De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS) (2019), as doenças crônicas não transmissíveis abrangem 7 das 10 principais causas de morte no mundo. Essas doenças costumam ser chamadas de silenciosas porque passam despercebidas e geralmente possuem um diagnóstico tardio. Podemos citar a diabetes, doenças cardiovasculares ou a doença pulmonar obstrutiva como alguns exemplos.
Ao fazer o recorte das 10 principais causas de morte em países em desenvolvimento, doenças infecciosas como tuberculose, malária e HIV/AIDS aparecem na lista. Apesar do Brasil ter se integrado ao grupo dos países desenvolvidos, essa mudança levou em consideração apenas os fatores econômicos. Com isso, continuamos lidando com os problemas característicos de regiões em desenvolvimento.
Apesar da redução da mortalidade no mundo de forma considerável nos últimos 20 anos – principalmente nos países em desenvolvimento, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU) continuam estabelecendo metas para melhorar o cenário da saúde mundial. Atingir esses objetivos não é algo fácil e envolve a atuação de grandes organizações, assim como pequenas contribuições individuais como aderir à vacinação e não deixar água parada (xô, dengue!).
Veremos como a biotecnologia pode contribuir para melhorar esse cenário e atingir as metas propostas pelo ODS 3 de saúde e bem-estar.
O que é o ODS 3?
A Organização das Nações Unidas (ONU) estabeleceu o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 3 visando assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todos, em todas as idades. Mesmo com a agenda mundial da ONU, países em desenvolvimento – como o Brasil -, possuem suas particularidades e precisam de objetivos locais.
Formas simples nas quais podemos contribuir para atingir as metas do ODS 3 vão desde fazer atividades físicas até ingerir alimentos saudáveis – evitando assim doenças cardiovasculares e diabetes.
Quais as metas do ODS 3 que a biotecnologia pode ajudar?
O objetivo de desenvolvimento sustentável 3 estipula 13 diferentes metas a serem atingidas pelos países membros das Nações Unidas, incluindo o Brasil. Neste texto, vamos discutir como a Biotecnologia colabora para o cumprimento de algumas dessas metas, dentre elas:
- Acabar com as epidemias de AIDS, tuberculose, malária, doenças tropicais negligenciadas (…) – as chamadas doenças negligenciadas. Para o Brasil, enfatiza-se o combate às arboviroses transmitidas pelo Aedes aegypti.
- Apoiar a pesquisa e o desenvolvimento de vacinas e medicamentos (…).
4 aplicações da Biotecnologia que contribuem com a saúde e o Bem-Estar
1 – Biotecnologia no combate a arboviroses
As doenças tropicais consideradas endêmicas ocorrem em populações vulneráveis de regiões específicas da África, Ásia e América Latina, e são chamadas de doenças negligenciadas. Dentre elas podemos citar a doença de Chagas, leishmaniose visceral, esquistossomose e outras. Doenças como dengue, zika, chikungunya e febre de Mayaro são chamadas de arboviroses e transmitidas pela picada de artrópodes infectados com o vírus, como o Aedes aegypti.
No ano de 2020 foram notificados cerca de 980 mil casos de dengue no Brasil e 541 óbitos, vale dizer que esses números podem ser inferiores aos reais devido a subnotificação. Cerca de 57% dos óbitos confirmados foram pessoas acima de 60 anos. A região centro-oeste costuma ser a mais afetada do país durante os primeiros 6 meses do ano (nos quais há a maior taxa de incidência), seguida pelas regiões sul e sudeste.
Como as arboviroses são transmitidas aos humanos através de artrópodes, não podemos simplesmente acabar com todos os artrópodes para erradicar essas doenças. Isso causaria um enorme desequilíbrio no ecossistema. Uma estratégia possível é tentar realizar o controle vetorial, isto é, não deixar que haja uma população excessiva de artrópodes transmitindo a doença. Além disso, podemos investir em possibilidades melhores de tratamento e prevenção, evitando possíveis mortes.
Em 2020, a Prefeitura de Belo Horizonte (Minas Gerais) adotou o Método Wolbachia no combate às arboviroses transmitidas pelo Aedes aegypti. Esse método é conduzido em parceria com a Fiocruz, Ministério da Saúde e o World Mosquito Program (WMP), sendo uma forma de controle biológico que já estava sendo utilizado em Niterói (Rio de Janeiro). Esse método consiste na introdução da bactéria do gênero Wolbachia nas células do Aedes aegypti impedindo que ele seja capaz de transmitir os vírus da dengue, zika e Chikungunya.
O primeiro país que adotou esse método foi a Austrália, em 2011, e hoje já é utilizado em 11 países. A bactéria do gênero Wolbachia é encontrada em 60% dos artrópodes presentes na natureza, mas, até então, não havia sido encontrada nos Aedes. Após a inserção da bactéria nesses mosquitos, eles são liberados na natureza para que se reproduzam com os mosquitos selvagens, gerando uma nova população que já possui a bactéria e não transmite às arboviroses citadas. Um método comprovadamente seguro, sustentável e que não necessita de modificações genéticas.
