Os neurotransmissores são as moléculas usadas pelo sistema nervoso para transmitir mensagens entre neurônios, ou de neurônios para outros tipos de células

Você que está lendo este texto, utiliza aplicativos de mensagens instantâneas constantemente, como o WhatsApp e o Telegram? A tecnologia de transmissão de dados é impressionante e extremamente rápida, visto que as transmissões demoram poucos milissegundos para ocorrer.

Você sabia que nosso corpo possui um sistema parecido? Os responsáveis por essa façanha são chamados de neurotransmissores, também conhecidos como mensageiros químicos do corpo. Basicamente, eles são as moléculas utilizadas pelo sistema nervoso para transmitir mensagens entre neurônios, ou de neurônios para outros tipos de células. Sem eles, provavelmente não seríamos capazes de realizar ações simples, como respirar.

História

Em 1921, Otto Loewi, farmacologista alemão, confirmou, por meio de experimentos com sistemas nervosos de sapos, que os neurônios transmitem informações pela liberação de compostos químicos. Loewi, manualmente, reduziu os níveis de batimentos cardíacos dos anfíbios por meio do controle da concentração salina presente no entorno do nervo vago.

Basicamente, em seu principal experimento, o cientista dissecou dois corações de sapo: um com o nervo vago e o outro sem. Ambos foram colocados em frascos distintos contendo solução salina . Com isso, Loewi, por meio de impulsos elétricos, fez o primeiro coração bater mais vagarosamente.

Após esse processo, o pesquisador retirou parte do líquido do primeiro coração e depositou no frasco com o outro órgão. A aplicação deste líquido fez com que o segundo coração também passasse a bater mais devagar, demonstrando  que, possivelmente, algum composto químico liberado pelo nervo vago era responsável por essa façanha.

Devido ao seu inovadorismo e sucesso, esse experimento passou a ser um ícone na área da neurociência. Ele foi o primeiro a demonstrar a liberação endógena de substâncias químicas que poderiam causar uma resposta na ausência de estimulação elétrica, fornecendo, assim, as bases para o entendimento dos eventos de sinalização elétrica e química do corpo humano.

Com isso, 15 anos depois, Loewi recebeu o Prêmio Nobel em Fisiologia ou Medicina juntamente com o Sir Henry Hallett Dale, cujo trabalho também envolvia sistemas nervosos, neurotransmissores e a descoberta da acetilcolina.

Modelo sintético de um cérebro r um neurônio
O cérebro humano é capaz de produzir cerca de 1.000 trilhões de conexões e conta com, aproximadamente, 100 bilhões de neurônios. No entanto, para manter essa máquina, 1/5 de nosso suprimento sanguíneo é utilizado. #ParaTodosVerem: na fotografia, é apresentado um molde de uma secção do cérebro em vermelho e amarelo. Mais abaixo, aparece a representação de um neurônio em branco com seus dendritos espalhados ao redor do corpo celular. Fonte: Robina Weermeijer/Pixabay

Funcionamento

Os neurotransmissores são nossos mensageiros químicos. Seu trabalho é transmitir sinais das células nervosas para as células-alvo, que podem ser músculos, glândulas ou outros nervos. Com isso, o cérebro consegue enviar informações para outras partes do corpo, o que nos permite realizar funções vitais, como respirar, circular sangue, digerir alimentos, mover músculos, entre outras.

Esse transporte de informações ocorre devido à formação das sinapses. As sinapses químicas, abordadas neste texto, são junções biológicas funcionais que se formam entre dois neurônios: o neurônio pré-sináptico, que está liberando o neurotransmissor e enviando a informação; e o neurônio pós-sináptico, que está recebendo o neurotransmissor e a informação.

Geralmente, as sinapses ocorrem entre o axônio do neurônio pré-sináptico e os dendritos dos neurônios pós-sinápticos, mas também podem ocorrer em outras configurações, como axônio-axônio e dendrito-dendrito.

Junção entre o neurônio e a fibra muscular
Os neurônios motores são fundamentais na transmissão de comandos aos músculos, órgãos e glândulas. #ParaTodosVerem: no encontramos os dendritos e o núcleo. No axônio podemos observar a bainha de mielina e o terminal do axônio ligado às fibras musculares em vermelho. Fonte: traduzido de Graphics RF/Vecteezy

Para entendermos claramente o funcionamento dos neurotransmissores, suponhamos que você esteja com sede e gostaria de beber um copo d’água. Nesse momento, seu cérebro começa a trabalhar a melhor forma de enviar esta mensagem para os músculos que atuarão no processo de pegar um copo e enchê-lo de água.

