A atual pandemia da doença COVID-19, causada por um coronavírus, está gerando grande alarde. Ela começou na China em dezembro de 2019 e se espalhou por quase todo o globo em menos de 4 meses. Nesse pouco tempo o impacto da pandemia na economia é visível na queda das bolsas de valores, da produção das indústrias e das vendas do comércio. Também é visível todo o investimento que está sendo feito para que hospitais e laboratórios possam atender a demanda da população doente com a COVID-19.
E esses são apenas os impactos imediatos, não sabemos ao certo quanto tempo essa a pandemia vai durar, nem quanto a economia dos países será prejudicada… Mas será que o SARS-CoV-2 foi realmente criado em laboratório e liberado para infectar as pessoas com a intenção de causar esses prejuízos? Será que, do ponto de vista biológico, há fundamento nessa hipótese?
Nesse texto, você vai entender melhor o “alcance” de coronavírus em animais, o que vai ajudar a esclarecer se o vírus foi ou não criado em laboratório.
Se você quer saber se seus animais de estimação podem ou não transmitir COVID-19, acesse este texto; confira também o infográfico completo aqui.
Quem são os coronavírus?
Apesar do SARS-CoV-2 estar sendo popularmente chamado de coronavírus, esse nome designa muito mais tipos de vírus do que apenas o causador da pandemia atual de COVID-19. Coronavírus, na verdade, é a designação de um grupo viral que possui diversos subgrupos, dos quais Alpha e Beta coronavírus, que costumam infectar mamíferos, e Gama e Delta coronavírus, que infectam pássaros e peixes. Entre os mamíferos que podem ser acometidos pelos vírus ou serem intermediários deles para os humanos podemos citar morcegos, furões, roedores, camelos, bovinos e suínos.
O novo coronavírus foi ou não criado em laboratório?
Não! Existem várias evidências científicas que apontam que o vírus surgiu por meio de evolução natural.
Evidência 1: Trabalhos científicos descrevem características que mostram a evolução natural dos coronavírus
Primeiramente, é importante ressaltar que, já no primeiro surto de Síndrome respiratória aguda grave (SARS), causada pelo vírus SARS-CoV, em 2003, os cientistas buscaram qual animal seria o principal reservatório viral. Com isso, eles descobriram que o vírus causador do surto tinha 90% de identidade genômica com o vírus presente em morcegos do gênero Rhinolophus (como consta neste artigo). Além da grande semelhança com a variante presente em morcegos, trabalhos científicos descrevem características que mostram a evolução natural dos vírus.
Evidência 2: Em relação ao vírus da SARS, o vírus da COVID-19 tem uma mutação “não ideal” com características de seleção natural
Sabe-se que os vírus têm taxas relativamente altas de mutação em seu material genético. As mutações podem aumentar, diminuir ou não ter efeito quanto à infecção que ele causa. Porém, as mutações que aumentam o sucesso em infectar um hospedeiro tendem a ser selecionadas naturalmente. No caso do SARS-CoV-2, podemos dizer que a proteína spike, que os cientistas mostraram diferir da variante anterior, teve esse papel de facilitar a contaminação de humanos, pois ela ancora o vírus nas células humanas e permite que ele as infecte.
Com a proteína spike o vírus se ancora aos receptores ACE2 das nossas células e consegue entrar. Existem 6 aminoácidos na proteína que são cruciais para que ela tenha um bom desempenho, e 5 deles são diferentes entre SARS-CoV e SARS-CoV-2.
A alteração desses 5 aminoácidos faz com que o SARS-CoV-2 tenha uma afinidade muito maior com os receptores humanos do que SARS-CoV. Mas é interessante saber que, apesar dessa combinação ter dado tão certo, quando se utiliza simulação computacional para calcular a afinidade entre a proteína spike do SARS-CoV-2 e os receptores humanos, o resultado é uma ligação não ideal, demonstrando que ela não é uma mutação prevista, nem planejada, mas é realmente fruto do “acerto e erro” da seleção natural.
