A utilização de sinergismo para aprimoramento de antibióticos pode ser uma alternativa de tratamento contra bactérias resistentes.

Um dos desenhos clássicos de luta que sempre fez a alegria da garotada foi Dragon Ball que conta a história do super herói Goku que luta contra as forças do mal para proteger o planeta azul. Escrito por Akira Toriyama, Dragon Ball foi e é um presente na vida de muitas crianças (inclusive na minha haha).

Dentre as sagas que contam a história de Goku, nos deparamos com a aventura na qual ele precisa salvar a Terra da grande ameaça de Majin Boo, um ser conjurado pelo mago Bibidi que queria dominar o mundo. Nosso herói tenta várias alternativas para derrotar esse ser maligno. É nesse contexto que Goku e Vegeta (seu arqui-inimigo/best friend) decidem realizar a fusão, tornando-se um único, maior e mais forte, guerreiro a fim de derrotar Majin Boo, sendo essa uma das lutas mais épicas protagonizadas por esses dois. 

Mas o que será que toda essa história tem haver com biotecnologia? Acredite ou não, tem a haver e muito, mas na biotecnologia a fusão é conhecida como sinergismo.

O Inimigo Imortal!

Assim como Majin Boo e Bibidi, as bactérias tentam tomar o controle do corpo do paciente a todo o tempo, especialmente quando são resistentes. Segundo  a OMS (Organização Mundial da Saúde) essa resistência bacteriana apresenta uma ameaça significativa para as próximas gerações e por isso, há urgência em achar novas alternativas para o tratamento dessas doenças. 

Uma dessas alternativas é a utilização de peptídeos antimicrobianos (PAM) que tem sido muito explorada devido às suas características físico-químicas, diversidade estrutural e amplo espectro antibacteriano, bem como sua disponibilidade na natureza. No entanto, a rápida habilidade de desenvolvimento e evolução bacteriana tem sido uma limitação para o tratamento com PAMs. 

Alguns testes já demonstram esse caráter de resistência contra certos PAMs, isso ocorre pois as bactérias desenvolvem mecanismos para driblar a ação destrutiva deles. Por exemplo, PAMs carregados positivamente, irão interagir com bactérias que possuem sua membrana celular carregada negativamente (também chamadas de Gram-negativas). Iniciando com a interação eletrostática gerada entre eles, um dos mecanismos de resistência que as bactérias apresentam é o desenvolvimento de alterações em sua membrana celular para inibir a ação do PAM, evitando assim sua morte.

O bombeamento de PAMs/antibióticos para fora da célula, a inibição da atividade dos PAMs/antibióticos através do mecanismos de clivagem (corte), e um eficaz mecanismo de restauração da membrana celular, caso seja danificada, também são mecanismos de resistência e defesa que as bactérias possuem. A exemplo das bactérias gram-negativas como Salmonella typhimurium (causadora da febre tifoide) e Pseudomonas aeruginosa (responsável por infecções respiratórias), que podem modificar sua membrana celular deixando ela menos negativa e, assim, reduzindo a  interação eletrostática entre as bactérias e os PAMs. É nesse contexto que a exploração do sinergismo entre PAMs e antibióticos se torna uma esperança para o tratamento e aniquilação dessas cepas bacterianas.

Mecanismos de resistência mais comumente relatados em bactérias resistentes
Mecanismos de resistência mais comumente relatados em bactérias resistentes. #ParaTodosVerem:  (i) a atuação das enzimas β-lactamases para a hidrólise do anel β-lactâmico de antibióticos, (ii) a alteração do alvo por meio de mutações em genes específicos, (iii) formação de biofilme, (iv) a inibição da ação antibiótica através de enzimas inibidoras, (v) superexpressão de bombas de efluxo, bem como (vi) modificações nas propriedades físico-químicas da superfície celular, impedindo a entrada dos antibióticos. Fonte: A autora.

Os PAMs chegam ao Campo de Batalha! 

O processo de fusão entre PAMs+PAMs, PAMs+antibióticos e PAMs+outras moléculas é conhecido como sinergismo. A utilização de PAMs em conjunto com outros antimicrobianos ajuda a diminuir o risco de desenvolvimento de mecanismos de resistência das bactérias. Já foi sugerido por pesquisas prévias, que as bactérias não conseguiriam desenvolver estratégias de resistência contra um coquetel (PAM+PAM/ PAM+antibiótico) em comparação com apenas a utilização de um PAM.

