Ética na ciência
Ao longo dos anos assistimos a inúmeros avanços científicos que contribuiram para o bem estar da sociedade, como o desenvolvimento de vacinas e medicamentos. Entretanto, o mal uso de algumas dessas descobertas também trouxe riscos para a população, como ocorreu com os agrotóxicos e a bomba atômica. Diante disso, uma discussão sobre ética na ciência é essencial para que os progressos científicos sejam realmente seguros para a sociedade.
Casos recentes
Em novembro de 2018, o cientista chinês He Jiankui anunciou o nascimento de duas bebês gêmeas que tiveram seus códigos genéticos alterados, tornando-as imunes ao o HIV, o vírus da AIDS. Segundo He Jiankui, através da técnica do Crispr foi possível “cortar” uma região do DNA, desativando o gene responsável pelo receptor do HIV nas células, o que teria tornado as bebês imunes a doença. O trabalho do cientista foi extremamente criticado pela comunidade científica, que considerou o experimento perigoso e desnecessário, e pela própria universidade onde ele trabalhava, que destacou que o caso é “uma violação grave de ética e dos padrões acadêmicos”. Como consequência, a instituição demitiu o pesquisador.
Para agravar a discussão no início de 2019 o cientista chinês declarou que uma segunda mulher está grávida de mais um bebê geneticamente modificado. Mais uma vez, o ato recebeu críticas de cientistas de todo o mundo que consideram a edição genética de bebês um ato antiético, inseguro e com consequências imprevisíveis.
E por que experimentos como os dos “bebês geneticamente modificados” são considerados antiéticos?
Existe um consenso entre a comunidade científica de que a modificação genética de embriões humanos não é aceitável uma vez que ainda não se sabe os reais riscos dessa manipulação para a vida desses bebês. Por isso, os experimentos de manipulação genética, como os de He Jiankui, são considerados ilegais nos Estados Unidos, na Europa e no Brasil. Atualmente, só são permitidas alterações genéticas em embriões in vitro, com objetivo de estudos e pesquisas. A implantação desses embriões em mulheres, para geração de bebês, não é aceitável pois ainda não se sabe se as crianças passarão essas mutações genéticas para seus filhos e quais seriam as consequências disso.
“Isso pra mim mostra que a China tem uma forma muito diferente de pensar sobre a que riscos você pode submeter uma pessoa. Foi um absurdo o que eles fizeram — eles atropelaram toda forma de se fazer ciência de forma responsável”, afirma Lygia da Veiga Pereira, pesquisadora e chefe do Laboratório Nacional de Células-Tronco Embrionárias, da USP.
Cientistas afirmam que a técnica de Crispr pode gerar mudanças imprevisíveis no DNA o que poderia gerar um novo problema de saúde ao indivíduo. Além disso, o sucesso dessa técnica também precisaria ser comprovado – garantindo que as modificações genéticas realmente foram repassadas para todas as células dos bebês – fato que não foi confirmado no experimento chinês.
“No momento em que a gente tiver certeza que o Crispr só atua naquele gene, então ótimo — então vamos usar o Crispr e evitar os genes que estão criando problema. O problema é que você, quando está editando um gene, pode estar alterando outros genes aleatoriamente e não ter o controle disso”, ressalta Mayana Zatz, geneticista e diretora do Centro de Pesquisa sobre o Genoma Humano, da USP.
No caso dos experimentos de He, outro agravante é o fato da AIDS ser uma doença tratável e transmitida pelo sangue, e não de forma genética. Logo, não haveria necessidade de manipular geneticamente os embriões uma vez que, segundo a Organização Mundial da Saúde, esses bebês poderiam ser protegidos da contaminação através de medidas de prevenção amplamente conhecidas durante o pré-natal, parto e amamentação, reduzindo a menos de 2% os riscos de infecção.
Autoridades chinesas afirmam ainda que He realizou suas pesquisas sem o conhecimento da Universidade de Ciência e Tecnologia do Sul da China (SUSTech), além de ter forjado aprovações de comitês de ética e ter utilizado os próprios recursos para financiar a pesquisa.
Ciência + ética = progresso
As atitudes reprováveis do pesquisador chinês demonstram que a busca por fama e prestígio científico, associado à falta de ética profissional, pode resultar em experimentos que deixam em risco a segurança da população. Não obstante, isso também reforça a necessidade de se estabelecer um tratado internacional para regulamentação da edição genética nos experimentos científicos além de um mecanismo de fiscalização desses experimentos.
O caso dos bebês geneticamente modificados serve de alerta de que toda pesquisa científica que envolve seres vivos deve priorizar o respeito ao próximo e a prevenção de danos, e que nenhum progresso é válido se esses valores não são considerados.
Referências:
China confirma segunda mulher grávida de bebê geneticamente modificado. Revista Superinteressante, por A.J.Oliveira. Disponível em: https://super.abril.com.br/ciencia/china-confirma-segunda-mulher-gravida-de-bebe-geneticamente-modificado/. Acessado em 26.01.2019
Cientista chinês que anunciou bebês geneticamente modificados suspende testesG1, por France Presse. Disponível em: https://g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/2018/11/28/cientista-chines-que-anunciou-bebes-geneticamente-modificados-suspende-testes.ghtml Acessado em 26.01.2019
‘Edição do genes de bebês fere ética, leis e segurança, e tem consequências imprevisíveis’, dizem especialistas. G1, por Lara Pinheiro. Disponível em: https://g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/2018/11/26/edicao-do-genes-de-bebes-fere-etica-leis-e-seguranca-e-tem-consequencias-imprevisiveis-dizem-especialistas.ghtml Acessado em 26.01.2019
China investiga suposta criação de bebês geneticamente modificados. El País, por Macarena Vidal Liy. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2018/11/27/ciencia/1543319568_118824.htmlAcessado em 26.01.2019