A pós-graduação não é reconhecida como um trabalho, no entanto, exige de forma similar. Seria esse um tratamento coerente?

No Brasil, os estudantes de pós-graduação (focando-se na stricto sensu) enfrentam diariamente diversas situações que causam grande desgaste mental e físico. Os pós-graduandos sofrem com insegurança constante, seja em relação aos resultados de seus experimentos, que nem sempre saem como esperado, ou em relação ao recebimento do seu pagamento mensal (as bolsas).

Recentemente, em dezembro de 2022, foi possível acompanhar o pronunciamento da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) sobre a impossibilidade de realizar o pagamento de milhares de bolsas devido ao corte no orçamento do MEC (Ministério da Educação).

Essa situação gerou bastante revolta aos pós-graduandos e à sociedade estudantil, trazendo ao conhecimento da população brasileira a situação da insegurança vivida por esses “estudantes”. No entanto, infelizmente, este é apenas um dos cenários que os pós-graduandos enfrentam.

Nesse texto você poderá conhecer um pouco mais sobre outros exemplos de situações revoltantes que esses profissionais passam diariamente. O Profissão Biotec vem lançando uma série de textos sobre pós-graduação com dicas para te auxiliar nesse caminho, não deixe de conferir!

Falta de reconhecimento profissional

Para cursar uma pós-graduação é necessário ter uma graduação, sendo assim, os estudantes de qualquer programa de pós-graduação são profissionais. No entanto, apesar disso, no Brasil, o trabalho de pesquisa acadêmica não é reconhecido como uma verdadeira profissão e esses profissionais são ainda chamados de estudantes. Se esse problema fosse apenas uma característica social poderia ser até aceitável, porém, isso também atinge o nível profissional/empregatício.

O não reconhecimento do pós-graduando como um trabalhador, faz com que, mesmo após anos de trabalho na academia, essa experiência frequentemente não seja reconhecida como profissional em processos seletivos para “trabalhos comuns”. (O uso das aspas é ilustrativo, pois apesar de ainda não ser reconhecido como um trabalho aqui no Brasil, a pós-graduação é um trabalho e dá muito trabalho).

Apesar do não reconhecimento como trabalho, há a exigência de cumprimento de 40 horas semanais, principalmente quando se está recebendo bolsa/financiamento. Horas as quais, frequentemente, são superadas com facilidade para cumprir todas as demandas (disciplinas, execução do projeto, leitura de artigos, etc). Isso porque esses profissionais estão, ao mesmo tempo, se qualificando e gerando conhecimento.

Nem em momentos em que os pós-graduandos poderiam se sentir confortáveis, mais tranquilos e seguros, isso costuma acontecer. Quem estiver lendo esse texto e cursa ou já cursou mestrado e/ou doutorado vai entender bem o que estou falando. Existem frases de cobrança, vindas de amigos e familiares, que tornam tudo mais pesado, como “já está trabalhando?”, “você ainda está estudando, não tem um emprego não?” e “quando é que vai começar a trabalhar?” são só alguns exemplos. As pessoas não veem a pós-graduação/carreira acadêmica como uma profissão. Isso está muito relacionado a não compreenderem esse trabalho e ao uso do termo “estudante” para fazer referência a esses profissionais.

Dificuldades enfrentadas no pagamento do seu salário

Menino desenhado
Fazer o seu trabalho e não ter garantia se terá ou não pagamento referente a ele é uma situação extremamente desconfortável e que traz muita insegurança. Fonte: rawpixel
#ParaTodosVerem: desenho de um rapaz com expressão levemente indignada com os dois braços abertos, um fazendo sinal de pare e o outro segurando dinheiro.

Para um pós-graduando, a bolsa (quando recebe) é o seu salário. E logo ao começar a receber a bolsa você já se depara com a situação, na maioria dos casos, de dedicação exclusiva (não pode ter nenhum outro trabalho ou vínculo empregatício além da pós-graduação) e há tempo máximo pré-determinado de recebimento da bolsa.

