Desde 1973, quando Boyer clonou o gene da insulina humana em uma bactéria e conseguiu desenvolver o primeiro fármaco recombinante, mal se imaginava a jornada de desenvolvimento de sistemas biológicos sintéticos que havia se iniciado. Hoje em dia, com o avanço do conhecimento em genética e biologia molecular, já conseguimos criar uma bactéria com genoma mínimo, revivemos o odor de plantas extintas e descobrimos uma nova ferramenta de edição genética, o CRISPR.
O que é biologia sintética?
A biologia sintética é uma área da biologia que busca projetar e construir novos sistemas biológicos com funções específicas. Tratamos de engenharia genética, e também pegamos algumas outras características da engenharia, como a padronização de partes (biológicas, nesse caso, e conhecidas como Biobricks) e o ciclo de Desenhar-Construir-Testar-Aprender (Design-Build-Test-Learn).
A biologia sintética é um campo recente da biotecnologia, tendo seu início no começo dos anos 2000, e vem mostrando seu grande potencial desde então por meio de projetos nos mais diversos assuntos, como corantes, produção de vacinas e até mesmo insumos agrícolas mais seguros. Esta área anda de mãos dadas com o movimento biohacker e DIY bio, acreditando na ciência aberta e colaborativa.
Por que Biologia Sintética?
Ao longo de milhões de anos, a evolução moldou organismos para sobreviver aos desafios impostos pela vida na terra, nos mais diferentes ambientes. Com isso, uma grande diversidade de moléculas, rotas metabólicas e sistemas biológicos surgiram.
A maior parte dos desafios da sociedade, no entanto, não foram moldados pela evolução. Enquanto a indústria quer atingir os melhores rendimentos de um produto fermentativo, como por exemplo a penicilina, o fungo tem o único objetivo de garantir sua própria sobrevivência, produzindo a penicilina apenas como mecanismo de defesa.
A Biologia Sintética permite que sejam construídos sistemas biológicos otimizados para resolver os desafios da humanidade, combinando partes biológicas e construindo algo ainda não existente na natureza. A aplicação da biologia como ferramenta para este fim precisa ser feita com ética, segurança e responsabilidade, seguindo protocolos para garantir que não cause impactos socioambientais inesperados.
Um exemplo das novas possibilidades que a Biologia Sintética traz é a renovação da indústria têxtil, que é altamente poluente e se agravou nas últimas décadas pela tendência de fast fashion. A indústria têxtil é responsável pela emissão de 1.2 bilhões de toneladas de CO2 por ano (relatório Pulse of the Fashion Industry 2017, lançado pela Global Fashion Agenda). Cerca de 70% disso vem da produção, e a fabricação de têxteis usa grandes quantidades de matérias-primas e água. Pensando em endereçar este problema, a Bolt Threads conseguiu sintetizar um coquetel de proteínas de seda de aranha em leveduras para desenvolver uma biofibra, sendo mais natural e menos poluente do que o processo tradicional de confecção de tecidos.
A Biologia Sintética também contribui para desenvolver novas ferramentas para a saúde humana. A startup americana Synlogic desenvolve bactérias probióticas geneticamente modificadas para desempenhar uma função específica ou fornecer um agente terapêutico. Para o tratamento de Fenilcetonúria, uma desordem genética que causa acúmulo do aminoácido fenilalanina no corpo. Foi engenheirada uma bactéria capaz de metabolizar o aminoácido, transformando-o em outro composto facilmente eliminado pelo corpo.
Criação da iGEM
Tendo em vista todo o potencial transformador da biologia sintética, a competição iGEM iniciou como uma iniciativa acadêmica no Massachusetts Institute of Technology (MIT) em 2003 com o propósito de desafiar os cientistas a usarem seu talento e imaginação para criar novos sistemas biológicos.
Com o passar dos anos, a competição foi crescendo e expandindo fronteiras. Em 2012, foi criada a Fundação iGEM (International Genetically Engineered Machine), uma organização sem fins lucrativos que promove a biologia sintética por meio da competição iGEM com a criação de uma comunidade de pessoas interessadas, o treinamento de talentos para lidar com biossegurança e ética e a preparação de novos empreendedores para transformar seu projeto em negócio.
A competição global iGEM reúne hoje equipes de estudantes de diversas universidades do mundo todo, que trabalham em projetos de biologia sintética durante o verão do hemisfério norte. A organização acredita que pessoas locais podem resolver problemas locais com a biologia sintética.
Em 2022, a competição teve a participação de 350 projetos e 70.000 participantes. Vários times brasileiros e da américa latina já participaram da competição global. No entanto, não é incomum ouvir relatos de desafios de times da nossa região, como problema com cadeias de insumos químicos (necessários para realizar experimentos em laboratório) e falta de recursos, o que acaba demandando muita energia dos times.
Com isso, surgiu a competição Latino americana iGEM Design League, que foca no desenvolvimento da etapa de Design do sistema biológico e traz uma experiência educacional para os estudantes da região, apoiando o início da sua carreira em Biologia Sintética. A autonomia dos novos cientistas e o poder de mudança em suas sociedades é algo potente, que gera uma visão holística dos projetos e ao mesmo tempo traz a oportunidade de desenvolvê-los tecnicamente.
