Halófilos são organismos que evoluíram para suportar ambientes com alta concentração de sais pelo controle rigoroso de osmolaridade em seu interior.

Há vida por todos os lugares da Terra, por mais inóspito que o ambiente pareça ser, e essa diversidade de espécies deve ser estudada e celebrada. Com isso, damos continuidade à série sobre os extremófilos, organismos que são, no mínimo, peculiares, por sobreviverem e prosperarem em condições incompatíveis com a maioria das formas de vida.

Neste texto vamos falar sobre os halófilos. “Halo” é um prefixo grego que significa sal e “filo”, também do grego, significa amar. Com a junção de ambos temos a palavra halófilo, termo utilizado para definir um grupo de organismos presente em um vasto número de ambientes salinos, como solos ou lagos (o mar morto é um ótimo exemplo). Mas o que seria um ambiente salino e por que é considerado um ambiente inóspito? Ademais, como esses microrganismos sobrevivem e qual o potencial biotecnológico deles? 

Sobre ambientes salinos

A presença de sais (cloreto de sódio, magnésio e bicarbonatos, por exemplo) em solo ou corpos d’água é comum na natureza; o acúmulo desses solutos pode ocorrer em ambientes onde a taxa de evaporação de água é considerável. Além disso, áreas salinas também podem ser resultado de atividades agrícolas ou industriais.

Antes de falarmos sobre os microrganismos que vivem em tais ambientes, é necessário esclarecer porquê as áreas com alta salinidade são consideradas extremas. Sabemos que a água é um pré-requisito para a vida como a conhecemos, mas a dinâmica do movimento da água se altera quando o ambiente é salino, e os organismos têm que se adaptar a isto para sobreviver.

A presença de água dentro de um organismo é mantida por um balanceamento dinâmico de solutos e solventes entre os compartimentos fora e dentro da célula. Quando há um gradiente de concentração de solutos, ou seja, um compartimento “A” que apresenta mais moléculas que “B”, a água tende a fluir de A para B até atingir um equilíbrio, processo que chamamos de osmose.

Ilustração da osmose
Em uma solução hipertônica (com maior concentração de solutos que a célula), a água tende a se difundir para fora da célula, fazendo-a perder volume e turgor (esquerda). Em uma solução isotônica (concentrações similares entre os compartimentos), a célula se mantém intacta devido ao equilíbrio de influxo e efluxo de água (centro). Já na solução hipotônica (menor concentração de solutos no meio), a célula incha por causa da entrada excessiva de água (direita). Fonte: Imagem adaptada de ThoughtCo

Sendo assim, os halófilos têm que contornar o desafio de manter um equilíbrio de água, em um ambiente com altas concentrações de solutos.

Organismos halófilos

Como foi comentado anteriormente, chamamos de halófilos os organismos capazes de sobreviver e crescer em concentrações elevadas de sal; eles necessitam de sal para crescer. Porém, também existem as subclassificações, necessárias para  especificar a vasta diversidade desses organismos. 

Dependendo da concentração de sal que eles necessitam (ou suportam) para viver, classificamos em halotolerantes (normalmente crescem quando há 2-5% de sal), halófilos moderados (quando crescem em 5-20% de sal) ou halófilos extremos (20-30% de sal). Além disso, são encontrados exemplos de halófilos entre os três domínios da vida: as bactérias, as arqueas e os eucariotos!

Lago Hillier na Austrália
Lago Hillier, Austrália, exemplo de ambiente hipersalino. A coloração rosa do lago ocorre devido à presença de extremófilos, dentre eles a Dunaliella salina, eucarioto halófilo, e Salinibacter ruber, bactéria também halófila. Fonte: Hillier Lake e Australian Geographic.

A fim de sobreviver em tais ambientes hostis, os organismos halófilos desenvolveram estratégias perspicazes para evitar a perda excessiva de água e manter a integridade da estrutura celular. Foram descritos dois mecanismos para regular a pressão osmótica.

O primeiro mecanismo, chamado “salting-in”, envolve a síntese e o acúmulo de altas concentrações de íons inorgânicos (potássio, por exemplo) no citoplasma. Esta é considerada uma estratégia de halófilos extremos, uma vez que é necessário alterar a maquinaria intracelular para evitar a desnaturação de proteínas e ácidos nucleicos, devido ao ambiente salino interno.

