Em setembro de 2018 foi publicada a Medida Provisória nº 851, que busca instituir o marco regulatório sobre criação, gestão e fiscalização dos intitulados “Fundos Patrimoniais” – ou Fundos Endowments. Cinco meses depois, em janeiro de 2019, a medida provisória tornou-se lei, com veto parcial. Assim, para todos os efeitos, o Brasil dá um primeiro passo para facilitar o financiamento privado às pesquisas científicas do setor público, bem como o fomento à inovação, à tecnologia, à educação, à saúde, ao meio ambiente, à cultura e outros.
Antes de nos aprofundarmos sobre o significado da nova lei no país, vamos entender um pouco mais sobre esse tal de endowment e suas diferenças a outros meios de fomento à ciência…
Fundos Patrimoniais ou Endowments
Segundo o bom e velho Google Tradutor, endowment significa “doação”. Trazendo ao nosso contexto, os fundos de endowment seriam um patrimônio perpétuo que gera recur$o$ contínuos para a promoção de uma determinada atividade. Logo, diferente de doações tradicionais ou filantropia, a doação deve ser aplicada e são os seus rendimentos que fomentam a atividade alvo. Dessa forma, o valor acumulado pelas doações nunca deverá se esgotar1.
Apesar da lei ser bastante recente, os endowments não são inéditos. Instituições de ensino superior de grande renome no mundo, como Oxford, Cambridge, MIT e Harvard – a primeira dos EUA a criar este tipo de fundo, em 1643 -, obtêm parte de seu orçamento anual desta forma. Em tais universidades, os fundos podem financiar bolsas, infraestrutura e projetos científicos. No Brasil, um exemplo encontrado é o endowment Direito GV. Criado em 2010 por ex-alunos, pais de ex-alunos e professores das primeiras turmas do curso de Direito da Fundação Getúlio Vargas, o fundo financia bolsas de estudos ao curso da FGV.
Um outro exemplo nacional de fundo patrimonial são os Amigos da Poli da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, que investe em projetos que vão desde a recuperação de mercúrio utilizado em laboratórios didáticos até a construção de carros elétricos de corrida para competições nacionais e internacionais na modalidade. Abaixo, um esquema sobre como funciona a manutenção do fundo – e fundos de endowment em geral:
Mais um exemplo de grande destaque nacional: o Serrapilheira é uma iniciativa privada sem fins lucrativos lançada em 2017 cujo objetivo é fomentar a produção de conhecimento científico e iniciativas de divulgação científica no país. Constituído em 2016, o fomento é oriundo de um fundo patrimonial de R$ 350 milhões que financiará Pesquisadorxs e seus projetos em até R$ 100 mil por um ano, podendo ser estendido para mais 1 milhão ao longo de três anos. Além dos projetos nas áreas deCiências Naturais, Ciência da Computação e Matemática, iniciativas de divulgação científica também são selecionadas para receber suporte como capacitação, treinamento e fomento de até R$ 100 mil por um ano. A Serrapilheira também possuem outras frentes de fomento, como a capacitação em jovens pesquisadores mestrandos, por exemplo. Vale a pena conferir!
No universo da Biotecnologia, existem diferentes fundos de endowment para diferentes finalidades: na Universidade da Califórnia Davis (UC Davis), o Centro de Biotecnologia de Sementes (Seed Biotechnology Center) foi fundado em 1999 pela parceria da indústria de sementes e a universidade para desenvolver pesquisa, educação e treino na área de sementes. Uma vez que o financiamento estadual não garante uma posição dedicada à administração do Centro, o endowment patrocinado por diferentes indústrias da área apoiou o cargo de diretor do centro. Ainda na área da agricultura, a Universidade Estadual da Pensilvânia (PennState) possui um fundo de endowment para financiar pesquisas em biotecnologia de cultivos alimentares.
Porém, nem tudo são flores em terras tupiniquins…
Conforme mencionado anteriormente, a lei sobre o marco regulatório de Fundos Patrimoniais (endowments) foi aprovada com veto parcial: foram barrados justamente os pontos que permitiriam o incentivo fiscal aos doadores, a parte considerada mais atrativa para fomentar as doações. O Poder Executivo alegou que tais medidas iriam contrariar leis de responsabilidade fiscal, alegação contestada por diferentes sociedades científicas, que ressaltaram o benefício público que o fomento proporcionaria, além de um acordo com o Tribunal de Contas da União (TCU) reconhecendo que a isenção tributária aos doadores não seria caracterizada como uma renúncia fiscal per se.
Segundo o artigo da Revista Fapesp, os vetos seriam analisados pelo Congresso Nacional ainda em fevereiro; vale conferir no site do Congresso Nacional como resultou a edição de Decreto Legislativo (prazo até início de abril).
Na pesquisa científica brasileira, todos sempre alegam a mesma máxima: precisamos de mais verba para a ciência do Brasil. Seriam os Fundos Patrimoniais a solução de todos os nossos problemas? Apesar de bastante otimista, vale a reflexão: conforme visto no texto, será que um endowment patrocinado por setores da Indústria poderiam direcionar ou limitar a pesquisa científica nas Universidades? Diga-nos o que acha nos comentários!
Para concluir o texto, deixo solta no ar a seguinte reflexão: semelhante ao caso do Direito GV ou Amigos da Poli, imagine só um fundo de endowment à pesquisa em biotecnologia desenvolvido pelas próprias universidades, por egressos ou por alunos de cursos de biotecnologia? Imagine só a festa verba!