Evidência 3: Essa mutação também é encontra em coronavírus que infectam pangolins
Outra evidência de ação da seleção natural é que foi encontrado um coronavírus em pangolins, na província de Guangdong, que possui os mesmos 6 aminoácidos na proteína spike do SARS-CoV-2. Ou seja, essa mutação já aconteceu ao menos uma vez na natureza. Essas informações estão detalhadas neste estudo. Tais evidências sugerem cada vez mais que o pangolim possa ter sido o animal de origem dessa nova variante de coronavírus.
Evidência 4: Não existem rastros de manipulação genética no RNA do vírus da COVID-19
Além disso, um trabalho recente explica que não há evidência de manipulação em laboratório, já que a mesma deixaria “rastros” identificáveis para cientistas da área. Sim, deixaria rastros! As tecnologias disponíveis para manipular diferentes micro-organismos são bem conhecidas; então, no caso de manipulação em laboratório, os cientistas teriam detectado sítios de cortes para enzimas, ou algumas sequência inseridas/deletadas que fariam com que a nova variante de coronavírus tivesse uma diferença gritante com as demais variantes.
Mas então, como o vírus “de morcego” chegou aos humanos?
Você deve estar se fazendo essa pergunta agora. Muito vem sendo falado sobre o mercado de carnes exóticas da China (mais especificamente em Wuhan, onde aconteceu o primeiro caso de COVID-19), dando a entender que alguém se alimentou de carne de morcego infectado por coronavírus. Porém, não necessariamente foi assim que aconteceu.
O maior problema desse tipo de mercado é o contato entre animais silvestres, que funcionam como reservatórios virais, e o ser humano. O vírus já pode infectar uma pessoa pelo seu contato com as excretas destes animais, por exemplo. Além disso, colocando animais selvagens de espécies diferentes em contato próximo uns com os outros (contato esse que talvez não ocorresse na natureza) o reservatório viral se torna ainda maior e mais perigoso, pois os vírus podem “migrar” de um animal para o outro e novas variantes estão propensas a surgir.
Como já mencionado, um vírus semelhante ao SARS-CoV-2 já foi encontrado em pangolins. Esse animal também é comercializado no mercado de Wuhan e pode ser mais um reservatório de coronavírus. No entanto, não se encontrou, ainda, nenhum vírus igual ao SARS-CoV-2 nem em morcegos, nem em pangolins. Por conta disso uma das hipóteses consideradas é que o SARS-CoV-2 tenha surgido em humanos que se contaminaram de alguma forma com o vírus de outros animais. Uma vez dentro do organismo humano, foi selecionado aquele vírus que possuía a melhor mutação para infectar seu hospedeiro.
Você pode encontrar uma explicação didática dessa situação aqui. Pelo tipo de hábito como o do mercado de carnes exóticas na China, a ciência já alertava há mais de 10 anos para o surgimento de uma nova variante de SARS-CoV, exatamente pela facilidade dos vírus em sofrer mutação, como já mencionado aqui. O artigo que fez o alerta é esse aqui.
O que fazer agora?
Para finalizar, deixamos algumas recomendações.
- Não espalhe fake news e aja caso veja uma! O medo e ansiedade gerados por uma pandemia podem levar as pessoas a acreditar mais facilmente em notícias falsas. Porém, a informação verdadeira é sempre a melhor opção para evitar ainda mais danos psicológicos. O Profissão Biotec tem uma série de textos e infográficos sobre o novo coronavírus, e um conteúdo listando os canais oficiais do governo sobre o vírus que você pode usar para combater as fake news aqui! Além disso, compartilhe esses infográficos do Profissão Biotec com alguém que precise reforçar a saúde mental nesse momento;
- E a última recomendação: não instigue teorias conspiratórias! A situação é caótica e, infelizmente, isso estimula o aparecimento e a crença neste tipo de teoria. Porém, o ideal é manter a calma e apurar os fatos a fundo. A comunidade científica vem trabalhando incessantemente, então sempre tenha como base as informações confirmadas por ela.
Agora que você está mais informado sobre a pandemia, que tal testar seus conhecimentos para saber se você já é um expert no assunto? Esse texto do nosso blog esclarece as principais perguntas e respostas sobre o coronavírus e a COVID-19.
Texto revisado por Natália Videira e Letícia Cruz