Peptídeos antimicrobianos têm grande potencial de aplicação em medicamentos para tratamento de infecções causadas por microrganismos patogênicos.

Peptídeos são constituídos por aminoácidos, assim como as proteínas. A diferença entre ambos, é que os peptídeos possuem menos de 100 resíduos de aminoácidos, enquanto as proteínas têm uma maior quantidade dessas moléculas. Essas “pequenas proteínas” que chamamos de peptídeos estão presentes nos organismos vivos e possuem diversas funções. Neste texto, nosso foco será nos Peptídeos Antimicrobianos, (PAMs).

O que são Peptídeos Antimicrobianos – PAMs

Os PAMs estão naturalmente presentes no sistema imunológico dos seres vivos, e ajudam a impedir que os microrganismos invasores causem infecções. São capazes de agir contra patógenos, tais como fungos, bactérias, vírus e alguns protozoários e nematóides. O estudo dos PAMs abre uma oportunidade para descoberta de novos fármacos contra microrganismos resistentes aos atuais produtos no mercado, ou que ainda não foi determinado um modo eficaz de combatê-los.

Os PAMs possuem diversidade estrutural e funcional, o que caracteriza o amplo espectro de ação, desde bactérias Gram-positivas e Gram-negativas até as que possuem Resistência Antimicrobiana (RAM), vírus, protozoários, nematóides e fungos. Ainda podem agir como imunomoduladores do sistema imunológico, auxiliando-o na eliminação do microrganismo hospedeiro.

A grande maioria dos PAMs naturais possuem até 50 resíduos de aminoácidos, carga líquida positiva, e pouco mais de 50% de aminoácidos hidrofóbicos (que repelem água) em sua composição. Os PAMs também podem ser comumente divididos em três grupos de acordo com sua conformação estrutural: α-hélice, folhas-β e estrutura tipo coil (sem estrutura secundária definida)1.

Tipos de estruturas conformacionais dos PAM

Tipos de estruturas conformacionais dos PAMs: LL-37 e Lactoferrina Humana são exemplos de peptídeos α-helicoidais; β-Defensina 1 Humana faz parte dos peptídeos folhas-β; Indolicidina representam peptídeos tipo coil. Fonte: MAHLAPUU et al., 2016.

Os PAMs geralmente têm um rápido efeito antimicrobiano, pois sua carga líquida positiva permite uma forte interação entre o peptídeo e a membrana plasmática do microrganismo, que é carregada negativamente (lembrando da física: os opostos se atraem). Essa interação causa uma perturbação na estrutura dessa membrana, que recobre todas as organelas e material genético, ocasiona a desestabilização ou rompimento e consequente morte microbiana.

Tipos de ligação entre peptídeos e membrana plasmática

Tipos de ligação entre peptídeos e membrana plasmática. #ParaTodosVerem: os peptídeos antimicrobianos (em roxo) se ligam na membrana plasmática (em azul) e interagem de três maneiras: à esquerda, formação de poros toroidais que desestabilizam a membrana; ao centro, formação de um carpete de peptídeos que ocasiona a micelização de partes da membrana; à direita, poros transmembrana de barrel-stave que causa desestabilização de prótons e íons do citoplasma microbiano. Fonte: SILVA; GONÇALVES; SANTOS, 2014

Os microrganismos podem se tornar resistentes aos PAMs?

Segundo estudos de desenvolvimento de resistência aos PAMs, estas moléculas têm uma rápida ação antimicrobiana,  com baixa afinidade a diversos alvos ao invés de alta afinidade a somente um alvo, e são estáveis ao longo do tempo de exposição a microrganismos. Estas características impedem que os microrganismos desenvolvam resistência aos PAMs. Porém, há pesquisas que apontam para mecanismos que foram desenvolvidos pelos microrganismos, propiciando o desenvolvimento de resistência a esses peptídeos.

Mais estudos com relação a essa parte de desenvolvimento de resistência são necessários, para compreender melhor a interação entre a molécula e as estruturas alvo, bem como encontrar peptídeos que sejam candidatos eficientes para medicamentos à base de PAM.

Abordagens para estudos de PAM

Novos peptídeos bioativos são encontrados a partir do estudo em fontes naturais, tais como veneno de aranhas, escorpiões, cobras, secreção da pele de rãs, em plantas, insetos e diversos outros animais. O peptídeo é identificado por meio de testes, em seguida é purificado para aumentar sua concentração, e então é testado quanto à potência antimicrobiana in vitro.

A obtenção de um grande volume de peptídeos por meio de fontes naturais demanda grande quantidade de recursos financeiros, pois é necessário elevado volume de material e a obtenção do produto purificado é de baixo rendimento. Portanto, a síntese do peptídeo pode ser realizada por método químico em solução ou em fase sólida, enzimático ou por DNA recombinante. Modificações nas sequências de aminoácidos dos peptídeos, seja inclusão, remoção, ou substituição, também podem ser feitas para aumentar sua atividade e/ou estabilidade. Uma área de estudos que tem crescido ao longo dos anos é a Peptidomimética, cujo foco é otimizar os PAMs, utilizando estratégias tais como glicosilação, ciclização PEGuilação e outros.

