A pesquisa em ciência pura é uma ciência ameaçada de extinção. Por não gerar retorno financeiro imediato, a pesquisa em ciência de base tem sempre sua relevância questionada e é uma das primeiras áreas da Ciência a ser ameaçada de cortes no orçamento para pesquisa, tanto no Brasil, quanto no mundo. No entanto, é extremamente relevante para o desenvolvimento científico e tecnológico de um país. Neste texto falaremos da relação da biotecnologia com a ciência básica, e por que é importante ajudarmos na sua preservação.
O que é pesquisa em ciência de base?
A pesquisa em ciência de base está preocupada em responder como as coisas funcionam e gerar conhecimentos úteis para o avanço da Ciência sem aplicação prática prevista. As respostas obtidas com esse tipo de pesquisa são muito úteis, pois nos ajudam a entender como as coisas acontecem na natureza. O que fazer com esse conhecimento é o campo de atuação das ciências aplicadas, dentre elas a biotecnologia.
O vídeo abaixo traz uma analogia muito interessante para explicar o que é ciência básica e porque ela é importante. Imagine que todas as aplicações possíveis da pesquisa básica são como as folhas e os ramos das árvores, mas o que seria das florestas sem os troncos das árvores?
Como ajudar na preservação da pesquisa em ciência básica?
Existe a opinião de que a ciência básica é mais fácil de ser cortada por ser a mais difícil de ser entendida pelo público. Como as descobertas científicas ficam restritas ao ambiente dos laboratórios de pesquisa, a população em geral e o governo ficam de fora e não compreendem a importância da pesquisa científica, ou quais seriam suas aplicações a longo prazo, atribuindo-a como um gasto desnecessário aos cofres públicos.
A ciência básica é de tamanha importância no mundo científico que é reconhecida com prêmios Nobel. Inclusive, “o Nobel de Química 2016 foi para uma descoberta de ciência básica a partir de um desenvolvimento básico”, segundo um dos vencedores do prêmio, Sir James Fraser Stoddart, em entrevista para a agência de fomento à pesquisa FAPESP. A descoberta: o entendimento de máquinas moleculares, ou nanomáquinas. As futuras aplicações para essa ciência podem ir desde novas práticas em saúde médica a novos desenvolvimentos em tecnologia da informação.
Para explicar melhor a relevância da pesquisa em Ciências puras para a população em geral e para políticos, a Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos (National Academy of Science, NAS) criou o projeto Beyond Discovery™: The Path from Research to Human Benefit (Além da descoberta: o caminho da pesquisa até o beneficio humano, em tradução livre). O projeto foi desenvolvido, entre 1996 e 2013, em resposta a uma proposta política do presidente Clinton nos Estados Unidos de cortar fundos para a pesquisa em ciência básica. Beyond Discovery™ é uma série de flyers reunidos em um website para mostrar a políticos e ao público geral exemplos de como pesquisa em ciência de base levou a aplicações não previstas.
Em 2016, a NAS lançou um segundo projeto de divulgação de Ciência básica, desta vez em video: From Research to Reward (Da pesquisa para a recompensa, em tradução livre).
Nós do Profissão Biotec fazemos coro a NAS e ressaltamos que também é um papel do biotecnologista, e dos cientistas em geral, o de levar ciência para fora do laboratório e divulgar seu trabalho de maneira acessível ao público que financia as pesquisas.
Quais são exemplos de aplicações da ciência de base em biotecnologia?
O GPS e a internet, ou tecnologias que prometem grandes revoluções no futuro, como a técnica de edição gênica CRISPR são bons exemplos. Se os cientistas não tivessem passado anos pesquisando para entender como as coisas funcionam na natureza, hoje não teríamos muitas das tecnologias tão inerentes à vida moderna, sem as quais não sabemos mais como viver.
Destacamos em um infográfico aplicações nas área de biotecnologia:
Cientistas munidos de experiência em ciência básica também estão preparados para atacar um problema “prático” quando ele surge. Como no caso da epidemia do Zika vírus em 2015, equipes de cientistas brasileiros especialistas em virologia estavam preparados e puderam rapidamente aplicar seus conhecimentos para identificar e isolar a nova variante do vírus Zika, entender seu mecanismo de ação e desenvolver um modelo experimental para a doença. Essas descobertas servem como base para o desenvolvimento de uma vacina nos próximos anos.
Muitas ferramentas que hoje nos permitem induzir bactérias a produzirem proteínas de interesse médico (como a insulina) e industrial (como as enzimas), ou nos permitem realizar terapias gênicas para o tratamento de doenças, vieram do estudo dos mecanismos naturais de defesa de microrganismos contra infecções virais.
A tecnologia CRISPR de edição gênica hoje está em todas as manchetes como uma futura solução para o tratamento de diversas doenças decorrentes de “erros” no código genético. A tecnologia foi baseada em estudos que buscavam entender o “sistema imunológico de bactérias”: como elas são capazes de identificar e remover infecções de DNA virais e impedir que esses vírus se instalem dentro de suas células.
Os jovens precisam encontrar problemas difíceis e então solucioná-los, sem se preocupar com a aplicação.
Esse é um dos pressupostos de Sir James Fraser Stoddart, vencedor do Prêmio Nobel de Química 2016. Ao unir os conhecimentos em ciência básica e o perfil inovador e empreendedor da biotecnologia, surgem diversas aplicações. Sem os conhecimentos puros, não tem campo de atuação para a biotecnologia e muitas outras ciências aplicadas. Precisamos de cientistas atuando na ciência de base. A aplicação e o retorno financeiro, através do desenvolvimento e licenciamento de tecnologias, serão consequência.
Gostou do texto? Curta nossa página no facebook e fique sempre por dentro das novidades em ciência e biotecnologia!
Fontes do infográfico “Pesquisa Básica em Biotecnologia”
Sequenciamento de DNA: em português e em inglês
CRISPR-Cas: em português e em inglês
Enzimas de restrição: em português e em inglês
Captopril: uma descoberta brasileira
Ressonância magnética nuclear: em português e em inglês
Leituras recomendadas:
Entrevista do cientista Sir James Fraser Stoddart, Prêmio Nobel de Química 2016, para a agência FAPESP
Artigo de opinião sobre pesquisa básica na era da pesquisa aplicada (em inglês)
Artigo de opinião sobre pesquisa básica versus pesquisa aplicada (em inglês)