A pandemia da Covid-19 começou devido à transmissão de um vírus que antes infectava apenas animais e que sofreu adaptação para infectar seres humanos. Com isso, tornou-se evidente que a saúde humana é dependente da saúde dos animais. No entanto, já não é de hoje que se sabe que a nossa saúde, na verdade, está diretamente interligada também com a saúde das plantas, do ambiente e do ecossistema como um todo.
Tendo isso em vista, em 2007, durante a Conferência Ministerial Internacional sobre Influenza Aviária e Pandêmica, que aconteceu na Índia, houve grande encorajamento para que os governos passassem a aplicar o conceito de One Health (Saúde Única, em português) em suas políticas públicas e internacionais.
Histórico e definição de One Health
Um ano depois da Conferência em Nova Deli, a Organização Mundial da Saúde (OMS), a Organização Mundial de Saúde Animal (OIE) e a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) adotaram o termo One Health como central em uma iniciativa que tinha o objetivo de demonstrar a inseparabilidade da saúde humana, animal e ambiental.
O Serviço de Inspeção Sanitária Animal e Vegetal (USDA) dos Estados Unidos define One Health como o “esforço colaborativo de múltiplas disciplinas trabalhando localmente, nacionalmente e globalmente para atingir a saúde ótima de pessoas, animais e do nosso ambiente”.
Apesar de parecer, esse conceito não é novo. Hipócrates, o pai da Medicina, já havia identificado e descrito que existe interdependência entre a saúde humana e o ambiente. Ele acreditava que todas as doenças tinham causas naturais “No Ar, Águas e Lugares”. Esse pensamento já era bem fundamentado em uma época em que as doenças eram atribuídas à vontade dos deuses.
Plant Health – Saúde das plantas
As plantas são a base da nossa alimentação, logo, é inegável que a qualidade daquilo que comemos interfere na nossa saúde. O tema Plant Health envolve a agricultura sustentável, a saúde das plantações e o valor nutricional dos alimentos tendo em vista a garantia da segurança alimentar.
Além disso, também tiramos das plantas inúmeros princípios ativos para a produção de medicamentos, respiramos o oxigênio liberado por elas no ambiente, aproveitamos a sombra que elas fazem nos dias de sol, utilizamos os serviços ambientais que elas nos prestam como evitar deslizamentos de terra, sustentar as margens dos rios, reter de umidade e aumentar a permeabilidade do solo, etc.
Nesse contexto, é importante a criação de programas de preservação ambiental, manutenção da biodiversidade (plantas e vegetações nativas), além do controle de pragas e doenças por meio de estratégias sustentáveis, que se beneficiam dos avanços biotecnológicos.
One Medicine – Saúde animal
William Osler, que foi o fundador da Medicina humana moderna e também da Patologia Veterinária, cunhou, em 1800, o termo One Medicine, demonstrando que havia grande compreensão sobre as raízes comuns da saúde humana e animal. Com o aparecimento de zoonoses fatais como a leptospirose, a SARS, e posteriormente a febre hemorrágica causada pelo Ebola, a gripe aviária, entre outras, tornou-se cada vez menor na fronteira entre as duas medicinas.
Hoje, estima-se que as doenças transmitidas por animais sejam a causa de 2,7 milhões de mortes, e pelo menos 3 zoonoses novas surgem a cada ano. Dessa maneira, é impossível pensar apenas na medicina clínica quando se pensa em saúde humana.
Para solucionar esse grave problema de saúde pública que são as zoonoses, a biotecnologia tem um papel fundamental para: diagnósticos precoce, por meio de técnicas moleculares; desenvolvimento de vacinas, para a prevenção dessas doenças; e o melhoramento genético, que pode ser usado para tornar os animais resistentes a determinadas doenças;
Saúde do ambiente
Rachel Carson, uma das pioneiras na discussão da consciência ambiental moderna, fala em seu livro “Silent Spring” (Primavera Silenciosa, em português), publicado em 1962, sobre a importância de implementar um movimento conservacionista.