Nem todo estudante de pós-graduação recebe pagamento (a famosa bolsa) durante a realização do seu trabalho. Os valores destes financiamentos passaram 10 anos sem serem corrigidos. No entanto, em fevereiro de 2023, os valores foram reajustados, apesar de, ainda assim, não alcançarem o valor que teriam caso tivessem reajustes anuais. Os valores que começaram a ser pagos em março de 2023, em geral, são fixos (R $2.100,00 e R $3.200,00 para mestrado e doutorado, respectivamente), não havendo nenhum tipo de auxílio adicional (transporte e alimentação), nem tendo direito a 13º e férias. Ou seja, esses profissionais têm que trabalhar igual (ou até mais) que em qualquer outro trabalho, mas não há nenhum retorno compatível com os “trabalhos comuns”.

Você já parou para refletir o quão desgastante é exercer um trabalho (com todas as demandas e rotinas), mas não ter um salário? Ou não saber se vai receber ou não o salário? Pois esse é o cenário constante entre os pós-graduandos e ficou cada dia mais incerto devido aos cortes de orçamento dos órgãos de ensino, como pôde ser presenciado em larga escala em dezembro de 2022.

Os pós-graduandos têm que cumprir seus deveres (incluindo atividade laboral), mas não possuem quase direito nenhum, nem mesmo a garantia de salário. Sendo que, são esses profissionais os responsáveis por realizar a maior parte da pesquisa científica desenvolvida no Brasil.

Saúde mental na pós-graduação

Mulher de costas
Nos dias atuais, a saúde mental é um tema muito discutido por afetar o indivíduo, seu trabalho e pessoas ao seu redor. Fonte: rawpixel. #ParaTodosVerem: desenho de uma mulher de costas com uma grande nuvem ao redor e em cima de sua cabeça.

O dinheiro foi e sempre será um dos maiores objetivos, pois hoje você precisa de dinheiro para tudo, inclusive sobreviver. Quando não se tem dinheiro ou a quantidade é insuficiente para o sustento, há comprometimento da saúde física e mental da pessoa. Sem dinheiro perde-se acesso a coisas básicas como alimentação e moradia. Tendo em vista esse pensamento, como é aceitável pessoas executarem trabalhos sem receberem nada em troca? É assim que muitos pós-graduandos vivem.

A saúde mental dessa classe profissional é afetada não somente pela insegurança se vai ou não receber seu pagamento, mas esse é um fator de grande importância. Levando em consideração toda a situação relacionada a falta de reconhecimento profissional e os valores das bolsas, recém ajustados, ainda dificultam o sustento do pós-graduando. Sendo assim, é compreensível o porquê desses trabalhadores virem apresentarem altos níveis de problemas psicológicos, como ansiedade e depressão.

A pós-graduação stricto sensu deveria ser reconhecida como uma atividade profissional, porque ela exige uma dedicação de trabalho como qualquer outra. E, ao alcançar esse reconhecimento, esses profissionais devem ter acesso a todos os benefícios/auxílios obrigatórios aos demais profissionais contratados.

Perfil de Natalia Lopes
Texto revisado por Arthur Enrici e Fabiano Abreu

Cite este artigo:
LOPES, N. R. Pós-graduação: a profissão não reconhecida.  Revista Blog do Profissão Biotec, v.10, 2023. Disponível em: <https://profissaobiotec.com.br/pos-graduacao-profissao-reconhecida/>. Acesso em: dd/mm/aaaa.

Referências

ANPG. O pós-graduando e o trabalho invisível. Associação nacional de pós-graduandos, 2020. Disponível em: <https://www.anpg.org.br/01/05/2020/o-pos-graduando-e-o-trabalho-invisivel/>. Acesso em: dezembro de 2022.
ANPG. Documento de direitos e deveres das pós-graduandas e dos pós-graduandos do Brasil. Disponível em: <https://www.anpg.org.br/wp-content/uploads/2015/12/DOCUMENTO-DE-DIREITOS-finalizado.pdf>. Acesso em: dezembro de 2022.
ENRICI, A. W. Saúde Mental e Ciência. Revista Blog do Profissão Biotec, v.9, 2022. Disponível em: <https://profissaobiotec.com.br/saude-mental-e-ciencia/>. Acesso em: dezembro de 2022.
Fonte da imagem destacada: Rawpixel.

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