A optogenética é uma técnica que envolve o uso da luz, engenharia genética (manipulação de DNA) e bioengenharia, para controlar funções neurais, modulando circuitos elétricos do cérebro com muita precisão e especificidade. Isso mesmo! Controlar atividades do cérebro! Tem algo mais a cara da biotecnologia do que isso? A optogenética tem ganhado cada vez mais força devido ao seu potencial inovador, tanto para novas terapias, como doenças neurológicas e até mesmo cardíacas, quanto para novos diagnósticos, estudos comportamentais (animais e humanos) e pesquisa de base.
Mas, como a optogenética funciona?
Os neurônios são células do sistema nervoso que transmitem diversas informações para o nosso cérebro, como memórias, percepções sensoriais, emoções, aprendizagem, etc. Essas informações são captadas e repassadas a partir de impulsos nervosos, mediados por comandos elétricos e químicos. A atividade elétrica é dada por alterações nas cargas elétricas interiores e exteriores às células, enquanto o estímulo químico é oriundo de diferentes concentrações iônicas. O controle neural pode se dar por ativação ou inibição da atividade elétrica, a partir da luz incidida, o que permite o ajuste das funções de neurônios.
Atualmente, é possível realizar esse controle neuronal utilizando uma proteína fotorreceptora, ou seja, sensível à luz: a opsina. Essa sensibilidade à luz é responsável pela alteração do comportamento dos neurônios.
Em especial, há o destaque às opsinas provenientes das algas verdes, as Channelrhodopsins (ChR2), canais iônicos proteicos que controlam os potenciais de ação, ou seja, esses canais abrem e fecham conforme a incidência de luz e alteram como o impulso elétrico passa através do neurônio. Dessa forma, o propósito é utilizar essa proteína no contexto terapêutico, por meio da engenharia genética, introduzindo-a às células-alvo neurais (ou tecido) específicas.
Para a integração de ChR2, utiliza-se da terapia gênica para a manipulação do código do DNA das células-alvo, com o objetivo de introduzir o código com a informação que manda produzir as proteínas nos neurônios. Assim, as células passam a ter a propriedade de sensibilidade à luz. Essa informação chega até às células por meio de um vetor viral (cuja doença foi inativada). Os vírus funcionam como um transporte natural de DNA, e, quando inativado, ou seja, quando suas propriedades patogênicas (causadoras de doenças) são desligadas, eles podem carregar nosso DNA de interesse até às células alvo. Quando o vetor viral entra na célula, ele utiliza a maquinaria celular para produzir suas proteínas (proteínas do DNA inserido no vírus). Essa técnica se mostra promissora em estudos comportamentais para doenças como Retinite Pigmentosa, Parkinson, Alzheimer, Epilepsia e outras disfunções motoras.
Essa proposta terapêutica pode ser eficiente para doenças que afetam a retina, cuja entrada de luz advém dos olhos. Já para doenças localizadas em outros tecidos, é necessário um meio para que essa luz chegue até o local. Um dos métodos é utilizar proteínas luminescentes ou fios de fibra de ótica. Isso, até então, era um problema, pois a fibra precisava ser parcialmente introduzida no cérebro para transmitir a luz. No entanto, soluções estão sendo encontradas!!
O processo de transmissão da luz, sem processos invasivos, já está sendo investigado por cientistas da Universidade de Stanford, EUA, por meio de implantes na superfície do crânio que emitem comprimentos de onda específicos. Além disso, as empresas TSE Systems, referência em equipamentos avançados, e a NeuroLux, desenvolvedora de implantes optogenéticos sem fio, fecharam uma parceria vista como promissora para o desenvolvimento de técnicas não invasivas de optogenética.
Ainda há desafios! Há muito espaço para os biotecnologistas!
Apesar do mercado para a optogenética ser moderadamente consolidado, essa tecnologia ainda possui alto custo. Conforme o site Mordor Intelligence, existem empresas que já contribuem fortemente com o mercado de Optogenética, sendo elas: Hubner (Cobolt Inc); Coherent Inc; Gensight Biologics; Laserglow Technologies; Noldus Information Technology; Shanghai Laser & Optics Century e Thorlabs. Recentemente, no final de 2021, a renomada empresa Novartis adquiriu a Arctos Medical, expandindo seu portfólio de optogenética e terapia genética.