Naquela época, já era possível prever que a irresponsabilidade do ser humano com o meio ambiente um dia se voltaria contra nós mesmos. Hoje, estamos vivendo isso ao presenciar a crise climática, mudanças drásticas de temperatura locais, chuvas fortes, furacões, tornados, deslizamentos, falta de água, poluição do ar, da água e do solo, destruição de muitos habitats naturais, entre outros problemas.
Não há dúvida de que a saúde do meio ambiente, que é o ambiente em que nós vivemos, nos alimentamos, respiramos e do qual retiramos todos os recursos de que precisamos, impacta diretamente na nossa saúde. E, se queremos construir uma sociedade mais saudável, precisamos pensar também na saúde ambiental.
Tendo em vista a necessidade de olhar para a saúde com uma perspectiva de One Health, um debate ainda mais profundo se torna necessário. A saúde animal, vegetal e do ambiente apresentam valor intrínseco ou são apenas ferramentas para alcançarmos uma saúde humana plena?
De muitas maneiras, se torna mais fácil justificarmos o One Health centrado nas razões de por que preservar a saúde animal, vegetal e ambiental a fim de garantir a saúde humana, assim como fizemos nesse texto. No entanto, essa justificativa por si só não basta, pois para que o conceito One Health possa se tornar realidade, há a necessidade de que desenvolvamos consciência ambiental, como descrita por Aldo Leopold, professor de Engenharia Ambiental na Universidade de Wisconsin e escritor do livro “Ética da Terra”, em 1933: “A ética da Terra reflete a existência de uma consciência ecológica e esta por sua vez reflete a convicção de responsabilidade individual pela saúde da Terra. A saúde é a capacidade de autorrenovação da Terra. A conservação é o nosso esforço para compreender e preservar essa capacidade.”
No contexto da Grande Depressão de 1929 e em meio a discussões sobre alternativas ao liberalismo econômico e às preocupações da crise climática gerada pelo capitalismo selvagem, Aldo Leopold sugere que devemos buscar a homeostasia, ou seja, a saúde ecológica dos ecossistemas que garanta a função de integridade do equilíbrio e da harmonia dos ecossistemas. O conceito de One Health deve, portanto, ser o norte de ações individuais, organizacionais e governamentais, porque é de nossa inteira responsabilidade zelar pela saúde de todos os seres vivos.

Cite este artigo:
MEDRADES, J. P. One Health: uma estratégia de saúde global. Revista Blog do Profissão Biotec, v. 12, 2025. Disponível em: <https://profissaobiotec.com.br/one-health-uma-estrategia-de-saude-global/>. Acesso em: dd/mm/aaaa.
Referências:
CARNEIRO, L. A. PETTAN-BREVER, C. One Health: Conceito, História e Questões Relacionadas – Revisão e Reflexão. Pesquisa em Saúde & Ambiente na Amazônia: perspectivas para sustentabilidade humana e ambiental na região. Disponível em: <https://downloads.editoracientifica.org/articles/210504857.pdf>. Acesso em: 28 fev. 2024.
EMBRAPA. Abordagem de saúde única na pesquisa. Disponível em: <https://www.embrapa.br/visao-de-futuro/integracao-de-conhecimentos-e-de-tecnologias/sinal-e-tendencia/abordagem-de-saude-unica-na-pesquisa#:~:text=Para%20o%20Usda%2C%20o%20conceito,gado%20e%20na%20vida%20selvagem.> Acesso em: 28 fev. 2024.
Ernest Yeh, MD; Nicholas J. Roman, DVM, MPH. Entendendo a One Health. Manual MSD. Disponível em:<https://www.msdmanuals.com/pt-br/profissional/news/editorial/2023/01/25/18/34/understanding-one-health>. Acesso em: 28 fev. 2024.
MINISTÉRIO DA SAÚDE. Uma só saúde. Disponível em:<https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/u/uma-so-saude>. Acesso em: 28 fev. 2024.
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