Embriões híbridos de porcos e humanos foram gerados em laboratório com sucesso pela primeira vez. O artigo demonstrando todos os resultados desta pesquisa, muito promissora para a medicina regenerativa, foi publicado na revista Cell em Janeiro. Apesar de serem apenas os primeiros passos, estes dados podem levar futuramente à produção de órgãos humanos em laboratório, salvando as vidas de milhares de pessoas que precisam de transplante.
Figura 1 – Embrião suíno de 4 semanas injetado com iPSCs humanas. Fonte: Wu et al., 2017
As quimeras (animais que possuem duas ou mais populações de células geneticamente distintas com origem em zigotos diferentes) foram geradas utilizando células tronco pluripotentes induzidas (iPSCs) humanas e embriões suínos. Estudos prévios com o objetivo de produzir híbridos entre ratos e humanos se mostraram ineficientes. Contudo, apesar da importância dos ratos como modelo, existem grandes diferenças entre ratos e humanos que podem alterar a eficiência e utilidade destes estudos.
Sendo assim, a utilização de animais mais semelhantes aos humanos é importante para o avanço desta área, e foi por este motivo que os porcos foram escolhidos. A fisiologia e anatomia dos órgãos deste animal são semelhantes aos de humanos, e o sistema imune também se comporta de maneira muito similar. Estas características fizeram com que os porcos tenham ganhado grande atenção em estudos pré-clínicos na última década. Além disso, a produção de porcos híbridos, contendo órgãos humanos, poderiam ser uma boa alternativa para transplante, levando em consideração que ele possui o porte necessário ao desenvolvimento destes.
Figura 2 – Órgãos semelhantes entre porcos e humanos.
Inicialmente, para melhor entendimento do processo, os pesquisadores geraram quimeras entre diferentes linhagens de roedores. Células tronco de ratos foram injetadas em embriões de camundongos. Um dos animais híbridos atingiu 2 anos de vida, mostrando que o quimerismo não compromete a fisiologia e longevidade.
Figura 3 – Embrião híbrido contendo duas linhagens celulares, sendo as células injetadas marcadas em vermelho (à esquerda), e os camundongos híbridos 12 e 24 meses após seu nascimento. Fonte: Wu et al., 2017
Após o sucesso na primeira etapa, o sistema CRISPR-Cas9 foi utilizado para editar o genoma de novos camundongos, tendo como objetivo nocautear genes (impedindo sua expressão) essenciais para o desenvolvimento de órgãos, como o pâncreas, coração e olhos. Estes animais com mutações se tornaram incapazes de desenvolver o órgão afetado. Com isso, as células-tronco de ratos eram injetadas na fase de blastocisto nos camundongos com o gene nocauteado, para avaliar se possuíam a capacidade de “colonizar o espaço vazio”, levando ao desenvolvimento de um órgão enriquecido com as células introduzidas. E as células realmente possuíam esta característica, onde os órgãos quiméricos foram gerados com sucesso.
Figura 4 – Sistema CRISPR-Cas9 utilizado para a edição do genoma.
Apesar do sucesso nos testes realizados entre roedores, a injeção de células de roedores em um embrião de suíno não originou embriões híbridos, evidenciando as suas grandes diferenças.
Figura 5 – A injeção de células de roedores não gera quimerismo em porcos. Fonte: Wu et al., 2017
Como último passo do trabalho, iPSCs humanas foram injetadas em embriões de porcos. Estes embriões foram então transferidos para fêmeas suínas e os pesquisadores deixaram que os embriões se desenvolvessem até o primeiro trimestre da gestação. Mais de 150 embriões apresentaram quimerismo, e células foram encontradas iniciando uma especialização, que iriam atuar como precursores para gerações de tecidos humanos. Com isso, provou-se que é possível a geração de híbridos entre humanos e porcos, deixando o caminho aberto para novos estudos que possam levar à produção de órgãos humanos completos para transplante.
Figura 6 – Processo de construção dos embriões híbridos entre porcos e humanos. Fonte: Wu et al., 2017
Apesar de serem apenas os primeiros passos, eles são muito valiosos, demonstrando que é factível a geração de embriões híbridos entre os dois animais. Além disso, utilização do sistema CRISPR-Cas9 de edição gênica pode ser usada em conjunto com a injeção de células tronco para gerar tecidos e órgãos humanos. Muitos debates éticos surgiram após este estudo, mas é indiscutível que a Biotecnologia mais uma vez mostrou seu potencial no avanço da Medicina Regenerativa.
Jun Wu, Aida Platero-Luengo, Masahiro Sakurai, Atsushi Sugawara, Maria Antonia Gil, Takayoshi Yamauchi, Keiichiro Suzuki, Yanina Soledad Bogliotti, Cristina Cuello, Mariana Morales Valencia, Daiji Okumura7, Jingping Luo, Marcela Vilariño, Inmaculada Parrilla, Delia Alba Soto, Cristina A. Martinez, Tomoaki Hishida, Sonia Sánchez-Bautista, M. Llanos Martinez-Martinez, Huili Wang, Alicia Nohalez, Emi Aizawa, Paloma Martinez-Redondo, Alejandro Ocampo, Pradeep Reddy, Jordi Roca, Elizabeth A. Maga, Concepcion Rodriguez Esteban, W. Travis Berggren, Estrella Nuñez Delicado, Jeronimo Lajara, Isabel Guillen, Pedro Guillen, Josep M. Campistol, Emilio A. Martinez, Pablo Juan Ross, Juan Carlos Izpisua Belmonte. Interspecies Chimerism with Mammalian Pluripotent Stem Cells. Cell, v. 168 (3), p. 473–486, 2017.
http://www.animalbiotech.com/blog/new-hope-for-transplanting-pig-organs-into-people/
http://www.sciencealert.com/it-s-alive-the-first-human-pig-hybrid-has-been-created-in-the-lab
https://www.wired.com/2017/01/first-human-pig-chimera-step-toward-custom-organs/
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3560993/
http://www.cbc.ca/news/technology/human-pig-embryos-growing-organs-transplants-1.3953451