Você entra no consultório de um nutricionista e se queixa que não sabe como e o que comer para ter uma vida equilibrada e saudável. Analisando a situação, o profissional faz algumas perguntas e recomenda que seja feito um teste genético, que informará quais alimentos são ideais e quais devem ser eliminados da sua dieta. Parece loucura, mas essa cena, que para muitos parece ter vindo direto de um filme de ficção científica, já é possível graças aos avanços na área da Biologia Molecular e das ciências ômicas aplicadas à Nutrição.
A relação entre alimentação e doença já é descrita ao longo da história. O médico grego Hipócrates (aproximadamente 460 a.C. – 377 a.C.), conhecido como o pai da Medicina, é o autor da célebre frase: “Que seu remédio seja seu alimento, e que seu alimento seja seu remédio”. Com o avanço e melhor entendimento da ciência, houve grande interesse em entender a relação entre alimento e saúde em um nível molecular, principalmente após a conclusão do Projeto Genoma Humano e o surgimento de conceitos como Medicina personalizada.
Nutrigenética e Nutrigenômica: As ciências que estudam a relação entre alimento e saúde em um nível molecular.
O termo “Nutrigenômica” refere-se ao estudo de como os nutrientes afetam a expressão de certos genes. Já “Nutrigenética” é o estudo de como o corpo responde a certos nutrientes com base em um determinado perfil genético.
Pesquisas genômicas na área de Nutrição podem ser resumidas em cinco princípios:
- Compostos químicos presentes nos alimentos podem agir no genoma humano direta e indiretamente, alterando a expressão dos genes e/ou sua estrutura.
- Em determinadas circunstâncias, alguns alimentos podem oferecer um fator de risco a certas pessoas.
- Genes cuja expressão e controle estão ligados à dieta são genes suscetíveis. Variantes anormais deles podem interferir na incidência e progressão de doenças crônicas.
- O grau no qual a dieta pode influenciar no balanço entre saúde e doença depende do perfil genético de cada indivíduo.
- Intervenções na dieta com base no conhecimento da informação genética do indivíduo podem ser usadas para prevenir, mitigar ou até curar doenças crônicas.
As variações genéticas encontradas entre indivíduos, em grande parte, são modificações pontuais na sequência de DNA. Essas modificações são responsáveis pelas variações de fenótipos entre diferentes grupos étnicos, e suas diferentes respostas frente a um determinado alimento.
Os testes de nutrigenética têm como premissa que seu perfil genético é capaz de direcionar a escolha dos melhores alimentos para você. A promessa é que tal direcionamento seja capaz de promover saúde e prevenir o aparecimento de doenças crônicas como obesidade e diabetes.
Um exemplo de como a Nutrigenômica e a Nutrigenética vêm sendo usadas para esclarecer o papel da dieta no desenvolvimento de doenças é o caso da relação entre café e doenças do coração. Descobertas afirmam que portadores de versões do gene MTHFR, que confere um metabolismo mais lento da cafeína, têm mais probabilidade de desenvolver doenças do coração do que portadores de uma versão do gene MTHFR que garante um metabolismo acelerado da cafeína.
Pesquisadores da Universidade de Sahlgrenska na Suécia encontraram uma relação genética entre o consumo de café e doenças cardíacas.
Outro exemplo é a relação do consumo de alimentos ricos em gorduras e a interação desses alimentos com genes que predispõem ao desenvolvimento de diabetes do tipo II. Um estudo mostrou que variações pontuais em genes responsáveis pela expressão de fatores de transcrição que regulam os níveis de glicose no sangue, podem ser modulados pelo consumo de gordura na dieta.
A prática, ainda pouco difundida e de difícil acesso à maior parte da população global devido ao alto custo, já é oferecida por empresas nacionais como Progenes, uma das pioneiras na área de nutrição personalizada no Brasil. A tecnologia, no entanto, levanta questões éticas e morais como: Haveria aumento da desigualdade social decorrente de um possível favorecimento de classes economicamente mais abastadas? Seria possível validar os resultados nutrigenômicos em modelos animais não humanos?
Apesar da controvérsia, a Nutrigenômica e a Nutrigenética oferecem grandes oportunidades para o futuro da medicina personalizada, já que avanços tecnológicos têm permitido a identificação de novas modificações pontuais no DNA e suas correlações com a nutrição. Entretanto, mais estudos na área e maior divulgação são necessários para que tal prática torne-se comum na rotina clínica, abrindo espaço para um novo campo de atuação da Biotecnologia.
Se você se interessa pelo assunto, ou acredita que a Biotecnologia vai transformar a maneira como as pessoas interagem com os alimentos e planejam dietas, deixe seu comentário e compartilhe com a gente a sua opinião!
Glossário:
MTHFR: Methylenetetrahydrofolate reductase.
Referências
CORNELIS, M. C.; EL-SOHEMY, A. Coffee , caffeine , and coronary heart disease. p. 13–19, 2007.
COSTA, V.; CASAMASSIMI, A.; CICCODICOLA, A. Nutritional genomics era : opportunities toward a genome-tailored nutritional regimen The Journal of Nutritional Biochemistry, v. 21, n. 6, p. 457–467, 2010.
FENECH, M. Genome health nutrigenomics and nutrigenetics – diagnosis and nutritional treatment of genome damage on an individual basis. v. 46, p. 1365–1370, 2008.
FENECH, M.; LEAH, E.; FERGUSON, L. R. Nutrigenetics and Nutrigenomics : Viewpoints on the Current Status and Applications in Nutrition Research and Practice. v. 5000, p. 69–89, 2011.
GABOON, N. E. A. Nutritional genomics and personalized diet. Egyptian Journal of Medical Human Genetics, v. 12, n. 1, p. 1–7, 2011.
PANEPISTĒMIO,. et al. The methylenetetrahydrofolate reductase C677T polymorphism is a major determinant of coffee-induced increase of plasma homocysteine: A randomized placebo controlled study. International Journal of Molecular Medicine, v. 13, n. 6, p. 811–815, 1 jun. 2004.
PAVLIDIS, C.; PATRINOS, G. P.; KATSILA, T. Applied & Translational Genomics Nutrigenomics : A controversy. ATG, v. 4, p. 50–53, 2015.
PROGENES. Progenesmacro. Disponível em: <http://progenes.web7695.kinghost.net/progenes-macro>. Acesso em: 20 fev. 2018.
RUCHAT, S.-M. et al. Evidence of interaction between type 2 diabetes susceptibility genes and dietary fat intake for adiposity and glucose homeostasis-related phenotypes. Journal of nutrigenetics and nutrigenomics, v. 2, n. 4–5, p. 225–34, 2009.