Quando um impulso nervoso é liberado por uma célula neuronal, os canais de sódio são abertos e liberam cargas positivas que induzem uma corrente elétrica pelo axônio desta célula. Esses canais de sódio são responsáveis pela geração do impulso nervoso, o que dá início ao processo de transmissão de informação entre um neurônio e outro.

Uma vez que este impulso alcança a região sináptica, milhares de pequenas vesículas são liberadas na região. É nesses pequenos “sacos” que encontramos nossos mensageiros. Eles são transportados e liberados na fenda sináptica, um espaço diminuto entre os neurônios pré- e pós-sinápticos, para que possam se conectar aos receptores presentes no neurônio que está recebendo a informação. 

Cada um desses receptores é pareado a um neurotransmissor de conexão específico, o que os faz parecer com o antigo sistema chave-fechadura utilizado para entender o processo de ligação entre uma enzima e seu substrato.

O potencial de ação é sempre uma resposta completa. Não existe potencial de ação “forte” ou “fraco”. Em vez disso, é um processo de tudo ou nada. Isso minimiza a possibilidade de perda de informações ao longo do caminho. Dessa forma, a mensagem enviada pelo seu cérebro alcança perfeitamente os músculos da sua mão, possibilitando o ato de beber água.

Após serem utilizados, a atividade dos neurotransmissores pode ser encerrada de três formas distintas: degradação, difusão e recaptação. Na degradação, uma enzima é direcionada a essas moléculas transmissoras para alterar a conformação estrutural delas, o que as impede de serem reconhecidas como neurotransmissores novamente. Na difusão, os mensageiros são simplesmente liberados fora da fenda sináptica, onde não podem exercer suas funções. Por sua vez, a recaptação permite que a molécula neurotransmissora retorne ao neurônio que a liberou, promovendo sua reutilização em uma futura transmissão de impulso.

 Representação da fenda sináptica e da transmissão de um impulso
Representação da fenda sináptica e da transmissão de um impulso. #ParaTodosVerem: no esquema ilustrativo,  é apresentado  o processo de sinapse neuronal. Os neurotransmissores estão representados por formas geométricas pequenas e, quando dentro dos neurônios, são envoltos por uma vesícula colorida em laranja. O neurônio de liberação (pré-sináptico) apresenta cor cinza, enquanto  o neurônio receptor (pós-sináptico) apresenta cor preta. No receptor, podemos encontrar os receptores específicos de cada mensageiro coloridos em cinza e contornados em laranja.  Fonte: Clker-Free-Vector-Images/Pixabay

Os mensageiros em destaque

Agora que já entendemos o funcionamento destas moléculas, vale citar alguns dos neurotransmissores que mais se destacam:

Acetilcolina: esta molécula foi o primeiro neurotransmissor descoberto. Ela foi considerada a responsável pelos batimentos do coração no experimento de Otto Loewi, citado acima. Ela atua preferencialmente nos músculos, auxiliando na tradução de impulsos em ações e movimentos, já que está presente em locais de transmissão de sinais nervosos entre neurônios e fibras musculares. Além disso, apresenta funções cerebrais, como auxiliar na memória e no direcionamento da atenção.

Molécula de acetilcolina
A acetilcolina foi o primeiro neurotransmissor descoberto. Geralmente não é utilizada como medicamento pois é decomposto muito rapidamente pelas colinesterases, mas pode ser útil em algumas aplicações oftalmológicas. #ParaTodosVerem: representação da estrutura química tridimensional da acetilcolina. Os bastões (pretos) equivalem aos átomos de carbono, as esferas brancas são os hidrogênios e as esferas azuis e vermelhas representam os átomos de nitrogênio e oxigênio, respectivamente. Fonte: Wikimedia Imagens/Pixabay

Dopamina: conhecida como o “químico do prazer”, a dopamina é liberada quando recebemos uma recompensa em resposta a algum tipo de comportamento ou ação. Esse neurotransmissor pode ser liberado após realizarmos algo que nos dá prazer, como comer. Além disso, esse neurotransmissor está envolvido com diversas outras funções, como  motivação, tomadas de decisão, movimento, atenção, memória e aprendizado.

Serotonina: assim como a dopamina, a serotonina recebeu um nome popular, sendo conhecida como o “químico calmante”. A serotonina apresenta importante função na modulação do humor. Ela atua no gerenciamento do apetite, sono e memória, e seus baixos níveis no organismo podem resultar em depressão.

Norepinefrina: também conhecida por noradrenalina, é ao mesmo tempo um neurotransmissor e um hormônio. Essa molécula está ligada a diversos estados do corpo, como humor, excitação, vigilância e estresse.

Esses são somente alguns exemplos de neurotransmissores. Podemos citar outros, como: o ácido gama-aminobutírico (GABA), Glutamato, Aspartato, Neurotensina, Melatonina e Histamina. Cada um tem uma função específica no corpo humano, e essas moléculas são de extrema importância para o funcionamento saudável do nosso organismo.

