Kit NAT Brasileiro: Biotecnologia de ponta em nossos bancos de sangue

As bolsas de sangue coletadas em campanhas e hemocentros passam sempre por uma série de testes e triagens antes de serem oferecidas em hospitais e centros de tratamento, não é mesmo? Mas você sabia que além dos testes tradicionais, hoje, uma metodologia de ponta baseada em técnicas de biologia molecular é utilizada para garantir a segurança transfusional no Brasil? São os kits de testes baseados em ácidos nucléicos (NAT), onde a nossa velha conhecida PCR é utilizada para detectar o DNA do vírus diretamente da amostra.

O problema:

Na década de 80, bolsas de sangue contaminadas com HIV passaram pelas triagens nos bancos de sangue da França e mais de 4.000 pessoas foram contaminadas. Diversas autoridades foram processadas por negligência e o mundo ficou chocado. Como um erro tão grande pode ter acontecido? O escândalo político que afetou a vida de milhares de pessoas gerou um alerta mundial sobre a segurança transfusional: Será que os governos e autoridades levavam a sério esse assunto? Os testes e tecnologias utilizados eram suficientes para garantir que apenas sangue não contaminado fosse distribuído?

A partir desse incidente, as autoridades passaram a procurar melhores modelos de triagem e a incentivar a utilização de testes mais eficazes e sensíveis. A janela imunológica, por exemplo, é um dos fatores de risco na doação de sangue.

Você sabe o que é janela imunológica?

A janela imunológica é o período entre o início da infecção por vírus ou bactéria e o desenvolvimento de anticorpos detectáveis contra o patógeno. Por exemplo, a janela imunológica da infecção pelo vírus HIV é de 30 dias e somente após esse período os anticorpos contra o vírus são detectáveis , já contra o vírus causador da hepatite C (o HCV), o período varia entre 49 e 70 dias.

A produção de anticorpos é importante porque a maioria dos testes (os testes sorológicos) busca detectá-los no sangue para determinar se o doador está infectado ou não.

Durante a janela imunológica os testes sorológicos não são capazes de determinar se uma pessoa ou bolsa de sangue está contaminada com o vírus. Por isso, é normalmente realizada uma triagem do doador para entender se ele se enquadra em algum grupo de risco de contaminação. O doador que apresentou recentemente comportamentos que podem levar a um risco de contaminação como a utilização de perfurocortantes na realização de tatuagens ou acupuntura, situações com risco de contração de doenças sexualmente transmissíveis, endoscopias e cirurgias dentárias fica temporariamente impedido de realizar a doação. É de extrema importância que o doador seja sincero ao preencher o questionário do hemocentro, assim evitando que outras pessoas sejam colocadas em risco. Afinal, uma bolsa de sangue pode ser utilizada por até quatro pacientes que já apresentam um quadro de saúde delicado.

Mas a boa notícia é existem os testes NAT, que conseguem fazer a detecção antes desse período.

O que são testes NAT?

Os testes NAT, ou tecnologia de amplificação de ácidos nucleicos, consistem em kits para amplificação de DNA ou RNA dos vírus que podem estar presentes nas bolsas de sangue. A realização desses testes para HIV e HCV é obrigatória em todas as bolsas de sangue coletadas pelos bancos público e privados no país desde 2013.

Fluxo de testagem das amostras através de kits NAT recomendado pelo ministério da saúde. Fonte: Manual operacional – Implantação e rotina dos testes de ácidos nucleicos (NAT) em serviços de hemoterapia.

Trata-se de uma metodologia de PCR em tempo real. Nesta técnica, o DNA ou RNA do patógeno presente na amostra é amplificado utilizando primers (pequenos DNAs iniciadores específicos para o vírus) específicos para o alvo, no caso, o material genético dos vírus. Diferente de uma PCR convencional, nesta técnica a amplificação é “colorida”, permitindo a quantificação em tempo real de acordo com a intensidade do brilho da substância fluorescente. Assim, se existe a amplificação acima de uma quantidade determinada padronizada pelo kit é muito provável que a amostra esteja contaminada pelo vírus.