Pesquisadores já realizaram o sinergismo entre PAMs, ao combinarem peptídeos de abelhas, abecin e hymenopatecina. Dessa fusão o hymenopatecina induziu a formação de poros na membrana bacteriana, a “lise” (rasgo) da membrana celular bacteriana, e habilitou assim a entrada do abecin dentro da bactéria. Uma vez dentro, o abecin pode danificar mecanismos primordiais para a sobrevivência da bactéria, portanto esses dois PAMs atuaram em conjunto para a aniquilação da infecção bacteriana. É possível realizar combinação com três PAMs para gerar um efeito ainda  maior de sinergismo. A exemplo do sinergismo entre o PAMs de mamífero (protegrin1 + indolicidin LL-37 + bacteracin) para o tratamento de infecções causadas por cepas de gram-negativas de Pseudomonas aeruginosaEscherichia coli.

Já o sinergismo entre PAMs + antibiótico pode ser vantajoso, uma vez que os PAMs podem auxiliar os antibióticos em suas limitações. Podendo manter a membrana em aberto, para que o antibiótico possa chegar ao interior da bactéria prejudicando assim seu metabolismo. O PAM LL 17-29 (fragmento do LL 37), por exemplo,  estabelece um sinergismo com o antibiótico cloranfenicol (utilizado para tratamento de meningite) essa fusão apresentou atividade contra cepas resistentes e de alto contágio de Staphylococcus aureus e Pseudomonas aeruginosa.

Outras moléculas podem ser utilizadas também, a exemplo das histonas, que são proteínas responsáveis por organizar a fita de DNA em seus níveis de condensação. Descobriu-se que elas possuem propriedades antimicrobianas, apesar de não se entender como isso funciona. Foi realizado o sinergismo de histonas conhecidas como H2A+PAM LL-37 e H3+PAM magainin-2 contra bactérias gram-negativas. Os PAMs rompem a membrana bacteriana,e dessa forma, as histonas acessam seu interior causando alterações na síntese de DNA bacteriano até levá-las à morte.

Em resumo, o alvo dessas diversas combinações é a membrana bacteriana, e as combinações com PAMs auxiliam nesse processo de manter os poros da membrana abertos por longos período de tempo, evitando assim a reparação da bactéria, ocasionando uma perturbação intra-bacteriana que leva  a sua morte.

Processo de fusão entre PAM+Antibiótico para combate contra bactérias resistentes.
Processo de fusão entre PAM+Antibiótico para combate contra bactérias resistentes. #ParaTodosVerem: Estrutura tridimensional (PDB: 6CSK) de PAM em verde em processo de fusão com ilustração de antibiótico em rosa e branco. Após o sinergismo dos dois PAM está ilustrado em rosa+verde+branco pronto para combater bactérias resistentes ao estourar sua membrana celular, ilustrado pelas bactérias explodindo em vermelho. Fonte: A autora.

A derrota das Bacs

A longa luta entre antibióticos e bactérias resistentes ganhou mais um reforço. O sinergismo pode ser uma alternativa para superar as limitações dos antibióticos disponíveis atualmente, evitando a alta toxicidade e aumentando a eficácia antibacteriana. Embora, diversos estudos sejam feitos para a utilização de PAMs nessa fusão, eles ainda não são efetivamente comercializados com esse propósito.

A maioria dos PAMs disponíveis no mercado atualmente são para tratamentos de infecções diretas, mas também podem ser utilizados em combinação com outros tipos. Dentre eles a Daptomicina (CUBICIN)  um antibiótico a base de um lipopeptídeo que é utilizado contra infecções provenientes de ferimentos e lesões cutâneas, causadas por bactérias Gram-positivas como a Staphylococcus aureus resistente à meticilina (MRSA). A polimixina B (sulfato de polimixina e Colistina) é outro exemplo de medicamento disponível que pode ser combinado com antibióticos como rifampicina para aumentar a eficácia no tratamento de infecções resistentes causadas por bactérias Gram-negativas. Quanto ao tratamento de infecções cutâneas e de mucosas, a Gramicidina (​Omcilon-A M) é utilizada em combinação com a neomicina a fim de ampliar o espectro de ação no tratamento.

Dessa forma, mais estudos são encorajados para que seja possível entender como esses complexos atuam e como explorar seu potencial no desenvolvimento de novos antibióticos.

Referências

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Fonte da imagem destacada: Unsplash.

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