Microscopia e biologia parte II: conhecendo os microscópios eletrônicos e suas aplicações

Agora que já revisamos os microscópios ópticos, vamos aos microscópios eletrônicos. Você conhece os tipos e como funcionam? E as aplicações de cada um?

Como comentamos no texto sobre microscopia óptica , a invenção do microscópio foi revolucionária em diversas áreas, incluindo as ciências biológicas. Através  deste equipamento, a visualização do mundo microscópico se tornou possível, contribuindo com várias descobertas e avanços nas ciências e tecnologias.

Já sabemos que o microscópio óptico foi inventado por volta de 1590, utilizando o feixe de luz visível para produzir imagens ampliadas do objeto a ser visualizado. Mas como surgiu a família de microscópios eletrônicos? Vem descobrir com a gente neste texto!

Histórico da Microscopia Eletrônica

A invenção da microscopia eletrônica (ME) se deu no início do século XX e só foi possível devido à descoberta dos elétrons, por Joseph J. Thomson, em 1897. A descoberta dos elétrons e o estudo do comportamento ondulatório dessas partículas, por Louis de Broglie em 1924, foi importante não só para a ME, como também para diversas outras áreas. 

Outro estudo de muita importância para o desenvolvimento do microscópio eletrônico foi divulgado em 1926, pelo físico Hans Busch. Busch demonstrou através de cálculos matemáticos que seria possível focalizar elétrons em um feixe utilizando uma lente eletromagnética, estabelecendo os principais fundamentos para a invenção da ME.

No que tange ao equipamento de fato, o primeiro microscópio eletrônico de transmissão (MET) (veremos logo mais os tipos) foi apresentado em 1931, pelo físico alemão Ernst Ruska e sua equipe. Devido à importância dessa criação e à contribuição para o avanço da ciência, Ruska recebeu o Prêmio Nobel de Física em 1986. Após mostrar ao mundo sua invenção, Ruska foi contratado pela Siemens AG, onde trabalhou no desenvolvimento do primeiro microscópio eletrônico de transmissão produzido para comercialização, em 1939. 

Já o primeiro microscópio eletrônico de varredura (MEV) foi construído em 1938, pelo físico alemão Manfred von Ardenne, baseado na concepção descrita por Max Knoll em 1935. Em 1965, o microscópio eletrônico de varredura começou a ser comercializado pela Cambridge Scientific Instrument

Fotografia dos primeiros microscópios eletrônicos inventados. Microscópio eletrônico de transmissão (MET) inventado por Ernst Ruska e colaboradores em 1931 e réplica de 1933 (A); microscópio eletrônico de varredura (MEV) inventado por Manfred von Ardenne (B). Fonte: (A) J. Brew, Wikimedia Commons; (B) Rechteinhaber: Dr. rer. nat. Alexander von Ardenne, Wikimedia Commons.

Principais Componentes do Microscópio Eletrônico

Existem diferenças entre os componentes do MET e do MEV, porém ambos possuem partes em comum: o canhão eletrônico e as lentes eletrônicas. O canhão eletrônico é a fonte de iluminação dos ME, sendo composto por um filamento de tungstênio, que é percorrido por uma corrente elétrica sob aplicação de alta voltagem, tornando-o incandescente e, por consequência, capaz de emitir elétrons. O comprimento de onda é indiretamente proporcional à voltagem aplicada, ou seja, quanto maior for a voltagem aplicada, menor será o comprimento de onda dos elétrons (e maior frequência, consequentemente), aumentando o poder de resolução. Você pode acessar esse link para entender melhor a relação comprimento de onda x resolução da imagem.

Microscópio Eletrônico de Transmissão (MET) do Centro de Microscopia Eletrônica do Sul (CEME-SUL), localizado na Universidade Federal do Rio Grande (FURG). Na imagem se encontram o canhão de elétrons e os computadores necessários para o processamento da imagem. Também é possível observar as lentes utilizadas para a observação da amostra na placa fluorescente. Fonte: CEME-SUL.

As lentes eletrônicas são formadas por bobinas, através das quais passa a corrente elétrica. Quando há corrente elétrica passando pelas bobinas, o campo magnético formado irá atuar como uma lente, sendo capaz de focalizar o feixe liberado pelo canhão eletrônico sob a amostra. Para quem deseja entender melhor todos os componentes de um ME: leia o capítulo (em inglês) Electron Microscopy: Principle, Components, Optics and Specimen Processing. 

Figura esquemática mostrando a diferença entre um Microscópio Óptico e um Microscópio eletrônico de varredura. Na esquerda se encontra a composição básica de um Microscópio Óptico, mostrando a fonte de luz, e a localização das lentes e da amostra. Na direita se encontram os componentes básicos de um Microscópio eletrônico e a localização da fonte de elétrons e das lentes eletrônicas. Fonte: Dedavid, Gomes & Machado, 2007.

