Que tal um óleo de soja mais saudável? Um exemplo recente do “melhoramento convencional”. Pesquisadores americanos desenvolveram uma soja que produz óleo mais saudável sem transgenia. Conheça um pouco mais sobre esse produto da engenharia genética.

Um exemplo recente do “melhoramento convencional”

O melhoramento genético é uma realidade que está na história da humanidade há milhares de anos. Desde que a espécie humana começou a domesticar plantas, implementamos o sistema de seleção de variedades a fim de reproduzir as características mais desejáveis, o que na prática era uma forma de melhoramento genético por meio da seleção de genes de interesse.

Lavoura de soja em grandes hectares. Fonte: Pixabay.

Quando introduzimos nas lavouras a transgenia, na década de 90, estávamos na verdade realizando uma revolução na agricultura e início de uma nova era. Muitas barreiras do melhoramento convencional foram superadas, tornando possível a introdução de genes de outras espécies nos vegetais, seja de outras plantas ou até mesmo de micro-organismos. As novas variantes foram então comercializadas com benefícios como resistência a pragas e herbicidas, maior durabilidade e produção de compostos com foco para saúde.

É importante frisar que existe uma diferença entre OGM e transgênico. OGM significa Organismo Geneticamente Modificado, que pode ter passado por vários tipos de edição genética artificial. O transgênico é o organismo cujo DNA foi alterado especificamente pela introdução de gene de uma espécie diferente. Assim, todo transgênico é um OGM, mas nem todo OGM é um transgênico.

A soja como é hoje

A soja é uma das bases da alimentação mundial. Fonte: Freepik.

A soja é uma dos principais vegetais consumidos ao redor do mundo. Está presente em muitos produtos, mas se destaca principalmente pelo uso em ração animal, por ser rica em proteínas, e no popular óleo de cozinha. O brasil é um dos principais produtores mundiais de soja, ficando atrás apenas do EUA. 

A história da soja transgênica no país se inicia em 1996, após sementes da variedade entrarem em solo nacional por contrabando vindo da Argentina – que, diga-se de passagem, estava adiantada ao Brasil com relação à plantação do transgênico. Dois anos depois, a quase que recém criada CTNBio aprovou o OGM e o cultivo se alastrou entre os produtores brasileiros.

A soja virou um dos carros-chefes na agricultura brasileira. Concomitantemente com o aumento na produção nacional de soja, a indústria de carnes também cresceu consideravelmente, acompanhando a tendência da produção do grão – o que demonstra a importância dessa oleaginosa também no setor pecuário.

Os transgênicos

Hoje a maior parte dos plantios ao redor do mundo são de transgênicos. No Brasil, por exemplo, mais de 90% da soja plantada é transgênica. A variante mais conhecida e plantada é a que confere resistência ao herbicida glifosato. As culturas de milho e algodão também são campeãs nesse quesito, com mais de 70 e 80%, respectivamente, de variantes transgênicas na produção nacional.

As três principais culturas de transgênicos no Brasil. Fonte: CIB.

A adoção mundial aos transgênicos, no entanto, passa por algumas controvérsias. Uma parte da população acredita que haja efeitos não conhecidos em decorrência do consumo de transgênicos – apesar de haver centenas de pesquisas que comprovam a sua segurança.  

Relatórios de comissões europeias reforçam que não há riscos maiores no consumo de transgênicos se comparado ao consumo de plantas convencionais. Um estudo norte-americano publicado na revista Journal of Animal Science acompanhou a alimentação animal por quase 30 anos para comparar os efeitos do consumo de transgênicos e convencionais, e não houve diferença significativa no número de reações alérgicas ou doenças após alimentação prolongada pelas variantes GM.  Ainda assim, dados sem embasamento científico contrários aos OGMs são muitas vezes divulgados e rapidamente adotados pela população.

Entre tantos pormenores, existe uma crítica fundamentada na realidade atual da indústria dos transgênicos: a tecnologia é monopolizada. A transgenia não apresenta muita acessibilidade metodológica pelo alto custo, além de demandar uma estrutura complexa para o desenvolvimento e regulamentação.

Dessa forma, entre opiniões, fatos e questionamentos, cria-se um “ambiente inóspito” que direciona alguns países – com destaque para o continente europeu – a adotarem políticas bastante restritivas ao cultivo de OGMs transgênicos. Consumidores também acabam processando de forma negativa muitas informações, levando a um considerável nível de rejeição. Uma pesquisa IBOPE de 2001 mostrou que mais de 70% dos entrevistados escolheriam não consumir alimentos transgênicos se pudessem optar.

TIMP (Tecnologias Inovadoras de Melhoramento de Precisão)

Em contrapartida, outras formas de melhoramento genético, como o melhoramento convencional já bem conhecido pelos agricultores, possuem uma adoção quase irrestrita ao redor do mundo, e continuam a serem desenvolvidas e estarem em atualização. Qual a principal vantagem? Maior acessibilidade à tecnologia.

