Os microrganismos estão em todo o lugar, mas você sabia que eles influenciam o seu cafézinho? Saiba como alguns microrganismos são responsáveis pela qualidade do seu café.

O café é uma das bebidas mais consumidas mundialmente. No Brasil é quase que unanimidade, faz parte do dia a dia do brasileiro, e está enraizada na nossa tradição e cultura.  Atualmente, o Brasil é o maior exportador e produtor de café no mundo,  e essa produção ocorre há mais de 150 anos.  De acordo com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), o café brasileiro é extremamente rico e tem padrões de qualidades altamente exigentes, tanto em qualidade do produto, quanto em questões sociais e ambientais.  As legislações da atividade cafeeira são rígidas e garantem o padrão de qualidade internacional  do café brasileiro. 

 Quando pensamos em qualidade do café logo associamos ao preparo da bebida, mas diversos fatores influenciam o produto final, desde o manejo agrícola, variedade botânica das sementes, armazenamento e, em alguns casos, outros seres vivos

A contaminação do café, devemos nos preocupar?

Pode não ser de conhecimento geral, mas os microrganismos influenciam diretamente nossa percepção do café. A  contaminação microbiana do fruto do café, bem como sua proliferação durante o processo de produção do grão e, por fim, o produto pronto para o consumo, são fundamentais na definição da qualidade final da bebida.  Esta contaminação pode ser bastante diversificada envolvendo bactérias, bolores e leveduras.

 Os aromas e os sabores característicos do café são decorrência de constituintes químicos voláteis. Em caso de contaminação por algumas espécies de fungos, o sensorial destes compostos pode ser afetado. Os fungos sintetizam uma grande quantidade de  metabólitos voláteis, como o ácido tricloroanisol (TCA), geosmina e terpenos que resultam em um sabor indesejável  ao café conhecidos como “off flavours”. As espécies de fungos encontradas em cafés brasileiros pertencem principalmente aos gêneros Aspergillus, Penicillium e Cladosporium. 

Um dos principais pontos a se destacar na contaminação por fungos é a produção de metabólitos tóxicos (micotoxinas) comprometendo a segurança do produto final. Dentre as principais questões micotoxicológicas a se preocupar, a ocratoxina A (OTA) é a micotoxina mais presente no café, geralmente associada ao gênero Aspergillus.  No Brasil, o limite estipulado é 10 µg/kg para café torrado. Os limites máximos sobre as micotoxinas em alimentos são estabelecidos pela Resolução nº 7/2011 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) que dispõe:

“Os níveis de micotoxinas devem ser tão baixos quanto razoavelmente possível, devendo ser aplicadas as melhores práticas e tecnologias na produção, manipulação, armazenamento, processamento e embalagem, de forma a evitar que um alimento contaminado seja comercializado ou consumido”. 

Art nº4 da RDC 7/2011 

Os microrganismos podem ajudar no sabor do café

Mas não somente de pontos negativos há a relação entre os microrganismos e o café.  Atualmente, a procura por cafés especiais tem crescido significativamente, e já é possível encontrar no mercado cafés com aroma de chocolate, amêndoas, caramelo e diversos outros. Na produção do café, essas notas aromáticas são obtidas  no processo pós colheita, na etapa de fermentação do café. Este processo é uma etapa natural de todos os frutos recém-colhidos, que consiste na degradação da polpa e da mucilagem do fruto (secreção botânica rica em polissacarídeos, retém a água aumentando de volume) por alguns microrganismos. Esta etapa geralmente é necessária para a secagem do fruto em grãos de café. 

De acordo com as condições fermentativas, o açúcar da mucilagem do fruto do café é degradado por fungos e leveduras. A quebra de açúcares e aminoácidos presentes na mucilagem resulta em ácidos orgânicos, que são importantes para a síntese dos compostos aromáticos. A temperatura desempenha um papel importante nas reações metabólicas do processo fermentativo. Os açúcares e os ácidos se quebram sob circunstâncias controladas, dentro de temperaturas e intervalos de tempo estabelecidos. Estes processos, resultam em compostos complexos e em uma variedade de sabores e notas olfativas para o café.  

Grãos de café em processo de fermentação
Figura: Grãos de café em processo de fermentação. Fonte: Perfectdailygrid #ParaTodosVerem: Grãos de café submersos em um líquido de coloração marrom durante o processo fermentativo.

Segundo Francisco Quezada, CEO das Fazendas de Café Montenegro (GTM), “Com boa fermentação, você pode revelar as características que um café possui. Em outras palavras: a boa fermentação não vai elevar a qualidade do café, pois o café já traz isso da lavoura, mas nós podemos revelar e manter essas características que vieram da lavoura.” No entanto, a fermentação nem sempre é boa: “Uma má fermentação piora ou produz qualidades negativas no café”. 

Haja vista que a fermentação é altamente interessante para o cafeicultor. No entanto, este deve se ater aos protocolos validados e regulamentados pela ANVISA, para que  não ocorra contaminação por micotoxinas ou piora na qualidade sensorial do café. A qualidade do fruto também deve ser elevada, para agregar as características inerentes deste e ao seu processo pré-colheita. 

Em se tratando de qualidade na produção de grãos e de cultivares, sempre associamos as contaminações como algo ruim e a ser evitado a qualquer custo. É verdade, claro, que alguns microrganismos podem ser patogênicos tanto para a planta ou fruta, quanto para nós como consumidores. Afinal, quem não ama um café com notas de chocolate? Parece gourmet e rebuscado, mas usando de fermentação, um processo biotecnológico já bem conhecido na produção de alimentos como cervejas, vinhos e queijos, podemos incrementar o saber e qualidade de forma simples e eficaz. 

Perfil de Gabrielle
Texto revisado por Luisa Valéiro e Fabiano Abreu

Cite este artigo:
LEAL, G. C. Os microrganismos e a produção de café. Revista Blog do Profissão Biotec, v.9, 2022. Disponível em:<https://profissaobiotec.com.br/microrganismos-procao-cafe/>. Acesso em: dd/mm/aaaa.

Referências

CHALFOUN, Sara Maria; FERNANDES, Ana Paula. Efeitos da fermentação na qualidade da bebida do café. Visão Agrícola, USP, p. 105-108, 2013.
LU, Li et al. Comprehensive Review of Fungi on Coffee. Pathogens, v. 11, n. 4, p. 411, 2022.
RUTA, Lavinia Liliana; FARCASANU, Ileana Cornelia. Coffee and yeasts: From flavor to biotechnology. Fermentation, v. 7, n. 1, p. 9, 2021.
TANIWAKI, Marta H. An update on ochratoxigenic fungi and ochratoxin A in coffee. Advances in food mycology, p. 189-202, 2006.
Fonte da imagem destacada: Pexels.

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Juliana Curityba
Juliana Curityba
2 anos atrás

Amo um café!! E adorei saber tudo isso sobre o assunto 👏🏻

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