Oscar® Científico: tecnologia do filme Avatar pode ajudar no diagnóstico de doenças de mobilidade

A tecnologia utilizada nas roupas do filme Avatar pode acelerar o diagnóstico de doenças de mobilidade.

Se você é um cinéfilo de plantão, ou no mínimo passa um tempo rolando o feed do Instagram deve ter lido que os indicados ao Oscar® 2023 já foram divulgados. Mas o que isso tem a ver com biotecnologia? Indicado em quatro categorias, incluindo a de Melhor Filme, Avatar: O Caminho da Água está revolucionando a ciência

Imagem do filme Avatar
Imagem do filme Avatar. Fonte: Flickr

Quem assistiu o filme pode confirmar a perfeição gráfica nos movimentos dos personagens. Esse efeito foi possível devido à tecnologia utilizada nas roupas vestidas pelos atores no set de filmagens, que possibilitou captar os movimentos e dar precisão aos gestos através de dados transmitidos a um sistema de Inteligência Artificial (IA)

É justamente esse sistema de IA que foi estudado para detectar a gravidade de doenças genéticas que afetam o movimento, e mostrou-se mais eficiente que os exames atuais, entregando os resultados duas vezes mais rápido. Isso pode transformar os ensaios clínicos, diagnóstico e monitoramento dos pacientes. 

Sobre o estudo

As pesquisas foram conduzidas por cientistas do Imperial College e da University College London (UCL) e publicadas na Nature Medicine. O estudo de dez anos mostrou que essa tecnologia baseada nos trajes do filme pode reduzir o tempo e o custo no desenvolvimento de medicamentos para combater doenças que afetam o movimento, como a Ataxia de Friedreich (FA) e a Distrofia Muscular de Duchenne (DMD)

A progressão dessas doenças geralmente é medida pela velocidade e precisão com que os pacientes realizam alguns movimentos padrões. O ponto-chave é que a tecnologia desenvolvida capta movimentos sutis que o ser humano não percebe, o que é vital para determinar o melhor tratamento logo no início da doença. 

Além disso, as roupas desenvolvidas podem monitorar problemas neurológicos, cardíacos, musculares, ósseos e psiquiátricos que afetam o movimento e que podem levar até anos para serem detectados pelos exames tradicionais. 

Como surgiu a ideia

A tecnologia já havia sido utilizada em 2009 no primeiro filme da franquia e novamente foi aproveitada na continuação da saga que estreou em 2022. No cinema esse sistema é utilizado para criar personagens mais realistas com computação gráfica a partir dos movimentos dos atores. O professor Aldo Faisal, do Imperial College, achou que seria uma boa ideia testar isso na medicina.

O traje com sensor de movimento mapeia, grava e registra os movimentos do corpo do ator, que faz com que o personagem do avatar no computador realize os mesmos gestos. Na pesquisa comandada pelo professor Faisal, os biossensores podem mostrar se o movimento realizado pelo paciente é fluído ou não, comparados com movimentos de pessoas que não possuem a doença. 

Estudo com os trajes com biossensores que captam o movimento
Visão geral do estudo com os trajes com biossensores que captam o movimento natural do indivíduo que é reproduzido pelo sistema de inteligência artificial e resulta em um biomarcador. Fonte: traduzido de Ricotti et al. (2023) #ParaTodosVerem: à esquerda, criança com roupa preta realiza movimentos em pé e sentada atrás de uma mesa. Na parte central, a imagem digital da criança é mostrada em fundo azul. À direita, uma imagem colorida representa os dados coletados e lidos pelo biossensor do traje. 

Diagnóstico das doenças 

A FA é uma doença que, em geral, aparece na adolescência e afeta 1 a cada 50 mil pessoas no mundo. Já a DMD afeta 20 mil crianças por ano, a maioria meninos. Ambas  não têm cura. Esses números, infelizmente, são “pequenos” para que a indústria farmacêutica se interesse em investir em pesquisas relacionadas ao tratamento dessas doenças genéticas raras que afetam a mobilidade. 

A maioria dos diagnósticos de problemas motores envolve medir a velocidade e precisão dos gestos realizados pelo paciente. Essa avaliação, que começou antes dos computadores, até agora tem sido realizada “a olho nu” pelos especialistas. O traje com biossensor de movimento testado em pacientes com FA levou metade do tempo, que em geral é dois anos, para prever o ritmo do agravamento da doença. Já os testes feitos em meninos entre 5 e 18 anos com DMD mostraram resultados em seis meses com mais precisão que um diagnóstico médico. 

Uma maior rapidez e precisão nos diagnósticos de doenças motoras pelo sistema de IA poderia chamar a atenção da indústria farmacêutica, permitindo que esta se interesse  em testes com novos medicamentos para essas doenças. Hoje, para obter resultados estatisticamente significativos quanto à eficácia de um novo medicamento para DMD é necessário avaliar 100 pacientes durante 18 meses. Com o biossensor de movimentos, esse número seria reduzido para 15 pacientes em 6 meses. Após o diagnóstico inicial, o especialista pode pedir exames adicionais e buscar a forma correta de tratar a doença. 

Os responsáveis pelo estudo buscam aprovação no Reino Unido do uso da captura de movimentos para testes de medicamentos em estudos clínicos. O uso da tecnologia permitiria testar mais medicamentos, com menor número de pacientes e menor custo. Se obtiverem êxito, testes em larga escala podem começar em até dois anos. Futuramente, os pesquisadores estudam ampliar o uso dos trajes para o diagnóstico de outras doenças que atingem grande parte da população de idade mais avançada como Parkinson, Alzheimer e esclerose múltipla.

