a gravidade reduzida na verdade afeta a permanência de astronautas em missões espaciais pois repercute na saúde do seu organismo trazendo consequência como queda da imunidade, atrofia muscular, enfraquecimento dos ossos, desorientação e redistribuição da pressão sanguínea.
Essas reações podem ser melhor controladas através de uma dieta nutritiva e exercícios físicos regulares na estação espacial, além de usualmente serem revertidas quando o astronauta volta para o ambiente terrestre. No entanto, para que isto seja viável, as missões espaciais não podem ser muito longas. Este fato coloca em questão a capacidade humana em colonizar o espaço sendo que o foco dos projetos atuais é Marte, o planeta vermelho.
Cena do filme “Perdido em Marte” de Ridley Scott lançado em 2015 e que conta a história da sobrevivência do astronauta americano Mark Watney em Marte após um desastre em uma missão espacial. Fonte: GIPHY
É aí que a biotecnologia entra neste campo de investigação!
Estudos dos Gêmeos
Mark e Scott são astronautas norte-americanos e gêmeos idênticos. Em 2015, Scott foi enviado à uma missão espacial que durou aproximadamente um ano enquanto seu irmão Mark permaneceu na Terra, consagrando um experimento científico de grandes proporções.
Um dos maiores objetivos da NASA sempre foi pesquisar os aspectos moleculares envolvendo o ser humano no espaço, e com os irmãos Kelly surgiu a oportunidade única em estudar as alterações genéticas ocasionadas pelo ambiente espacial no gêmeo que ficou a bordo da ISS e compará-las com o gêmeo que ficou no planeta, sendo um tipo de grupo controle. O objetivo foi verificar os efeitos da exposição prolongada ao ambiente espacial de forma a planejar missões futuras para Marte.
O estudo dos gêmeos abordou diversos experimentos, destacando-se algumas descobertas preliminares. Primeiramente, é como se Scott tivesse ficado mais jovem. Telômeros são as pontas dos cromossomos e se caracterizam por encurtarem com o passar do tempo, sendo relacionados ao processo de envelhecimentos. Em análises realizadas percebeu-se que os telômeros de Scott cresceram ao invés de diminuir. Acredita-se que a dieta rígida e os exercícios corriqueiros tenham relação com este processo mas ainda não se sabe exatamente o que o viabilizou. No entanto, ao voltar para a Terra, os telômeros de Scott logo voltaram ao seu tamanho anterior, assemelhando-se com os do seu irmão Marck.
Os gêmeos e astronautas Mark Kelly (à esquerda) que permaneceu na Terra e Scott Kelly (à direita) que foi para a ISS, em entrevista sobre o estudo dos gêmeos que visa principalmente avaliar os efeitos genéticos da exposição prolongada ao espaço. Fonte: NASA
Outro aspecto em discussão é relacionado à metilação do DNA. Este processo epigenético é natural do organismo e consiste na adição de grupos metil ao DNA com o objetivo de silenciar genes, desativando-os conforme a necessidade de cada parte do nosso corpo. Isso explica porque temos o mesmo código genético em todas as nossas células mas cada grupo executa funções diferenciadas. Em Scott esse processo ficou reduzido durante sua permanência no espaço, havendo uma menor modificação de genes.
A maior parte das mudanças a nível molecular de Scott foram revertidas após sua volta para a Terra. De acordo com os cientistas, após o sequenciamento do seu DNA revelou-se que em torno de 7% de seus genes que foram modificados pela exposição espacial permaneceram diferentes em comparação ao seu irmão, tornando essas alterações potencialmente permanentes. A NASA deve divulgar as informações completas de todo o estudo em breve.
Microorganismos espaciais
Os micro-organismos são os seres vivos mais abundantes do planeta devido à sua impressionante capacidade de adaptação e a sua natureza de conviver com o ser humano, os carregamos para todos os cantos inevitavelmente. Dentre sua diversidade, eles podem nos ser perigosos ou úteis. Sendo assim, a NASA tem investido em estudar o comportamento destes seres na microgravidade para avaliar suas habilidades de mutação.
Uma grande preocupação em missões espaciais é o favorecimento da queda da imunidade. Apesar dos mecanismos moleculares ainda não estarem bem esclarecidos, sabe-se que a microgravidade interfere na produção de anticorpos deixando o organismo mais vulnerável. Acredita-se que este ambiente favorece a multiplicação e a virulência de organismos patogênicos, assim como sua resistência à fármacos potentes como os antibióticos.
Para explorar o alcance destas mudanças, foram enviadas para o espaço bactérias como Escherichia coli, Staphylococcus aureus e Salmonella responsáveis por infecções bastante difundidas no trato gastrointestinal devido à alimentos contaminados, podendo levar à morte em casos mais graves. O objetivo é acompanhar as alterações moleculares destes microorganismos na gravidade zero para descobrir potenciais alvos para o desenvolvimento de fármacos mais potentes e novas vacinas utilizados tanto na Terra quando em missões espaciais para manter a saúde e bem-estar dos astronautas em viagens longas.
Mas nem só de doenças sobrevivem os microorganismos. Há diversas espécies que não são prejudiciais ao ser humano e inclusive podem nos beneficiar na conquista espacial. Um exemplo é a Shewanella, uma bactéria anaeróbica facultativa capaz de produzir energia através do consumo de metais pesados e seus derivados como ferro, urânio, sulfatos e nitratos.
Tem-se pesquisado sobre sua potencial utilização para decompor o lixo orgânico produzido pelo homem no espaço gerando energia elétrica ao mesmo tempo. Focando a colonização de ambientes hostis além da órbita terrestre, formas de produção de energia e suporte para a vida serão cada vez mais necessários gerando sistemas auto sustentáveis.
Sequenciamento Genético
O MinION é um sequenciador de DNA e RNA portátil desenvolvido pela Oxford Nanopore. Facilmente manuseável e de funcionamento independente, ele é capaz de realizar sequenciamentos genéticos em ambientes que vão além de um laboratório. Em 2016, a bióloga molecular Kate Rubins o utilizou à bordo da ISS para verificar sua capacidade de sequenciamento na microgravidade e análise em tempo real das amostras escolhidas. Concomitantemente, o mesmo teste foi realizado na Terra e os resultados foram idênticos.
O dispositivo MinION é um sequenciador portátil capaz de analisar amostras biológicas em tempo real. As informações podem ser acessadas através de sua conexão em um computador através de um cabo USB. Fonte: Nanopore Technologies
Este experimento abriu portas para uma potente ferramenta na avaliação de mudanças ocorridas no material genético dos astronautas e no ambiente a sua volta em tempo real. O MinION pode identificar as condições de saúde dos tripulantes detectando alterações no seu organismo devido à fatores como radiação, falta de gravidade, dieta, sono, doenças, entre outros, agindo como uma forma de diagnóstico. Ele também pode monitorar a qualidade do ar e da água em relação a presença de microorganismos.
Apesar de sua ainda necessidade por internet, futuramente espera-se que o dispositivo seja capaz de identificar formas de vida em outros planetas utilizando uma gama de moléculas além do DNA e do RNA, como as proteínas.
E aí, você imaginava que haviam tantas descobertas no espaço e que elas poderiam melhorar a vida na Terra? Quem mais ficou fascinado por esse laboratório espacial e quer virar astronauta? Compartilha com a gente!