Ao redor do mundo, bilhões de pessoas distribuem-se dentre os quatro principais tipos de sangue do sistema ABO, isso se desconsiderarmos o fator Rh. Provavelmente foi no ensino médio, o antigo colegial, que grande parte de nós aprendeu sobre a classificação desse importante tecido – sim, tecido! – por meio da existência de antígenos nele.
DE VOLTA AO ENSINO MÉDIO…
Pra quem não lembra, funciona basicamente assim: cada tipagem sanguínea é determinada pela existência de antígenos e anticorpos que definem a compatibilidade entre indivíduos não só para transfusões, mas também para transplantes e outros procedimentos médicos.
O tipo sanguíneo é nomeado com base no antígeno que possui. Por exemplo: indivíduos com sangue A possuem o antígeno A e o anticorpo anti-B, o que significa que, no caso de uma transfusão, caso A seja receptor e B o doador, haverá resposta imune do receptor e a transfusão não será bem sucedida. Ao mesmo tempo que existem tipos sanguíneos que possuem dois tipos de antígenos simultaneamente e nenhum anticorpo (tipo AB), há a tipagem em que não há antígenos, porém coexistem dois anticorpos (tipo O). Dessa forma, é possível inferir que o tipo O pode doar para todos os tipos sanguíneos (doador universal) e o tipo AB receber de todos (receptor universal). Isso, é claro, desconsiderando a existência do fator Rh.
A FALTA DE SANGUE NOS BANCOS E SUAS CONSEQUÊNCIAS
O simples raciocínio que dita quem pode doar e quem pode receber não é suficiente em índices de doação e volume de sangue nos bancos ao redor do mundo. O Brasil, por exemplo, embora colete o maior volume de sangue destinado à doação na América Latina, doa proporcionalmente menos que outros países como Argentina, Uruguai ou Cuba.
No Brasil os números para doação de sangue são considerados baixos (os valores atuais são de 1,8% de doações, enquanto que o ideal seria de 3% a 5% segundo a Organização Mundial de Saúde – OMS) e podem, em casos de aumento de demanda como em áreas de desastres e conflitos, representar um grave problema no que diz respeito a transfusões, sobretudo em quantidades representativas para cada tipo sanguíneo.
De tempos em tempos, nos deparamos com importantes instituições relatando problemas causados pela escassez de sangue, como foi relatado pela Cruz Vermelha Americana este ano.
Ainda segundo a OMS sobre a situação mundial das doações, tem-se que 108 milhões de doações são realizadas anualmente, das quais metade ocorre em países de alta renda, que possuem menos de 20% da população mundial. Tais dados refletem baixos números em países de baixa renda, sendo até nove vezes menor a parcela de população doadora nesses.
Os baixos volumes de sangue nos bancos (inclusive brasileiros) podem representar diversos problemas, principalmente para pacientes que necessitam de transfusões frequentes, bem como aqueles que necessitam de sangue ocasionalmente.
A BIOTECNOLOGIA COMO ALTERNATIVA
É aí que, mais uma vez, a biotecnologia entra. Algumas pesquisas ao redor do mundo têm se destacado no sentido de buscar soluções para o problema da diminuição dos volumes de sangue nos bancos, bem como uma possível escassez que pode ser enfrentada caso o cenário se mantenha.
Recentemente, uma equipe de pesquisadores da Universidade da Colúmbia Britânica no Canadá descobriu uma enzima que pode remover com segurança os antígenos de diferentes tipos sanguíneos. Uma vez que os antígenos são removidos, eles são essencialmente idênticos ao sangue tipo O e seguros para uma gama maior de pessoas.
Por meio da metagenômica, os cientistas se concentraram no revestimento mucoso do intestino humano, que contém açúcares que possuem estrutura semelhante à dos antígenos do sangue. A partir disso, os pesquisadores usaram então uma bactéria (Escherichia coli) para selecionar o DNA que contém genes que codificam enzimas capazes de clivar resíduos de açúcar. Eles então multiplicaram as enzimas e descobriram que ela era capaz de remover os resíduos que determinam os antígenos do sangue tipo A e tipo B, que basicamente faz o tipo sanguíneo O.
SANGUE DE PLÁSTICO
Em 2007,, ganhou notoriedade uma interessante pesquisa realizada na Inglaterra que mostrou ser possível a produção de sangue a partir de um polímero. Segundo os pesquisadores responsáveis pelo “sangue de plástico”, a diferença entre o sangue artificial e o de verdade é quase imperceptível, uma vez que o produto sintético tem a mesma coloração e viscosidade do real, além também de possuir dentro de suas moléculas um átomo de ferro que atua de forma semelhante à hemoglobina, permitindo o transporte de oxigênio pelo organismo.
Segundo os pesquisadores, o sangue obtido por meio de polímeros tem também a vantagem de ser extremamente leve e não necessitar ser refrigerado, prolongando assim sua vida útil e seu transporte em ambulâncias e pelas forças armadas.
O sangue artificial e a enzima podem ser importantes não só para solucionar a escassez de sangue em bancos de doação, mas também em áreas de conflitos e guerras. Ambas as pesquisas possibilitam um tecido ser facilmente transportado e conservado permitindo, assim, que o material percorra longas distâncias para atender os mais necessitados.
Enquanto a ciência busca uma forma de nos ajudar a contornar mais um impasse, não deixe de doar sangue! Procure o hemocentro mais próximo e faça sua contribuição. É fácil, rápido, reconfortante… e um dia pode ser que você precise também.
Referências
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BARRUCHO, L.G. BBC BRASIL. O que falta para o Brasil doar mais sangue? Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/08/150812_sangue_doacoes_brasil_lgb. Acessado em 29 de setembro de 2018.
Deviante. Faça a diferença, seja um doador e aumente os números. Disponível em: http://coneglian.com/centralciencia/faca-a-diferenca-seja-um-doador-e-aumente-os-numeros. Acessado em 29 de setembro de 2018.
Explore Biotech. An Innovative Solution to Blood Shortage. Disponível em: https://explorebiotech.com/an-innovative-solution-to-blood-shortage/. Acessado em 28 de setembro de 2018.
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