O Profissão Biotec entrevistou Mariana Freitas, que é Bacharel em Biotecnologia pela UFSCAR e trabalha na Dow Agrosciences. Ela ingressou na empresa por meio de processo seletivo para trainee e contou para nós como foi o trajeto até a efetivação. Confira:
Profissão Biotec – Conte-nos um pouco sobre você! Por que escolheu biotecnologia?
Mariana Freitas – A primeira ideia era prestar vestibular para medicina, mas eu nunca tive aquele sonho de ser médica atuando em clínica. Eu queria trabalhar com pesquisa. E eu sempre tive fascinação pela área de genética quando estava na escola. É claro que não se compara com o que a gente aprende depois, mas foi um atrativo.
Tive essa ideia de prestar medicina e fiz 2 anos de cursinho. No meu segundo ano, eu já estava considerando outras alternativas, e aí o professor que dava aula especificamente de genética (por sinal era um médico aposentado), conversando comigo perguntou se eu já tinha ouvido falar em biotecnologia. Não era um tema novo, muito pelo contrário, mas era uma graduação nova. E que algumas faculdades no Brasil estavam abrindo esses cursos e que eu de repente poderia me interessar. Ele deu uma aula específica sobre biotecnologia, como se fosse uma introdução ao assunto.
Eu comecei a pesquisar as universidades e escolhi prestar a UFSCar. Apesar de não estar relacionado à área da saúde, a princípio, eu me encantei tanto pelo curso… acho que encontrei um propósito que eu tanto procurava, na ideia de trabalhar com pesquisa e na área de genética. Então, prestei UFSCar.
PB – Como pensava a Mariana do primeiro semestre? E como pensava Mariana do último semestre?
MF – Minha cabeça mudou MUITO, do primeiro semestre pro último semestre. Eu tinha essa noção de que gostaria de trabalhar com pesquisa e, na verdade, apesar de eu ter saído da faculdade e feito mestrado, não foi exatamente por querer trabalhar com pesquisa mas porque eu gostava muito da aplicação da biotecnologia na indústria. Então mudou o foco. Eu não tinha noção da quantidade de opções que existiam pra se trabalhar quando o assunto é biotecnologia.
Além disso, pra mim o curso de biotecnologia traz uma grande vantagem. Eu acho que pelo fato da gente ter uma mistura de grade com outros cursos, a gente acaba tendo uma visão muito mais sistêmica dos processos. E isso colabora muito com o tipo de empenho profissional que a gente tem saindo da universidade. A gente acaba trabalhando nos detalhes, nos mínimos detalhes de um processo, mas a gente consegue enxergar reações de causa e efeito e eu acho que isso tem um valor enorme.
PB – Por que você decidiu tentar seleção para trainee? Foi o primeiro ano que abriu vaga para biotecnologia na empresa?
MF – A decisão de ir pro trainee veio da minha vontade de trabalhar numa área mais prática, digamos assim, ou talvez menos acadêmica. Como eu disse, eu tinha essa vontade de trabalhar com pesquisa lá no início da faculdade e isso foi mudando com o tempo, conforme eu via as possibilidades de aplicação da biotecnologia. E, quando eu fiz o mestrado, eu fiz numa área que já é bastante aplicada em outros países (infelizmente aqui no Brasil ainda tá em desenvolvimento), mas no Canadá por exemplo já tem indústrias que trabalham com biosorção. O trainee veio pra eu sair do mundo acadêmico de vez e ingressar já com uma performance mais alta dentro de um corporativo.
Do que eu sei, o processo de trainee da Dow, assim como de outras empresas, considera vários cursos mas eles colocam alguns cursos que são atrativos ao processo. Quando eu me inscrevi, tinha biotecnologia. Logo depois que eu passei, fiquei sabendo que foi o primeiro ano que biotecnologia foi oficialmente colocado no processo seletivo. Isso porque uma veterana, não da UFSCar, mas de outra universidade, entrou no processo e eles ficaram tão encantados com a performance dela e com as características dela que resolveram falar mais sobre esse assunto do curso e incluíram na grade de opções para o trainee.
PB – Explica pra nós como foi o processo de seleção e se você se sentiu preparada para isso, com a formação de biotecnologista.