2 – Biofármacos
Os biofármacos são medicamentos produzidos através da biossíntese em organismos vivos e, em geral, são proteínas terapêuticas produzidas através da engenharia genética. Proteínas, como a insulina humana, podem ser produzidas em bactérias, purificadas, e administradas em pacientes para tratar diabetes. Já os fármacos sintéticos são medicamentos produzidos a partir da síntese química. Agora que estabelecemos essa diferença, afinal, qual o grande diferencial dos biofármacos?
A alta afinidade por moléculas ou células específicas reduz os efeitos colaterais quando comparado ao uso de medicamentos sintéticos convencionais. Essa especificidade permite o desenvolvimento de novos tratamentos para cânceres, doenças autoimunes, doenças raras, entre outras. Em contrapartida, são moléculas mais complexas e por isso possuem uma maior probabilidade de estimular a resposta imune do nosso organismo, inativando o medicamento.
3 – Desenvolvimento de novas vacinas
Diferentes produtos são classificados como biofármacos e os mais famosos atualmente talvez sejam as vacinas. O uso da tecnologia do DNA recombinante permite produzir proteínas de microrganismos patogênicos em grandes quantidades, ao purificá-las, é possível desenvolver as vacinas de subunidade. Esse tipo de vacina induz a resposta imunológica em nosso organismo ao injetar proteínas – ou “pedaços” delas – junto de um composto que aumenta a resposta imune, conhecido como adjuvante. Em 2015, a primeira vacina contra a malária foi licenciada sob o nome comercial “Mosquirix”, uma vacina de subunidade na fase III da pesquisa clínica.
Além das vacinas de subunidade, a biotecnologia contribui para o desenvolvimento de diferentes tecnologias para produção de vacinas como a de RNA mensageiro, de vírus inativados ou atenuados, entre outras. Novos métodos serão desenvolvidos no futuro, todos com o auxílio da biotecnologia.
4 – Anticorpos monoclonais
Os anticorpos são moléculas produzidas pelo sistema imune capazes de reconhecer os “antígenos” – partículas estranhas ao nosso organismo. Eles podem ser divididos em dois grupos: os anticorpos policlonais (um grupo que reconhece diferentes partes de um antígeno) ou monoclonais (um grupo que reconhece apenas uma única parte do antígeno).. Esse grupo de biofármacos é utilizado em terapias contra câncer, e diferentes doenças, além do seu uso no transplante de órgãos.
Sem contar as vacinas, os anticorpos monoclonais são responsáveis por cerca de 66% do lucro gerado por biofármacos. Em português, esses medicamentos possuem o sufixo “mabe”, com origem do inglês “mab (Monoclonal Antibodies)”. Alguns exemplos de anticorpos monoclonais comercializados no Brasil são os antineoplásicos Cetuximabe e Nimotuzumabe que reconhecem o antígeno EGFR presente em células da pele e em alguns tipos de células cancerígenas.
De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (IPEA, 2018), o mercado brasileiro de biofármacos é majoritariamente dominado por produtos importados. Como esses medicamentos possuem um alto custo, a atual estratégia no Brasil é o investimento em pesquisa, desenvolvimento e inovação de produtos nacionais biossimilares visando diminuir a dependência do mercado exterior.
BIO é vida e o ODS 3 também
Para atingir as metas propostas pelo ODS 3 o Brasil vem realizando e ampliando um excelente trabalho no combate às arboviroses. Institutos de pesquisa como a Fiocruz, CNPEM, e as universidades espalhadas pelo Brasil atuam conjuntamente na vigilância epidemiológica, no desenvolvimento de novas tecnologias para o combate às doenças negligenciadas e na formulação de políticas públicas para reduzir sua transmissão no país. Inclusive, há uma vacina contra a dengue em desenvolvimento no Instituto Butantan, a Butantan-DV.
No Brasil, a produção de vacinas e/ou biofármacos conta com a atuação de Instituto de Tecnologia em imunobiológicos (Bio-manguinhos), o Instituto Butantan, o Instituto de Tecnologia do Paraná (Tecpar), além de empresas brasileiras como a Libbs Farmacêutica e a Cristália. Cinco vacinas brasileiras estão sendo desenvolvidas para atuar no combate à covid-19: a butanvac (Butantan), Versamune (USP), a Spintec (UFMG), uma vacina em desenvolvimento na UFRJ e outra na UFPR. Você pode saber mais sobre os serviços biotecnológicos disponíveis no SUS aqui.
A biotecnologia possui um papel crucial em nossa saúde, da prevenção com vacinas ao tratamento com proteínas terapêuticas, e possivelmente, a cura de determinadas doenças como o câncer. Portanto, é inegável que atingir os ODS, cumprir as metas nacionais e mundiais só será possível se a biotecnologia estiver no centro desse debate.
Cite este artigo:
SILVA, M. C. ODS 3: Saúde e Bem-Estar através da Biotecnologia. Revista Blog do Profissão Biotec, v. 8, 2021. Disponível em: <https://profissaobiotec.com.br/ods3-saude-bem-estar-atraves-da-biotecnolgoia/>. Acesso em: dd/mm/aaaa.