As formas de melhoramento de precisão ganham força pois surgem como uma alternativa à transgenia. Em melhoramentos genéticos de precisão, podem ser realizadas modificações no DNA das plantas sem adição de genes alheios. O que se faz em geral é estudar possíveis mutações para induzir características benéficas – ou diminuir as ruins. Exemplos de abordagens desse tipo podem ser mutações pontuais em sequências, silenciamento de genes com RNA ou, mais recentemente, utilização da tecnologia CRISPR para criar combinações gênicas com alta especificidade.

Novas técnicas de edição genética no melhoramento de plantas. Fonte: Freepik.

Dentre outros pontos positivos que podem ser citados, o mais atrativo de fato é a economia de tempo e dinheiro. Uma planta transgênica pode levar 12 anos para ser desenvolvida. São anos de pesquisa, seleção, controle de qualidade, monitoramento dos cultivos e, claro, adequações legais e testes de biossegurança. 

Ao se utilizar outras ferramentas de edição genética, mesmo que ainda mantendo controle rigoroso do processo, o tempo para liberação do produto pode ser reduzido para cerca de 5 anos. Como nesses casos não há introdução de genes externos, apenas mutações dentro do próprio genoma, as edições genéticas podem ser tratadas como “melhoramento convencional”. Isso porque entende-se que tais modificações poderiam ocorrer naturalmente, e no caso, estamos apenas controlando e dirigindo as possibilidades.

As novas ferramentas de edição genética são coletivamente chamadas de TIMP (Técnicas Inovadoras de Melhoramento de Precisão). Essas ferramentas conseguem editar o DNA de várias formas que não necessariamente exigem a inserção de um gene de outra espécie no genoma da planta. Com essas tecnologias é possível, inclusive, inibir características de um vegetal sem causar qualquer modificação no seu genoma propriamente.

No Brasil, a CTNBio avalia cada caso para decidir se o organismo resultante da engenharia genética será considerado um OGM ou não. A edição genética pode resultar em custos até 90% menores se comparado a outras técnicas de biotecnologia como a transgenia. Esses fatores podem tornar mais atrativo e acessível o desenvolvimento de novos produtos agrícolas.

A soja mais saudável

A nova soja editada geneticamente apresenta maior proporção de ácidos graxos monoinsaturados e, consequentemente, mais benéficos para a saúde. A oleaginosa apresenta 80% de composição lipídica em monoinsaturados. O constituinte aumentado na soja foi o ácido oleico (ômega-9). 

O resultado obtido conseguiu ser semelhante o teor de ácido oleico do azeite de oliva, que é referência quanto a presença desse lipídio. Na soja tradicional, apenas cerca de  35% dos lipídeos são monoinsaturados, enquanto que nos óleos nobres de canola e oliva essa porcentagem é consideravelmente maior, cerca de 60% e 80%, respectivamente.

O óleo de soja pode ter mais ácido oleico que azeite de oliva. Fonte: Freepik.

Existem 3 tipos de ácidos graxos presentes nos óleos e gorduras: saturados, monoinsaturados e poli-insaturados. O tipo mais prejudicial é o saturado, presente principalmente nas gorduras de origem animal, responsável por aumentar os níveis de colesterol ruim (LDL). Os ácidos graxos monoinsaturados são mais benéficos para a alimentação, pois reduzem o colesterol ruim e mantém os níveis de colesterol bom (HDL).

A soja modificada apresentou ainda menores índices de gorduras saturadas e também maior vida útil, característica que é influenciada, dentre outros fatores, pela composição lipídica. A empresa responsável pelo produto afirma não haver alterações para o consumidor quanto às características organolépticas, como gosto e cor.

A variedade com edição genética foi desenvolvida nos EUA em 2015 e agora está em produção por agricultores no estado de Minnesota. O órgão americano responsável pela aprovação decidiu que o produto deveria ser avaliado como um melhoramento convencional. A tecnologia utilizada, denominada TALEN,  do inglês Transcription Activator-Like Effector Nuclease, funciona basicamente como tesouras capazes de cortar o DNA em sequências específicas. 

Esse é um exemplo de sucesso dentre vários de engenharia genética que apresentou um foco um pouco fora da tendência na biotecnologia agrária, pois em geral se desenvolve novas variedades pensando em ganhos na produção e rendimento. Aqui o intuito principal é aumentar a qualidade nutricional da planta para o consumidor.

A soja rica em ácido oleico é especialmente interessante para época em que vivemos, na qual existe um aumento em casos de infarto e aterosclerose, relacionados ao colesterol alto e consumo de alimentos prejudiciais. 

A biotecnologia mais uma vez apresenta uma diversidade de soluções para a indústria e abre possibilidades para centros de pesquisa e pequenas empresas explorarem a engenharia genética de forma rentável. A agricultura moderna precisará cada vez mais de avanços em técnicas biotecnológicas para suprir as demandas e também criar diferenciais competitivos. Ficou interessado em saber mais sobre biotecnologia no setor agrícola? Não deixe de acompanhar nossas publicações!

Texto revisado por Letícia Cruz e Luana Lobo


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