MF – Eu não me inscrevi só no processo da Dow, e também não passei só nele. Eu fiz inscrição pra diversos processos, mais de 5, em empresas de setores diferentes. Eu passei na Dow e também fui chamada na Votorantim. Os processos de seleção são sempre extensos e bastante complexos. Então a gente tem etapas de testes online, que variam bastante de empresa pra empresa e vão desde uma provinha de conteúdo específico, atualidades, inglês, até games com outros participantes do processo seletivo.
E depois cada empresa tem a sua estrutura de dinâmicas de grupo, então vou falar mais da Dow que foi o que eu acabei escolhendo e que eu passei. No processo da Dow, se eu não me engano, nós tivemos duas dinâmicas de grupo. A primeira delas foi uma dinâmica sem a resposta de aprovação no momento final, a gente teve que esperar algumas semanas, mas o processo foi bastante ágil em comparação com outras empresas. E nessa primeira dinâmica, a gente se juntou aleatoriamente com outros colegas que também estavam no processo seletivo e fizemos uma espécie de jogo corporativo, simulando situações. A gente era observado o tempo todo pelas psicólogas que estavam orientando o processo.
Sempre foi claro que o objetivo na seleção era observar nossa capacidade de interação e de que maneira a gente gerenciava os conflitos na hora de discutir ideias, apresentar o seu ponto de vista, esse tipo de situação. Na segunda dinâmica e final foi uma dinâmica seguida do anúncio dos aprovados, seguida de uma entrevista já com o gerente de RH da época e outra gerente de outro setor.
E aí, nessa segunda dinâmica, foi um pouco diferente. Teve um pré-trabalho que incluía uma apresentação sobre o seu alinhamento de formação e pessoal aos valores da companhia. Isso eu acho que é um ponto comum em alguns processos. Então uma sugestão que eu sempre dou quando me perguntam sobre processos seletivos de trainee é que a gente leia os valores e até através do slogan a gente consegue entender quais são as bases principais daquela empresa, e o nosso discurso tem que estar alinhado. Trabalhar nessa empresa tem que fazer sentido pra gente. E eles percebem, são treinados pra perceber quando a nossa intenção é forçada ou quando o nosso discurso não é conciso.
PB – Após a aprovação, como foi o processo de trainee? Quais habilidades do profissional biotecnologista você julga que foram importantes nesse período?
MF – Eu acho que a principal vantagem do curso é exatamente aquela que eu citei, eu acho que o nosso curso oferece uma formação diversa, ele contribui para o desenvolvimento de um pensamento sistêmico. Isso é muito valorizado, principalmente no caso do trainee se procura alguém que ainda não tenha experiência profissional mas que tenha uma visão mais “gerencial” dos processos e não tão técnica ou tão presa nos detalhes. Nesse sentido, ter uma formação multidisciplinar, que eu acho que é o nosso caso, tem muito valor. Traz muita coisa pra mesa na hora de mostrar, e não se engane pois era muito comum eu ser questionada “nossa, biotecnologia, que curso é esse? Pra que você tá aqui? Por que você não tá trabalhando num instituto de pesquisa?”. Mas eu acho que a gente prova o valor da nossa formação e os nossos atributos pessoais no dia a dia, nas conversas que a gente tem, na maneira que a gente negocia, na maneira que a gente expõe as ideias. E do que eu me lembro dos meus colegas, só tenho boas referências, aprendi muito com a minha turma.
Depois da aprovação, o trainee da Dow tem um diferencial. Ele é bem rápido. Normalmente, os processos duram 2 anos, um ano e meio… O trainee da Dow dura 10 meses. Eu entrei, não escolhi uma vaga/área, eu fui posicionada em Dow Agrosciences no negócio de sementes e biotecnologia. Pra minha surpresa, eu até tinha a expectativa de que me colocassem em uma área de qualidade ou próxima à pesquisa, onde a biotecnologia realmente mostra mais a sua cara, e me colocaram na área de projetos. Me colocaram pra desenvolver um projeto de melhoria de um processo dentro de uma usina de beneficiamento de sementes.
PB – Conta pra gente como você se sentiu ao ser contratada. E isso é algo comum entre os biotecnologistas formados na sua universidade?
