Há 3,5 bilhões de anos, em um planeta ainda tão inóspito, sem oxigênio e condições ambientais extremas, os microrganismos, em suas formas de vida mais primitiva, já habitavam nosso planeta. Esses seres invisíveis a olho nu estão por toda parte, são capazes de viverem em diferentes condições, resistindo a ambientes inimagináveis para o ser humano e desempenhando funções surpreendentes.
Não precisamos ir muito longe para ter noção da quantidade de microrganismos que nos cercam. Por exemplo, o corpo humano possui cerca de 10 trilhões de células e é quase um paraíso de umidade e nutrientes abrigando em média 100 trilhões de bactérias. E nossos queridinhos e inseparáveis aparelhos celulares? Ahhh…Vivem neles mais de 23 mil microrganismos. Os números são impressionantes, assim como a adaptabilidade e sobrevivência desses organismos microscópicos.
Confira agora 5 habitats peculiares desses seres vivos.
Nuvens
Os microrganismos sobrevivem e se multiplicam em nuvens?? Sim, meu caro leitor, e agora mesmo na sua cidade pode estar chovendo bactérias! Surpreendente, não?! Pesquisas de um grupo de cientistas austríacos da Universidade de Innsbruck, em cooperação com a Universidade Tecnológica de Viena, mostram que as bactérias presentes em gotículas de nuvens, recolhidas em grandes altitudes, crescem e reproduzem ativamente a temperaturas iguais ou inferiores a 0 °C. Os pesquisadores relataram também que em cada mililitro de água continha cerca de 1.500 bactérias.
Essas bactérias são capazes de se propagar em elevadas altitudes, caracterizadas por um ambiente de temperatura abaixo de zero, susceptível à radiação ultravioleta e limitação de nutrientes. Ainda sim, essas bactérias produzem uma gama de metabólitos secundários. Vocês devem estar se perguntando agora, qual o papel delas dentro das nuvens? Elas desempenham importante função: esses microrganismos atuam como núcleos de condensação, ou seja, as bactérias se comportam como uma superfície para que o vapor d’água possa se condensar ou se congelar, e assim, ajudando na formação das nuvens e chuvas. Sem esses núcleos de condensação, os cristais de gelo só se formariam espontaneamente em temperaturas abaixo de -40°C.
Baixas temperaturas
Em temperaturas extremamente baixas, impossíveis para a sobrevivência do ser humano, os microrganismos também se adaptaram e evoluíram para tornar esse tipo de habitat seu lar. O Lago Vostok, reservatório de água subterrânea na Antártida, abriga microrganismos a 4000 metros abaixo da superfície, uma camada de gelo. Além da alta profundidade em que vivem, esses organismos também estão em uma região sob pressão intensa e praticamente nenhuma luz, que já registrou temperatura de -89,2 °C.
Além do Lago Vostok, outro local onde bactérias vivem em condições extremas na Antártica é no Lago Vida, sob 20 metros de gelo, onde os ecossistemas bacterianos encontrados estiveram isolados de qualquer influência externa por quase 3 mil anos. Neste lago, os microrganismos sobrevivem à temperaturas inferiores a -13 °C, concentrações elevadas de substâncias tóxicas, como amoníaco, nitrogênio, hidrogênio, enxofre e óxido nitroso, e sob taxa de salinidade superior a 20% e na ausência de luz. Inacreditável encontrar formas de vida nesses locais, não é?!
Altas temperaturas
Você consegue imaginar algum ser vivo capaz de sobreviver em ambientes de temperatura extrema e muito ácido/básico?! Bem, alguns microrganismos parecem gostar dessa mistura! Esse lugar existe e está localizado em uma das regiões vulcânicas mais ativas do mundo, a Península de Kamchatka. Suas águas podem ser bastante salgadas e pouco oxigenadas – mas isso não impede que bactérias termófilas como a Desulfurella acetivorans, que de vivem em temperatura de 58 °C, ou mesmo a Acidilobus aceticus, encontrada em uma fonte extremamente ácida com temperatura média da água de 92 °C, de se propagarem.
Os estudos mostram que os microrganismos que vivem nesses locais apresentam mecanismos evolutivos que permitem a sua sobrevivência, a citar: membrana plasmática com ligações mais robusta, moléculas que protegem outras proteínas dos efeitos do calor e íons no interior das proteínas que as deixam mais estáveis.
Estrutura interna da Terra
Agora imagine viver abaixo dos oceanos, entre a crosta terrestre e o núcleo da Terra, nas profundezas do planeta, seria a vida possível? Acredite, há vida nesse ambiente e não é pouca! Descobertas recentes mostram que existe um enorme ecossistema subterrâneo formado por microrganismos em uma quantidade maior e mais diversificada que a Amazônia ou as Ilhas Galápagos, equivalente a centenas de vezes o peso combinado de todos os seres do planeta.
Os estudos estimam que há entre 15 e 23 bilhões de toneladas desses organismos praticamente desconhecidos pela ciência, e representam 70% de todas as bactérias e arqueas existentes na Terra. Eles vivem em condições adversas, como altas temperaturas, ausência de luz solar, grande pressão, limitação de nutrição. E o mais incrível é que alguns organismos estão vivos há milhares de anos.
Ser humano
O corpo humano com toda umidade, nutrientes disponíveis e metabólitos excretados é um grande atrativo aos microrganismos. E não é por acaso que em relação ao número de células dita anteriormente, é possível dizer que somos 90% microrganismos e apenas 10% humanos. Essa microbiota está presente em diversos órgãos (trato gastrointestinal, trato respiratório, olhos, pele, etc). No entanto, é no trato gastrointestinal que se verifica a maior parte da colonização microbiana (cerca de 70%).
Essa microbiota gastrointestinal é essencial para a saúde pois garantem proteção contra microrganismos causadores de doenças. Estudos demonstram que a microbiota gastrointestinal influência na maneira como cada indivíduo responde a dietas para perder peso e ainda afetam humor e o estresse (mais informações aqui neste texto do PB).
Todo esse conhecimento avançado sobre o extraordinário universo dos microrganismos beneficia diversas áreas do saber e desperta interesse do mercado, sendo utilizado em uma variedade de processos industriais. Tem-se como exemplo as extremozimas (enzimas de organismos extremófilos) utilizadas em testes envolvendo DNA (enzima-replicante polimerase), beneficiamento do amido e ainda, na produção de papel e produtos de limpeza. Ademais, os estudos permitem entender as origens da vida primitiva na Terra e avançar em pesquisas sobre vida em outros planetas.
Gostou de saber sobre esses microrganismos fantásticos e onde habitam? Deixe aqui seu comentário e compartilhe com seus amigos!
Referências
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