O avanço das técnicas genômicas e de bioinformática permite que novas sequências de peptídeos antimicrobianos sejam pesquisadas nos diversos genomas já sequenciados. Assim, o uso de métodos in silico (simulação computacional) aumenta a quantidade de peptídeos potencialmente antimicrobianos, diminuindo o tempo e recursos que seriam aplicados nas pesquisas convencionais. Há um banco de dados exclusivo para peptídeos antimicrobianos: APD3, no qual até janeiro de 2024 havia o registro de 3.940 peptídeos, dos quais 3.146 são encontrados  na natureza, 190 são PAMs preditos, e 314 são sintéticos.

Já existem esses produtos no mercado?

Há uma quantidade considerável de medicamentos à base de PAMs, e muitos outros em desenvolvimento. O campo de pesquisa de peptídeos antimicrobianos como medicamentos é enorme e dispendioso. 

De acordo com uma revisão de literatura realizada por Chen e Lu, até o ano de 2020 haviam 6 medicamentos à base de peptídeos antimicrobianos aprovados pela Food and Drug Administration (FDA) dos EUA.

Os PAMs utilizados nesses medicamentos agem como antibióticos e interagem com a membrana celular das bactérias, seja afetando sua permeabilidade, perturbando sua estrutura com formação de poros ou até mesmo inibindo a formação de novas paredes celulares. A gramicidina D é um dos PAMs incluídos na fórmula desses medicamentos. Foi formulada para aplicação tópica em tratamentos de conjuntivite bacteriana. Já a daptomicina pode ser injetada para tratar infecções de pele e corrente sanguínea causadas pela bactéria Staphylococcus aureus, assim como os demais medicamentos à base de peptídeos.

Medicamento com princípio ativo Gramicidina

Medicamento com princípio ativo Gramicidina. #ParaTodosVerem: caixa retangular de medicamento com princípio ativo gramicidina 0,25mg/g, contendo também triancinolona acetonida 1 mg/g, sulfato de neomicina 2,5mg/g e nistatina 100.000U.I./g. Fonte: Martins Comércio.

Outros PAMs têm ação mais eficaz contra vírus, como é o caso da lactoferrina (LF). Diversos vírus, bactérias e fungos são suscetíveis a ação desse PAM. Nos vírus, ocorre a inibição de replicação viral por meio de bloqueios dos receptores celulares. A lactoferrina também pode estimular a imunidade do hospedeiro, agindo como um imunomodulador.

Esse peptídeo pode ser encontrado atuando no sistema imune de diversos animais, inclusive do ser humano, e em grande quantidade no leite materno. Em um estudo realizado por Lang et al., a LF foi capaz de minimizar infecções causadas pelo vírus SARS-CoV bloqueando a interação entre a proteína viral spike e seus respectivos receptores na célula hospedeira. Todavia, o PAM não foi capaz de impedir a interação entre o vírus e a enzima conversora de angiotensina (ACE2).

Mesmo que a lactoferrina não tenha impedido totalmente a infecção viral, esta se tornou um potencial peptídeo antiviral, que pode ser aprimorado, ou utilizado juntamente com outros medicamentos, aprimorando a ação dos antivirais já existentes.

Perspectivas Futuras

O desenvolvimento de fármacos baseados em PAMs é promissor, todavia possui muitos desafios. É necessário contornar a suscetibilidade dos peptídeos quanto à ação de proteases (enzimas que digerem proteínas) dentro do organismo. Caso ocorra alguma modificação na conformação do peptídeo, seja de estrutura ou de tamanho, pode afetar a ação do mesmo ou até torná-lo inútil.

Outro fator é a difícil obtenção de informação quanto a toxicidade dos peptídeos com tamanhos maiores e carregados positivamente. O custo elevado para o desenvolvimento de fármacos à base de peptídeos também é um desafio que vem sendo desbravado.

1 A divisão/classificação dos peptídeos antimicrobianos em diferentes grupos pode sofrer alterações de acordo com os autores dos trabalhos publicados.

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Texto revisado por Bruna Cardias e Fabiano Abreu

Cite este artigo:
OLIVEIRA, E. P. Peptídeos Antimicrobianos: do sistema imune à biotecnologia.  Revista Blog do Profissão Biotec, v. 11, 2024. Disponível em: <https://profissaobiotec.com.br/peptideos-antimicrobianos-do-sistema-imune-a-biotecnologia/>. Acesso em: dd/mm/aaaa.

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Fonte da imagem destacada: FreePik.

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