MF – Eu fiquei muito feliz quando eu fui contratada! Eu lembro exatamente do dia, lembro exatamente de onde eu estava, lembro da ligação, lembro do nome da pessoa do RH que me ligou pra comunicar a aprovação, não tem como não se sentir muito feliz e orgulhoso depois de passar por um processo seletivo que é extenso e bastante concorrido. E foi uma alegria enorme pra mim e o início de uma nova fase, realmente, e o início da possibilidade de concretização do sonho ou expectativa de trabalhar em uma empresa e levar o nome do meu curso, levar minha formação adiante.
Do que eu tenho contato com o pessoal da minha turma, e até de uns anos próximos, isso não é exatamente comum. Eu fui da segunda turma de biotecnologia da UFSCAR Araras, Centro de Ciências Agrárias. Quando entrei, era realmente pouca gente. Quando eu passei no trainee, se não me engano eu fui a única da turma a ser trainee de uma empresa e também não tenho conhecimento de quantos se inscreveram, mas a minha percepção é de que a maioria dos meus colegas de turma e de curso seguiram pra área acadêmica e permaneceram nela com sucesso. Eu até fiz um mestrado mas depois saí.
Depois do trainee eu fui efetivada, na verdade eu fui passada pra uma função específica, que é a função de engenheiro de melhoria. Através dessa função, eu sou responsável por colaborar e liderar projetos de melhoria contínua nas áreas de six sigma e lean, além de gerenciar projetos de capital.
Mais recentemente, eu comecei um projeto na área de planejamento e eu estou gostando muito. Os meus planos pro futuro são continuar no crescimento na carreira corporativa e, se possível, estar sempre ao lado da minha universidade, da empresa júnior, sempre que eu for chamada, participando dos eventos, ajudando a divulgar o curso fora da área técnica, como eu disse, divulgar o curso como opção para futuros gerentes de negócio.
PB – Quais são as tendências que você enxerga para o mercado de biotecnologia nos próximos 5 anos?
MF – Não vou nem ousar dizer quais são as tendências que eu enxergo para o mercado de biotecnologia. Mas eu vou tomar a liberdade de responder o que eu espero e desejo pros profissionais formados em biotecnologia. Eu acho que a gente ainda tem um balanço muito irregular, muito voltado pra área acadêmica. Eu acho que a área acadêmica é maravilhosa, é linda, muito recompensadora em diversos aspectos até diferentes de uma carreira corporativa, mas eu gostaria de ver mais colegas em empresas.
Eu já tive a oportunidade feliz de receber colegas de curso do campus de São Carlos e de outras universidades na Dow como estagiários e eu sempre fiquei muito feliz. Como nós somos poucos, as pessoa reconhecem rapidamente e me procuram, eu era procurada “ó, tem um estagiário que fez biotecnologia”, eu sempre fico muito feliz. Não se trata de uma competição da área corporativa versus carreira acadêmica, não se trata dessa competição não. Pra mim, é muito mais abrir caminhos e dar oportunidades para que todos cresçamos da maneira que cada um julgar melhor. Então acho que quanto mais nós nos expusermos no mercado, quanto mais nós ficarmos confortáveis em sair da área técnica, que eu acho que ainda é o mote principal do curso, mais a gente vai ter espaço, mais a gente vai mostrar como a nossa formação é boa, como um profissional de biotecnologia é um profissional completo, que tem todas as habilidades que eu já descrevi e como essas habilidades podem ser fundamentais para proporcionar o crescimento ou colaborar com o crescimento de uma empresa.
Então, nos próximos anos, eu espero que a gente tenha cada vez mais espaço no mercado de trabalho, porque eu acredito que mais espaço é mais oportunidade pra cada um fazer as suas escolhas, e espero que os meus bixos e bixetes (calouros) continuem dando tanto orgulho quanto dão. Eu não participei da criação da empresa júnior da UFSCAR, por exemplo, mas eu tenho um orgulho imenso de ver como a empresa júnior de lá é organizada. Eu acho que esse é um dos caminhos e acho que é a nossa vontade de inovar que vai fazer com que essa profissão tão bonita cresça.
Espero que num futuro muito recente nós sejamos reconhecidos não só pela nossa habilidade técnica, pelo conhecimento no detalhe, pelo micro, mas que a gente seja conhecido como profissionais completos, capazes de gerenciar grandes processos, inclusive de gerenciar pessoas, com muita habilidade. E que a gente contribua cada vez mais para que essa profissão seja reconhecida, para que o curso seja reconhecido.
Entrevista por Mariana Rau – Colunista.