Existe uma diversidade surpreendente de organismos unicelulares microscópicos no planeta, como as bactérias, as arqueias e os protistas. Eles podem ser encontrados nos mais diversos ambientes, desafiando condições variadas (de temperatura, salinidade, pressão, entre outros), em consequência das suas diferenças genéticas, metabólicas e fisiológicas.
Alguns desses microrganismos apresentam potencial significância biológica, devido às características peculiares que possibilitam a sobrevivência deles em habitats drásticos: os extremófilos. Há uma abundância de termos classificatórios para esses organismos; algumas das categorias sendo: termófilos, que vivem em temperaturas elevadas; acidófilos, que vivem em ambientes ácidos, e halófilos, que vivem em condições muito salinas. Pensando nisso, vamos iniciar uma série de textos explorando as principais classes desses organismos, assim como os ambientes que eles vivem e o quanto podem ser valiosos para a ciência!
No presente texto iremos abordar, especificamente, como os microrganismos capazes de sobreviver a altas doses de radiação, os radioresistentes, prometem ser úteis em uma miríade de áreas, incluindo a medicina, a biorremediação e a indústria de cosméticos.
Microrganismos extremófilos
A diversidade da vida é notável. Existe uma miríade de organismos que evoluíram para serem capazes de sobreviver em condições ambientais que são, de um ponto de vista humano, hostis. Podemos encontrar espécies de animais e plantas nos mais diversos habitats, e isto é notável quando se trata de microrganismos.
Em locais extremos, como áreas vulcânicas, no fundo do mar, ambientes de temperatura extrema e em elevações maiores, sujeitos a doses elevadas de radiação, apenas os organismos mais adaptados conseguiam remanescer e reproduzir; em sua maioria, eles são microrganismos e chamamos eles de extremófilos.
Apesar de todos serem microrganismos curiosos, o foco deste texto é falar de uma classe específica de extremófilos: os radioresistentes, que suportam doses copiosas de radiação.
O que é radiação?
Podemos citar muitas instâncias em que o ser humano é desafiado com a radiação, tanto naturalmente pelas ondas de rádio AM ou FM e pela luz solar, quanto artificialmente em procedimentos médicos (radiografias, por exemplo) ou industriais.
Na física, definimos radiação como energia propagada em forma de ondas eletromagnéticas (luz, ondas de rádio, raios x e gama) ou em partículas (radiação alfa e beta). Ela é geralmente classificada como: 1) não ionizante: de menor energia e baixa penetrabilidade; ou 2) ionizante: de alta energia e capaz de ionizar átomos, ou seja, alterar a sua carga para torná-lo mais positivo.
Independente da classificação, ambos tipos de radiação afetam negativamente as biomoléculas vitais do nosso corpo, como enzimas, RNA e, especialmente, DNA. O efeito da radiação no DNA é o mais drástico para as nossas células, pois pode ocasionar a quebra de sua estrutura, gerar mutações, além de criar radicais livres (componentes altamente reativos e nocivos em altas concentrações).
Felizmente, dispomos de mecanismos de defesa para detectar e reparar vários tipos de danos; o DNA pode ser restituído por enzimas especializadas, e os radicais livres podem ser eliminados via componentes antioxidantes. Porém, caso ocorra um excesso de exposição à radiação, estes recursos se tornarão insuficientes e as falhas no sistema de reparo ocasionarão consequências preocupantes para a saúde; são alguns exemplos: queimaduras, repressão do sistema imune, dermatite e diferentes tipos de câncer.
Microrganismos radioresistentes
Sabemos que a radiação pode ser danosa e letal. Agora, porém, imagine um organismo que consiga sobreviver após ser exposto a uma dose 1200x maior que a dose fatal de radiação ionizante para humanos. Estamos falando da bactéria Deinococcus radiodurans, um extremófilo fascinante.
A sobrevivência desse microrganismo, assim como de outros radioresistentes, pode ser atribuída aos mecanismos robustos de defesas que possuem: sistema eficiente de reparo de DNA, metabólitos (produtos do metabolismo) e pigmentos protetores. Esses compostos, chamados de extremólitos, apresentam um potencial biotecnológico deveras interessante devido à suas propriedades de preservar a célula dos danos induzidos por radiação.
Aplicações biotecnológicas dos extremófilos radioresistentes
Agora chega a parte em que a biotecnologia pode atuar para promover a inovação. Com o estudo dos microrganismos radioresistentes e suas propriedades singulares, podemos identificar e investigar os extremólitos de radioresistentes, a fim de desenvolver novos produtos promissores. Exemplos desses extremólitos, seus metabólitos e suas aplicações biotecnológicas são citados abaixo:
- Aminoácidos semelhantes a micosporina (MAA, sigla em inglês). Diferentes moléculas pequenas, capazes de absorver radiação ultravioleta (UV), emitida naturalmente pelo sol. Encontrados em certas espécies de cianobactérias e algas, apresentam o potencial de uso anti-câncer de pele pelo seu efeito fotoprotetor.
- Bacterioruberina. Carotenoide (pigmento lipossolúvel de cor alaranjada) isolado de Rubrobacter radiotoleransis. Frequentemente, são encontrados pigmentos nos extremófilos; tais componentes influenciam na estabilidade da membrana e previnem danos graças às suas propriedades antioxidantes.
- Escitonemina (Scytonemin, em inglês). Metabólito de algumas espécies cianobactérias extremófilas, é capaz de absorver radiação UV, podendo ser um produto valioso em protetores solares. Também, é inibidor de uma enzima regulatória do ciclo celular, e tem potencial como composto terapêutico contra câncer e desordens inflamatórias.
- Extremozimas. Além das aplicações terapêuticas e cosméticas, os extremófilos possuem um potencial plausível para a biorremediação de áreas contaminadas com lixo nuclear. Já foram identificadas enzimas de diversos radioresistentes capazes de transformar radioisótopos em suas formas insolúveis, ou seja, menos tóxicas. Ademais, algas radioresistentes como a Cystoseira indica demonstraram a capacidade de absorver radioisótopos de urânio.
Mais estudos são necessários para melhor compreender os extremófilos, e também as substâncias e mecanismos que eles utilizam para sobreviver em ambientes hostis. Não obstante, a aplicação de produtos biológicos está no coração da biotecnologia, e os radioresistentes podem trazer novas perspectivas de manejo ambiental, tratamento médico e criação de produtos eficazes contra danos causados pela radiação.
Palavras chave: extremófilo, radioresistente, radiação, biotecnologia, microrganismos.
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Cite este artigo:
LOURENÇO, D. A. Extremófilos e biotecnologia: conhecendo os microrganismos radioresistentes. Revista Blog do Profissão Biotec. V. 10, 2023. Disponível: <https://profissaobiotec.com.br/extremofilos-e-biotecnologia-conhecendo-os-microrganismos-radioresistentes/>. Acesso em: dd/mm/aaaa.
Referências
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