Princípio de Funcionamento do Microscópio Eletrônico

A invenção do ME possibilitou realizar estudos com maior riqueza de detalhes, como, por exemplo, análises relacionadas às organelas e outras estruturas subcelulares. Isso ocorre devido à maior capacidade de ampliação do objetivo analisado, uma vez que o ME pode aumentar a resolução em até 1000 vezes mais quando comparado ao microscópio óptico (MO). 

A explicação relacionada a essas diferenças entre o MO e o ME pode ser encontrada no nosso texto sobre microscopia óptica neste link. Antes de falarmos do funcionamento, é importante ressaltar que existem dois principais tipos de ME aplicados nas ciências biológicas: o microscópio eletrônico de transmissão (MET) e o microscópio eletrônico de varredura (MEV), que serão discutidos em tópicos a seguir.

As observações em microscópios exigem uma fonte de luz para atravessar a amostra. Nos MOs, é utilizada uma fonte de luz na faixa da luz visível; já nos MEs, a fonte de iluminação é um feixe de elétrons, emitido por um filamento de tungstênio (como aqueles das lâmpadas incandescentes), que atravessa a amostra. O feixe de elétrons passa por um campo eletromagnético que é responsável por concentrar o feixe sob a amostra, imitando as lentes condensadoras de um MO. Após atravessar a amostra, o feixe de elétrons passa por mais outros campos eletromagnéticos a fim de ampliar e projetar a imagem contrastada. As áreas mais densas da amostras aparecem mais escuras, pois retêm mais elétrons.

É importante ressaltar que: (i) a análise por ME só pode ser realizada com a amostra dentro de uma câmara de vácuo, para evitar que os elétrons do feixe sejam desviados pelas moléculas que compõe o ar; e (ii) as imagens de ampliação resultantes do ME são formadas de formas distintas: no MET, a imagem é formada em uma tela de observação fluorescente, enquanto que no MEV a imagem é formada em um computador, que converte os sinais elétricos que recebem em imagens. A imagem formada, em ambos, é ajustada com a variação da intensidade das correntes elétricas que geram os campos eletromagnéticos.

Representação simplificada do funcionamento e formação de imagem em um microscópio eletrônico de transmissão (MET) (1) e em um microscópio eletrônico de varredura (MEV) (2). No MET (1), o feixe de elétrons atravessa a amostra e forma a imagem em uma tela de observação; no MEV (2), o feixe de elétrons interage com a amostra e os sinais gerados formam uma imagem no monitor. Fonte: Attias & Silva, 2010.

Diferente dos diversos tipos de microscópios ópticos, para realizar qualquer trabalho utilizando o microscópio eletrônico, é necessário que o material a ser observado esteja fixado e corado (contrastado). Os fixadores visam preservar as estruturas celulares e o mais utilizado é o glutaraldeído diluído em uma solução tampão. A coloração para a ME se resume em aumentar o contraste das amostras quando observadas. Para isso, se utilizam sais de metais pesados, como ósmio e chumbo, que irão penetrar seletivamente nas estruturas celulares e contrastar a imagem que será formada em tons que variam de preto a cinza claro.

Duas etapas essenciais para a visualização de amostras utilizando os microscópios eletrônicos são a desidratação e a inclusão. Na desidratação, a água do tecido é substituída por um solvente orgânico, como o álcool etílico, uma vez que a água que compõe os tecidos acaba se tornando um obstáculo para que o feixe de elétrons possa atravessá-los. Durante a inclusão, o solvente orgânico é substituído por uma resina, que inicialmente é líquida, mas nas condições adequadas, se endurece. Além disso, especificamente para o MET, a inclusão é necessária para que as amostras sejam cortadas em fatias ultrafinas no ultramicrótomo, facilitando a passagem do feixe de elétrons. Leia mais aqui!

Tipos de microscópios eletrônico

Microscópio Eletrônico de Transmissão

Funcionamento: Nessa técnica, a amostra precisa passar pelas três etapas finais de preparo, pois precisa apresentar uma espessura na ordem de nanômetros. Após o correto preparo da amostra, a mesma é colocada no local indicado, que é localizado entre a fonte de elétrons (responsável pela ampliação da imagem formada) e um anteparo em uma câmara a vácuo . Quando o feixe de elétrons é disparado, os elétrons atravessam a amostra, fornecendo uma imagem bidimensional. A imagem é formada em uma tela fluorescente e é transmitida a um computador acoplado.

Microscópio eletrônico de transmissão antigo instalado no Instituto de Biofísica da UFRJ. As seguintes posições se encontram indicadas por setas cinzas: filamento de tungstênio, lentes magnéticas, local da amostra e lupa para a observação direta da imagem na tela fluorescente. Fonte: Attias & Silva, 2010.

Aplicação: visualização de micro e nanoestruturas celulares, como as organelas; Utilizado para estudo de interações celulares e pesquisas nas áreas de câncer e virologia. Também bastante utilizado nas ciências dos materiais para analisar a estrutura de materiais. 