Fachada externa do castelo da sede da FIOCRUZ no Rio de Janeiro. Fonte: Peter Ilicciev, acervo FIOCRUZ imagens.

Os testes diminuem para cerca de 10 dias o período de detecção após a infecção pelo vírus HIV e para 12 pelo HCV, reduzindo assim o período sem detecção dos testes sorológicos. No Brasil, os testes utilizados são todos de origem nacional. O desenvolvimento do kit brasileiro foi iniciado em 2004  por um consórcio público formado pelo Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos – Bio-Manguinhos/FIOCRUZ, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ e pelo Instituto de Biologia Molecular do Paraná – IBMP. Este projeto foi motivado pelos altos custos dos produtos importados para o Ministério da Saúde. Hoje, os insumos para os kits são produzidos nas instalações do IBMP e de Bio-Manguinhos e distribuídos para os centros de testagem nacionais.

Esse case de sucesso de desenvolvimento e produção de um kit de testagem nacional é de extrema relevância para nosso país. A utilização dos kits NAT-HIV e NAT-HCV brasileiros permite uma maior segurança transfusional no Brasil com custos reduzidos, tendo em vista que o kit nacional custa apena U$4,30 por bolsa de sangue, enquanto estima-se que o custo dos kits importados seria de U$30,00 por bolsa para os cofres públicos. Isso mostra como a área de pesquisa e desenvolvimento em biotecnologia é de extrema relevância também para a soberania nacional. Com o investimento e parcerias certas podemos ter muito mais cases de sucesso com impactos muito positivos tanto na redução de custos quanto na melhoria do atendimento à população.

Você conhece mais algum kit brasileiro ? Conta pra a gente!

Referências
Bio-Manguinhos, Kit NAT HIV/HCV/HBV, 2014. Disponível em https://www.bio.fiocruz.br/index.php/produtos/reativos/testes-moleculares/nat-hivhcv acessado em 03/09/2018.
Bio-Manguinhos, Uso do kit NAT se torna obrigatório, 2013. Disponível em https://www.bio.fiocruz.br/index.php/noticias/651-uso-do-kit-nat-se-torna-obrigatorio acessado em 03/09/2018.
Escândalo na França ao ser encerrado o caso do sangue contaminado, UOL notícias, 2002.  Disponível em https://noticias.uol.com.br/inter/afp/2002/07/05/ult34u44884.jhtm acessado em 03/09/2018.
IBMP. Produção industrial para saúde. Disponível em http://www.ibmp.org.br/pt-br/producao/ acessado em 03/09/2018.
KAMEDA, Koichi; CORREA, Marilena C. D. V.  and CASSIER, Maurice. A incorporação do teste diagnóstico baseado na amplificação de ácidos nucleicos (NAT) para triagem de sangue no SUS: arranjos tecnológicos para a nacionalização do “NAT brasileiro”. Physis, 2018 Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-73312018000100405 acessado em 03/09/2018.
Ministério da Saúde. Implantação e Rotina dos Testes de Ácidos Nucleicos (NAT) em Serviços de Hemoterapia, 2013. Disponível em http://bvs.saude.gov.br/bvs/publicacoes/implantacao_rotina_acidos_nucleicos_manual.pdf acessado em 03/09/2018.
SGARIONI M., Aids leva ex-premiê francês à Justiça, Folha de São Paulo 1999. Disponível em ww1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/ft09029906.htm acessado em 03/09/2018.
VILLELA F. Teste Nat agora é obrigatório em todos os bancos de sangue do país, Agência Brasil, 2014. Disponível em http://agenciabrasil.ebc.com.br/pesquisa-e-inovacao/noticia/2014-02/teste-de-acido-nucleico-agora-e-obrigatorio-em-todos-os-bancos acessado em 03/09/2018.

Revisado por Carolina Bettker e Mariana Pereira

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