Já o segundo mecanismo é encontrado em todos outros organismos halófilos; ele consiste na adaptação osmótica pelo acúmulo de solutos orgânicos (sacarose e trealose, por exemplo). A vantagem dessa estratégia é que permite uma adaptação flexível do organismo, em ambientes com salinidades variadas; porém, exige-se um alto custo energético para sintetizar os solutos ou captar do meio extracelular.

Microscopia eletrônica de varredura de Salinibacter ruber
Microscopia eletrônica de varredura de Salinibacter ruber, isolada de locais de cristalização salina. A bactéria é um halófilo extremo, e cresce em meios com 20-30% de sal. Barra indica 2um. #ParaTodosVerem: Fonte: Antón, J et al (2002).

Aplicações biotecnológicas dos extremófilos halófilos

Após estudar as características singulares desses organismos, surge a pergunta: como eles podem ajudar a biotecnologia? O fato é que eles apresentam um potencial único por causa das suas biomoléculas diferenciais que permitem a sobrevivência em ambientes extremamente salinos. Segue abaixo uma lista de possíveis aplicações dos halófilos e seus extremólitos (compostos naturais dos extremófilos), incluindo áreas como biorremediação, medicina e indústria farmacêutica e de cosméticos. 

  1. Ectoína. Este é um composto orgânico utilizado para manter o equilíbrio osmótico, e são produzidos em grande quantidade pelos halófilos. Podem ser úteis para vários objetivos, como: estabilizar enzimas, proteger contra dissecação, aumentar a vida útil de cosméticos e atuar como aditivo hidratante nos cosméticos.
  2. Carotenoides. Esses pigmentos que absorvem luz são de alta importância e tem possíveis aplicações como agentes corantes e antioxidantes, e muitas espécies de halófilos produzem esses compostos em grandes quantidades. 
  3. Halocina. São peptídeos tóxicos ativos em ambientes salinos, que atuam como microbicidas. Tem potencial para ser utilizado como agente antibiótico.
  4. Extremozimas halófilas. Como foi mencionado anteriormente, muitos extremófilos alteram suas biomoléculas para serem ativas em ambientes salinos, uma característica desejada em muitos processos industriais. Hidrolases descobertas em halófilos (como  amilases, proteases e celulases) podem ser de grande utilidade na indústria.
  5. Bacteriorrodopsina. Esta é uma proteína encontrada em arqueias, necessária para a síntese de energia (ATP) a partir de luz. Apresenta potencial para utilização em armazenamento holográfico de dados, biossensores e retinas artificiais. 
  6. Bioplástico. A troca de plásticos derivados de petróleo por alternativas renováveis e amigáveis para o meio ambiente é uma necessidade, e os halófilos podem ajudar na busca de um composto substituto viável. Foi documentado que alguns halófilos produzem polihidroxialcanoatos (PHA), um grupo de polissacarídeos, para reserva de carbono e manutenção da osmolaridade, e que também podem ser de grande utilidade para produção industrial de bioplástico.
  7. Biossurfactante. Surfactantes são substâncias anfifílicas (interagem tanto com água quanto com óleo) capazes de reduzir a tensão superficial; são utilizados em detergentes, emulsificantes e para biorremediação de derramamento de óleo. Os lipídios de membrana dos halófilos estão sendo estudados pelas suas propriedades biossurfactantes resistentes à salinidade.

Estas são apenas algumas das possibilidades! Quanto mais aprendermos sobre esses extremófilos, outras aplicabilidades podem surgir para revolucionar muitas áreas de estudo. A arte da biotecnologia está em transformar aspectos vantajosos da natureza em produtos reais e proveitosos para a sociedade.

Perfil de Luísa Valério
Texto revisado por Tayna Costa e Natália Videira

Cite este artigo:
FRANCA, L. V. Extremófilos e biotecnologia: conhecendo os microrganismos halófilos. Revista Blog do Profissão Biotec. V. 10, 2023. Disponível: <https://profissaobiotec.com.br/extremofilos-e-biotecnologia-conhecendo-os-microrganismos-halofilos/>. Acesso em: dd/mm/aaaa.

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