Onde entra a biotecnologia

A biotecnologia atua nas busca por novas formas de diagnóstico, tratamento e prevenção de doenças, em diversas áreas de conhecimento (microbiologia, bioquímica, genética etc.). Quando se fala em novas ferramentas e técnicas de diagnóstico com alta sensibilidade, logo se pensa em biotec. Anticorpos, biossensores, biomarcadores, DNA… são termos que fazem parte desse universo. 

A biotecnologia já é aliada da neurociência, por exemplo, no tratamento do Parkinson, que atinge 1% da população mundial acima de 65 anos. Pacientes com grau avançado da doença de Parkinson podem controlar melhor seus movimentos através da neuromodulação por estímulo na medula espinhal. O estimulador é implantado sob a pele com uma bateria que dura 8 anos.

Essa ferramenta de diagnóstico desenvolvida pelos pesquisadores do Reino Unido, é chamado de biomarcador digital KineDMD, derivado de dados comportamentais da vida cotidiana, objetivos e quantificáveis, medidos por dispositivos digitais. Os dados são lidos por um sistema de IA, o que pode trazer agilidade e precisão com resultados mais concretos para o controle e dimensionamento das doenças de distrofia muscular.

Comparação entre os dados dos métodos de diagnóstico tradicionalmente utilizados
Comparação entre os dados dos métodos de diagnóstico tradicionalmente utilizados (6MWD, NSAA e PUL) com o biomarcador KineDMD descoberto na pesquisa. O ponto preto é a pontuação do primeiro teste do indivíduo e as linhas mostram a melhora clínica (verde) ou progressão da doença (vermelha) nos anos subsequentes. A linha azul é plotada a partir da análise estatística dos dados (ajuste gaussiano). As figuras a-c mostram vasta variabilidade entre os indivíduos. Fonte: Ricotti et al. (2023). #ParaTodosVerem: a figura mostra quatro gráficos com a escala que mede a evolução/regressão da DMD nos diferentes métodos de diagnóstico no eixo vertical e a idade das crianças (5 a 12 anos) no eixo horizontal. 

Segundo os autores do estudo com os biossensores de Avatar, os métodos atuais de avaliação são deficientes, pois a DMD é uma doença genética em progressão contínua desde a concepção fetal até a morte. A expectativa de vida desses pacientes é de cerca de 30 anos, com alguns casos de pacientes que vivem mais de 50 anos com a doença. Enquanto isso, as medidas clínicas não progridem com a idade e o avanço da doença. Inclusive, algumas vezes pode-se confundir a melhora da função motora com o aumento do desempenho motor natural da criança até os 7 anos, o que leva a um diagnóstico errôneo.

O rastreio e tratamento rápido e correto das doenças utilizando métodos associados à Inteligência Artificial pode levar maior qualidade de vida às milhares de crianças que sofrem pelo mundo. Além disso, essa tecnologia poderia, futuramente, ajudar pessoas de todas as idades que sofrem com essas patologias, como vem acontecendo com outras enfermidades

Perfil Bruna Cardias
Texto revisado por Jennifer Medrades e Isis V. Biembengut

Cite este artigo:
CARDIAS, B. B. Oscar® Científico: tecnologia do filme Avatar pode ajudar no diagnóstico de doenças de mobilidade. Revista Blog do Profissão Biotec, v.10, 2023. Disponível em: <https://profissaobiotec.com.br/oscar-cientifico-tecnologia-filme-avatar-diagnostico-doencas-mobilidade/>. Acesso em: dd/mm/aaaa.

Referências

AGÊNCIA O GLOBO. 2023. Avatar: roupas usadas nos filmes podem revolucionar o diagnóstico de doenças que afetam a mobilidade. Disponível em: https://www.folhape.com.br/noticias/avatar-roupas-usadas-nos-filmes-podem-revolucionar-o-diagnostico-de/257122/. Acesso em: 07 de fevereiro de 2023.
ALMEIDA, Giulia Forni de. 2020. A biotecnologia como instrumento de diagnóstico, tratamento e prevenção de doenças, frente à pandemia do COVID-19. Disponível em: https://intertox.com.br/a-biotecnologia-como-instrumento-de-diagnostico-tratamento-e-prevencao-de-doencas-frente-a-pandemia-do-covid-19/. Acesso em: 07 de fevereiro de 2023.
GHOSH, Pallab. 2023. A tecnologia usada no filme Avatar que vai revolucionar o diagnóstico de doenças. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/geral-64406043. Acesso em: 07 de fevereiro de 2023.
PAIVA, Vitor. 2023. Como a tecnologia de ‘Avatar’ pode ajudar no diagnóstico de doenças que afetam a mobilidade Disponível em: https://www.hypeness.com.br/2023/01/como-a-tecnologia-de-avatar-pode-ajudar-no-diagnostico-de-doencas-que-afetam-a-mobilidade/. Acesso em: 07 de fevereiro de 2023.
RICOTTI, Valeria et al. Wearable full-body motion tracking of activities of daily living predicts disease trajectory in Duchenne muscular dystrophy. Nature Medicine, p. 1-9, 2023.
SITE VITAT. 2023. Tecnologia usada em Avatar diagnostica doenças motoras. Disponível em: https://vitat.com.br/tecnologia-usada-em-avatar/. Acesso em: 07 de fevereiro de 2023.
TORANZO, Bruno. 2022. Neurociência ajuda no tratamento de diversas doenças, como o mal de Parkinson. Disponível em: https://www.insper.edu.br/noticias/neurociencia-ajuda-no-tratamento-de-doencas-como-o-mal-de-parkinson/. Acesso em: 07 de fevereiro de 2023.
Fonte da imagem destacada: elaborado pela autora.

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