Imagem obtida através de microscopia eletrônica de transmissão (MET) com resolução de 200 nm da bactéria Bacillus subtilis. Imagem feita no Instituto Weizmann de Ciência em Rehovot, Israel, em 2006. Fonte:  Allon Weiner, Wikimedia Commons 

Microscópio Eletrônico de Varredura

Funcionamento: Aqui a amostra analisada não é atravessada pelos elétrons do feixe. Ao invés disso, uma vez que o feixe é disparado, ele incide sobre a amostra e varre a superfície ponto a ponto, gerando uma imagem tridimensional da mesma. Esse funcionamento é bem parecido com os leitores de CD e DVD. A imagem é gerada em um monitor a partir do processamento dos sinais elétricos gerados. Portanto, para uma análise utilizando o MEV, a amostra não é cortada utilizando o ultramicrótono. Para este tipo de microscopia, a amostra é apenas fixada, desidratada e revestida com um elemento condutor, como o ouro, para gerar o sinal que irá formar a imagem.

Microscópio eletrônico de varredura, computador e monitor utilizados para a visualização das imagens. Central Analítica do Instituto de Química da Universidade de São Paulo. Fonte: Central Analítica – USP

Aplicação: visualização de superfícies. Pode ser utilizado para visualização de células de mamíferos, vírus, bactérias e nanopartículas de diversas composições. Bastante utilizado nas ciências biológicas, dos materiais e físicas.

Fotomicrografia de uma célula de câncer de mama obtida através do microscópio eletrônico de varredura. Fonte: Bruce Wetzel e Harry Schaefer para National Cancer Institute (NCI)

Com este texto, encerramos nossa revisão sobre microscópios e a importância da microscopia. Ao longo de nossos dois textos discutimos as estruturas de microscópios ópticos e microscópios eletrônicos, revisando os tipos, princípios de funcionamento e aplicações.

 A Biotecnologia é bastante beneficiada tanto pela microscopia óptica quanto pela eletrônica em diversos aspectos. Por exemplo, diversas pesquisas em biotecnologia utilizam cultura celular, que é uma metodologia facilitada por microscopia óptica; além disso, pesquisas envolvendo a caracterização de novos microrganismos, como vírus e bactérias, utilizam a microscopia eletrônica. Esses são apenas alguns exemplos onde essas técnicas são aplicadas na biotecnologia, uma vez que a microscopia revolucionou e continua revolucionando as ciências todos os dias.

Além disso, destacamos a importância da invenção de ambos, microscópio óptico e microscópio eletrônica, para o avanço nos conhecimentos científicos, principalmente na área biológica. Mas é importante destacar que as técnicas de microscopia são empregadas nas mais diversas ciências. Por fim, devemos lembrar da importância da relação bidirecional entre avanços tecnológicos e avanços científicos em prol do desenvolvimento de uma sociedade com melhor qualidade de vida.

Darling
Texto revisado por Tayná Cosa e Ísis Biembengut

Cite este artigo:
LOURENÇO, D. A. Microscopia e biologia parte II: conhecendo os microscópios eletrônicos e suas aplicações. Blog do Profissão Biotec, V.8, abril/2021. Disponível em: <www.profissaobiotec.com.br/Microscopia-e-biologia-parte-II-microscopios-eletronicos-aplicacoes > . Acesso em: dd/mm/aaaa

Referências:

ATTIAS, M.; SILVA, N. C. Biologia Celular I. v.1. 4. ed. Rio de Janeiro: Fundação CECIERJ, 2010, 170 p.

DEDAVID, B. A., GOMES, C. I., MACHADO, G. Microscopia eletrônica de varredura: aplicações e preparação de amostras: materiais poliméricos, metálicos e semicondutores. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2007, 60 p.

GALLETI, S. R. Introdução a microscopia eletrônica. Biológico, 65:12, 33 – 35, 2003.

MICROSCOPIA eletrônica: varredura e transmissão – MEV e MET. Central Analítica – Instituto de Química (USP). Disponível em <http://ca.iq.usp.br/novo/paginas_view.php?dPagina=16>. Acesso em 10 de Fevereiro de 2021.

PIETZSCH, J. Life through a Lens. NobelPrize.org. Nobel Media AB 2021. Disponível em <https://www.nobelprize.org/prizes/physics/1986/perspectives/>. Acesso em 07 de Fevereiro de 2021.

QUAL a diferença entre Microscópio Ótico e Eletrônico? Plataforma de Microscopia Eletrônica. Universidade Federal Fluminense. Disponível em <http://www.meib.uff.br/?q=content/qual-diferen%C3%A7a-entre-microsc%C3%B3pio-%C3%B3tico-e-eletr%C3%B4nico>. Acesso em de Fevereiro de 2021.

REDAÇÃO Mundo Estranho. Como funciona o microscópio eletrônico? Super Interessante. Disponível em <https://super.abril.com.br/mundo-estranho/como-funciona-o-microscopio-eletronico/>. Acesso em 07 de Fevereiro de 2021.

Fonte imagem de destaque: Imagem de CDC em Unsplash.

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