O que é o iGEM Design League?
iGEM Design League (iDL) é um programa que realiza uma competição anual em que equipes de estudantes latino-americanos projetam uma solução para um problema local por meio da biologia sintética sem a necessidade de um laboratório. Esta competição tem a duração de 5 meses. Durante este tempo os participantes têm aulas de biologia sintética com especialistas e são acompanhados pelo staff do iDL.
Como parte da competição, existe o iGEM Academy, que oferece treinamento em design e engenharia de sistemas biológicos, para ajudar as equipes a criar projetos mais eficientes e seguros. São mais de 15 horas de conteúdo específico, legendado ou falado em português e espanhol.
A iGEM Design League é uma das Ligas da iGEM Foundation no âmbito do iGEM Leagues Program, que teve sua primeira edição em 2021.
Brasileiros na competição
Os projetos da iGEM Design League se dividem em categorias de assuntos diversos, que podem ser de meio-ambiente e biodiversidade; medicina humana e biomedicina; agricultura, alimento e nutrição; manufatura e biomateriais; ou categoria aberta, para aqueles projetos que não se enquadram nas categorias anteriores. Veja a seguir um resumo dos projetos brasileiros finalistas de 2021 e 2022:
UnB/Embrapa
O objetivo da UnB/Embrapa é resolver o problema do chorume da cidade de Brasília e seus arredores, que é altamente contaminante e possui mau odor, além de possuir substâncias contaminantes para o solo e para seres humanos. Para isso, a equipe desenvolveu um sistema que transforma compostos do chorume em produção de energia limpa, utilizando assim a biorremediação e produção de energia para resolução do problema. Tudo isso acontecerá em uma célula a combustível microbiana, um dispositivo eletroquímico que converte diretamente produtos químicos em energia elétrica usando microorganismos. A UnB/Embrapa foi finalista no ano de 2021.
OSIRIS-RIO-UFRJ
O objetivo da equipe OSIRIS é endereçar o envelhecimento celular. Processos relacionados à fisiopatologia do envelhecimento, como reparo do DNA, expressão gênica, síntese de ATP e também aumento de radicais livres, estão altamente correlacionados com a diminuição dos níveis de NAD. Para isso, a equipe desenvolveu um probiótico capaz de atuar na suplementação de NAD+ através da síntese e secreção de NR (ribosídeo de nicotinamida). A OSIRIS foi finalista no ano de 2022.
Até o momento, tivemos cinco equipes representando o Brasil na iGEM Design League, com finalistas nas duas edições. As instituições representadas foram Universidade Federal Fluminense (Time Ararinhas UFF 2021), CNPEM (Time CNPEM.Brazil 2021), Universidade de Brasília (Time UnB/Embrapa, finalista 2021), UTFPR Campus Ponta Grossa (Time UTFPR_PG Brazil – UTPrimers 2021) e Universidade Federal do Rio de Janeiro (OSIRIS-RIO-UFR, finalista 2022).
https://youtu.be/usU6yvi36zw (embbedar no corpo to texto)
Veja aqui a experiência dos ganhadores de 2021 em Boston!
O grande prêmio #DesignWithBiology
Neste ano, a edição do Grande Prêmio Design League 2023 pretende criar uma nova geração de líderes em biologia sintética na América Latina, que possam desenvolver soluções inovadoras e responsáveis para os desafios locais e globais enfrentados pela sociedade.
O vencedor do Grande Prêmio da iGEM Design League 2023 receberá suporte especial para continuar o ciclo de construção, teste e aprendizado de seu projeto, recebendo o apoio da parceira Ginkgo Bioworks. Terão acesso à orientação dos engenheiros da Ginkgo Bioworks, bem como à síntese de DNA pela empresa IDT. A equipe vencedora do Grande Prêmio viajará para Boston em 2024 para conhecer o maior polo de biologia sintética do mundo.
A competição iGEM Design League está com as inscrições abertas até dia 7 de junho, e as inscrições podem ser feitas no site
O iGEM Design League é uma iniciativa importante para a promoção da biologia sintética e o desenvolvimento de novas soluções biológicas para os desafios do mundo moderno. Essas iniciativas fornecem aos estudantes a oportunidade de trabalhar em projetos de vanguarda e adquirir habilidades valiosas em design e engenharia de sistemas biológicos.
Autora: Cristiane Toledo – Head of Outreach da iGEM Design League, uma competição de biologia sintética na América Latina. Tem experiência em ajudar grandes empresas a implementar suas estratégias de inovação. Formação na área da genética humana e biologia molecular. Foi eleita uma das 100 líderes em biotecnologia na América Latina (Allbiotech 3ª geração) em 2020 e no mundo em 2022 (Global Biotech Revolution/GapSummit).
Texto escrito em parceria com a iGEM Design League
Cite este artigo:
TOLEDO, C. Primeiros passos em Biologia Sintética: conheça a competição iGEM Design League. Revista Blog do Profissão Biotec. V. 10, 2023. Disponível em: <https://profissaobiotec.com.br/primeiros-passos-biologia-sintetica-conheca-competicao-igem-design-league/>. Acesso em: dd/mm/aaaa.