Além disso, é preciso que haja mais divulgação a respeito dessa técnica, a fim de conscientizar e tranquilizar a população. Isso porque, apesar de ser incrível para os cientistas, é notório que “manipulação do DNA”, “vetores virais” e “controle do cérebro pela luz” podem assustar a sociedade, principalmente no atual contexto social, em que é rápida a disseminação de fake news – além das más, ou ausentes, interpretações de resultados científicos. Por isso, é preciso que os meios de divulgação científica se encarreguem desse trabalho.
O crescimento desse mercado, considerando as leis de oferta e demanda, pode tornar essa tecnologia mais acessível e, ao mesmo tempo, promover a divulgação da optogenética. Considerando todo o processo dessa técnica, precisa-se de mercado para vetores virais, proteínas recombinantes, equipamentos para transmitância de luz, sensores, e demais mercados indiretos de matéria-prima.
Assim, é evidente a importância de clusters, aglomerados tecnológicos de incentivo empreendedor, e de pólos de biotecnologia. Essas parcerias entre empresas e institutos de pesquisa são importantes porque há uma evolução exponencial de novas tecnologias, sendo necessário haver parcerias para acompanhar esse desenvolvimento. Essa tecnologia demanda uma grande rede de colaboradores, com constante inovação. Isso nos mostra as diversas possibilidades para os biotecnologistas contribuírem com a área, seja na área acadêmica ou corporativista, em laboratórios, hospitais, clínicas ou indústrias.
Mais pesquisas de base e testes clínicos precisam ser feitos!
Não somente aos tratamentos de doenças sem cura, essa técnica também é uma alternativa para pacientes resistentes a tratamentos farmacológicos, segundo Oliveira Júnior, aluno da USP. O pesquisador ganhou o Prêmio Jovem Neurocientista de 2019, da Sociedade Brasileira de Neurociências, ao utilizar esta técnica em modelos animais de transtornos neuropsiquiátricos.
Em 2021, o tratamento com Optogenética restaurou parte da visão de um homem cego. A terapia foi utilizada para tratamento da retinite pigmentosa, a qual causou a cegueira devido à morte de células fotossensíveis da retina. Agora, o homem enxerga objetos sólidos e detecta diferenças de cores. Essa foi a primeira aplicação clínica com sucesso, e a empresa responsável é a GenSight Biologics, de Paris. Por ser uma doença genética com mais de 70 mutações, dificilmente a terapia gênica sozinha iria dar conta de tratá-la, o que pontua ainda mais a importância da terapia optogenética.
O impacto da terapia optogenética é grandioso, pois diz respeito a milhões e milhões de pessoas no mundo que sofrem com algum distúrbio neurológico (ou cardíaco). Portanto, é preciso que haja investimentos acadêmicos e financeiros para que essa técnica seja impulsionada.
Cite este artigo:
GOMES, A. H. G. M. Optogenética: uma nova perspectiva de tratamentos para doenças neurológicas. Revista Blog do Profissão Biotec, v.9, 2022. Disponível em: <https://profissaobiotec.com.br/optogenetica-uma-nova-perspectiva-de-tratamentos-para-doencas-neurologicas/>. Acesso em: dd/mm/aaaa.
Referências:
CHEN, Ritchie et al. Deep brain optogenetics without intracranial surgery. Nature biotechnology, v. 39, n. 2, p. 161-164, 2021.
DEISSEROTH, Karl. Optogenetics: 10 years of microbial opsins in neuroscience. Nature neuroscience, v. 18, n. 9, p. 1213-1225, 2015.
Desenvolvido método nacional que controla neurônios com luz. Jornal da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, USP 5, maio. 2020. Disponível em: <https://jornal.fmrp.usp.br/desenvolvido-metodo-nacional-que-controla-neuronios-com-luz/>.
Homem cego recupera parte da visão após receber gene derivado de algas verdes. SANEWS, 24, maio. 2021. Disponível em: <https://www.saberatualizadonews.com/2021/05/homem-cego-recupera-parte-da-visao-apos.html>.
GALLAGHER, James. O tratamento revolucionário que restaurou parte da visão de um homem cego. BBC News, 27, maio. 2021. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/geral-57272089>.
Optogenetics market – growth, trends, covid-19 impact, and forecasts (2022 – 2027). Mordor Intelligence. Disponível em: <https://www.mordorintelligence.com/industry-reports/optogenetics-market>.
SAHEL, José-Alain et al. Partial recovery of visual function in a blind patient after optogenetic therapy. Nature Medicine, v. 27, n. 7, p. 1223-1229, 2021.
Fonte da imagem destacada: Dana Foundation.