Independente do setor produtivo, a inovação é fundamental para o aumento e preservação da competitividade das empresas. No que diz respeito ao desenvolvimento de novos produtos, a promoção da inovação tecnológica está fortemente conectada à cultura organizacional da instituição e sua relação com o setor de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PD&I) – o qual é obrigado a responder a prazos e recursos cada vez menores frente às demandas tanto da sociedade como das empresas. Portanto, o gerenciamento dos setores de PD&I (estrutura organizacional, capacitação, recursos humanos, etc.), bem como a sua estrutura física (instrumentação, equipamento, etc.), são importantes para a condução eficiente de projetos de inovação.
Dentre as várias estratégias utilizadas pelas empresas e institutos de pesquisas, o Laboratório 4.0 é apresentado como uma alternativa ambiciosa e promissora de uso eficaz de tempo, recursos humanos e insumos para inovação em produtos e processos [1,2].
O que se entende por Laboratório 4.0 é basicamente a incorporação de sistemas e tecnologias digitais (Internet das Coisas, Big Data, Computação em Nuvem, Sistemas de Simulação, Robótica Avançada, Inteligência Artificial, entre outros) às atividades de pesquisa e desenvolvimento, de modo que haja integração entre os seus componentes físicos e virtuais em sistemas cyber-físicos. A assimilação das tecnologias descritas acima configura o que se convencionou chamar de “Quarta Revolução Industrial”, ou Indústria 4.0 para os mais íntimos [2,3].
Como exemplo de Laboratório 4.0 temos a união entre a Robótica Avançada, os Sistemas de Conexão Máquina-Máquina, a Internet das Coisas e os Sensores, que possibilita um diálogo entre os componentes ao longo da operação, captando, transformando e analisando essa comunicação graças aos Big data e a Computação de Nuvem. Então, com o uso da Inteligência Artificial, essas informações podem ser processadas e utilizadas na tomada de decisão, assegurando maior precisão e padronização dos procedimentos [3].
Áreas da Indústria 4.0. Fonte: O futuro das coisas
Algumas ferramentas que fazem parte dessa definição não são novidade nas rotinas laboratoriais, como o caso do clássico sistema automatizado de pipetagem). Contudo, a incorporação dessas tecnologias em interfaces interativas, autônomas e “inteligentes” é a base dessa nova revolução, que pode viabilizar a investigação de fenômenos que outrora enfrentaram barreiras técnicas ou operacionais difíceis de superar – como número e duração de experimento, precisão, etc. [2,3]
Robô conduzindo rotinas laboratoriais. Fonte: Medical Daily
Com a evolução e o amadurecimento das ciências da vida, em específico a biotecnologia industrial, a condução de experimentos tem se tornado cada vez mais complexa e onerosa. O planejamento experimental desses projetos de inovação requer um alto número de ensaios e, consequentemente, um conjunto extenso de dados para ser futuramente analisado, como ocorre em certas investigações das áreas de proteômica, metabolômica, screening de medicamentos, high-throughput strain improvement, otimização de processos e outros. Assim, tais circunstâncias são desafios recorrentes em projetos com orçamento e tempo restritos. Diante do exposto, o questionamento sobre a automatização das rotinas experimentais do setor de PD&I em biotecnologia é pertinente – e uma potencial oportunidade de negócio [4].
O emprego de robôs e de outros dispositivos autônomos, como o monitoramento e a análise integrada sem intervenção humana, contribui não somente na produtividade mas também na reprodutividade e precisão dos ensaios. Mas, claro, o investimento necessário para obter esses recursos pode ser muito elevado para alguns laboratórios, principalmente considerando a atual política de investimento em ciência no Brasil. No entanto, há iniciativas que visam à automatização de rotinas laboratoriais com custos acessíveis, como é o caso da startup Opentrons, apresentado abaixo [5].
https://player.vimeo.com/video/260833720
A Opentrons apresenta um portfólio de sistemas de pipetadores automatizados bem mais baratos (US$3.000) que robôs usuais (US$100.000), de uso intuitivo e controlados via internet. Com iniciativa promissora, os dispositivos da Opentrons possibilitam o compartilhamento e download de protocolos de pipetagem em uma rede de código aberto para seus usuários, permitindo que os pesquisadores elaborem suas rotinas experimentais sem a necessidade de uma consultoria técnica de terceiros para criá-la [5,6].
Já a iniciativa Antha, projeto desenvolvido pela empresa inglesa Synthace, promete integrar o controle de experimentos biológicos por meio de um software extremamente poderoso e flexível. Conforme ilustrado abaixo, o Antha conecta equipamentos laboratoriais e automatiza protocolos em rotinas de trabalho mais reprodutíveis, possibilitando integrar ao projeto experimental protocolos equivalentes para equipamentos integrados com o sistema. Não somente isso, o software extrai dados obtidos ao longo do processo, permitindo uma visualização dinâmica dos principais insights do seu protocolo [5,7].
O software Antha acelera todo o fluxo de trabalho, do planejamento ao aumento de escala. A plataforma de controle é centrada nas particularidades de experimentos biológicos, melhorando a reprodutibilidade e traceabilidade, bem como na condução de experimentos complexos. Fonte: Synthace
Segundo um artigo da Labiotech.eu, o Antha pode ser utilizado para elaborar a rotina de trabalho de um determinado estudo e o sistema Opentrons, na condução dos experimentos.
O software Antha acelera todo o fluxo de trabalho, do planejamento ao aumento de escala. A plataforma de controle é centrada nas particularidades de experimentos biológicos, melhorando a reprodutibilidade e traceabilidade, bem como na condução de experimentos complexos. Fonte: Synthace
Portanto, podemos notar uma relação de oferta e demanda atrativa entre os setores biotecnológicos e da Indústria 4.0. Conforme apresentado aqui, são inúmeras as vantagens do emprego dessas tecnologias na PD&I do setor de biotecnologia quanto à eficiência, qualidade de pesquisa e, principalmente, urgência de prospecção de produtos biotecnológicos de alto valor agregado.
Analisando o cenário político-econômico nacional atual, questões sobre a capacidade da indústria brasileira de se integrar a essas cadeias globais devem ser instigadas pela indústria, governança pública e meio acadêmico. Assim, fica a seguinte reflexão: quais são as políticas nacionais industriais direcionadas à oferta e demanda da indústria 4.0 necessárias para o PD&I do setor de produtos biotecnológicos, de modo a preservar ou aumentar sua competitividade no cenário mundial?