Panorama das pesquisas na área

Devido à sua diversidade de funções, os neurotransmissores ganharam destaque nos últimos anos. Áreas como a neuroquímica, neuroendocrinologia, neuroimunologia e neurofarmacologia se desenvolveram muito juntamente com a biotecnologia e as pesquisas médicas. Os estudos atuais tentam entender como os neurotransmissores podem auxiliar no tratamento de doenças, no controle e influência da fisiologia do sistema nervoso e na regulação hormonal, além de compreender as implicações para a função celular nervosa.

Entender os efeitos e os mecanismos de ação desses mensageiros é extremamente importante para se desenvolver novos fármacos. O advento da ciência genômica, sequenciamento rápido de DNA, química combinatória, ensaios baseados em células e triagem automatizada aprimoraram o processo de descoberta de moléculas. Essas técnicas, juntamente com novas revelações moleculares sobre neurotransmissores, poderão  facilitar o desenvolvimento de uma série de novos medicamentos.

Medicamentos
Os estudos sobre neurotransmissores são extremamente importantes para o desenvolvimento de novos fármacos, pois é necessário evitar efeitos colaterais que alterem drasticamente a concentração, liberação e inibição desses mensageiros. #ParaTodosVerem: a ilustração representa o desenvolvimento de fármacos e a variedade de cápsulas e comprimidos existentes. No fundo apresenta-se 3 frascos, 2 com comprimidos e 1 com uma solução injetável, e mais na direita um frasco branco deitado. Na frente exibe-se 5 tipos de comprimidos diferentes, sendo um todo branco e circular, um comprido branco e vermelho, outro vermelho e amarelo, um comprido  amarelo e, por fim, comprimidos pequenos e vermelhos dentro de uma cartela prateada.  Fonte: Graphics RF/Vecteezy

Recentemente, pesquisadores da Universidade de São Petersburgo, juntamente com colegas do Instituto Italiano di Tecnologia (Gênova, Itália) e da Universidade Estadual de Medicina do Estado de Pavlov First (São Petersburgo, Rússia), realizaram experimentos em camundongos mutantes. Eles foram capazes de mostrar que existe um novo sistema neurotransmissor no cérebro – nele, a transmissão do sinal da informação olfativa inata para as áreas “emocionais” do cérebro ocorre por meio do receptor associado à amina 5 TAAR5.

De acordo com o professor Raul Gainetdinov, essa descoberta pode resultar no desenvolvimento de moléculas farmacêuticas fundamentalmente novas que podem ser aplicadas para o tratamento da esquizofrenia, depressão, transtornos de ansiedade, vários vícios e, possivelmente, até mesmo doença de Parkinson e doença de Alzheimer.

Esse é somente um exemplo do como os neurotransmissores são importantes para o desenvolvimento da área da saúde. Ainda há uma vastidão a ser explorada e muitas  pesquisas a serem feitas sobre esses mensageiros. 

A cada dia que passa, a Ciência entende um pouquinho mais sobre o funcionamento do corpo humano. Possivelmente, nos próximos anos, novas tecnologias serão criadas e desenvolvidas para melhorar a qualidade de vida de nós, seres humanos. Com certeza, os neurotransmissores terão grande importância nesse futuro.

Texto revisado por Darling Lourenço e Elaine Latocheski

Cite este artigo:
ENRICI, A. W. Neurotransmissores: os mensageiros da vida. Revista Blog do Profissão Biotec, v.8, 2021. Disponível:<https://profissaobiotec.com.br/neurotransmissores-mensageiros-da-vida/>. Acesso em: dd/mm/aaaa.

Referências:

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CHERRY, Kendra. The Role of Neurotransmitters. Disponível em: https://www.verywellmind.com/what-is-a-neurotransmitter-2795394. Acesso em: 05/09/2021.
HYMAN, Steve E. Neurotransmitters. Disponível em: https://www.cell.com/current-biology/comments/S0960-9822(05)00208-3. Acesso em: 05/09/2021.
TECHNOLOGY NETWORKS. Researchers Discover Role in the Emotional Brain for Neurotransmitter. Disponível em: https://www.technologynetworks.com/neuroscience/news/researchers-discover-role-in-the-emotional-brain-for-neurotransmitter-331747. Acesso em: 06/09/2021.
THE UNIVERSITY OF QUEENSLAND. What are neurotransmitters? Disponível em: https://qbi.uq.edu.au/brain/brain-physiology/what-are-neurotransmitters. Acesso em: 04/09/2021.
WIKIPEDIA. Neurotransmissor. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Neurotransmissor. Acesso em 05/09/2021.
Fonte da imagem destacada: Vecteezy.

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